INTRODUÇÃO
A paralisia de pregas vocais corresponde a 10% das anomalias congênitas da laringe1 e apresenta etiologia, quadro clínico e tratamentos distintos quando comparamos crianças e adultos. Alguns autores observaram que em crianças com paralisia de prega vocal existe uma discreta predominância de paralisia unilateral1,2, enquanto outros observaram maior freqüência de paralisia bilateral3,4. No entanto, quando a lesão é unilateral há maior acometimento da prega vocal esquerda1-5. Isto pode ser explicado devido ao fato do nervo laríngeo recorrente esquerdo apresentar um trajeto mais longo4 e por sua relação com o ducto arterioso2, tornando-o susceptível a injúrias no decorrer da evolução de várias doenças ou durante procedimentos cirúrgicos. Pacientes do sexo masculino foram mais acometidos em diversos relatos2,3,5,6.
O principal sinal na paralisia de prega vocal na infância, tanto unilateral quanto bilateral, é o estridor, sendo a paralisia laríngea a segunda causa mais comum de estridor nesta faixa etária2, perdendo apenas para a laringomalácia. A paralisia bilateral cursa em maior freqüência com cianose e apnéia3,4, enquanto os casos unilaterais se apresentam com disfonia e alteração no choro1,4,7.
Considerando a paralisia bilateral, as principais causas são as neurológicas, idiopáticas e o trauma de parto1-6. Dentre as neurológicas, a má-formação de Arnold-Chiari, associada à meningomielocele e hidrocefalia, é a mais comum e geralmente se manifesta em torno do terceiro mês de vida1-4. O intervalo para o início dos sintomas é variado, desde o nascimento até 5 anos de idade1. Geralmente, o diagnóstico na paralisia bilateral é mais precoce do que na unilateral, devido à maior sintomatologia destes pacientes4.
Quanto à paralisia unilateral, a principal causa é a iatrogênica. A cirurgia cardíaca foi a principal etiologia encontrada em vários trabalhos e, na maioria dos casos, ocorreu na cirurgia da correção da persistência do canal arterial (PCA)1,2,4. Zbar et al.8 encontraram uma incidência de paralisia de prega vocal após a ligadura do canal arterial de 8,8%, com predominância em crianças com extremo baixo peso (menor de 0,9 Kg) e pré-termo (menor que 26 semanas). Este trabalho sugere que com a modernização das técnicas neonatais, temos maior sobrevida de prematuros e um conseqüente aumento do número de casos de PCA com indicação de correção cirúrgica, fazendo com que esta pareça ser a causa mais comum de paralisia de pregas vocais em crianças2,8. Outras causas de paralisia unilateral são idiopática, neurológica e trauma no parto1.
Ortner, em 1897, descreveu a associação de estenose mitral e rouquidão relacionada à paralisia do nervo laríngeo recorrente esquerdo. Na verdade, a síndrome de Ortner pode estar presente em outras doenças, visto que a fisiopatologia parece estar relacionada à compressão do nervo laríngeo entre a aorta e a artéria pulmonar9.
O diagnóstico da paralisia laríngea na infância pode ser realizado pela fibronasofaringolaringoscopia flexível (FNL)3,4, laringoscopia direta4, e ainda a partir da ultra-sonografia da laringe10. A FNL tem a vantagem de usar apenas anestesia tópica, não alterando a dinâmica das pregas vocais, porém pode tornar-se de difícil realização em pacientes neurológicos, com secreção abundante na via aérea superior, ou em pacientes com alterações anatômicas como tamanho das fossas nasais, forma da epiglote e laringe infantil alta e anteriorizada10. A laringoscopia direta permite uma boa visualização porém deve-se ter o cuidado no posicionamento do laringoscópio para que este não cause imobilização das pregas vocais10. A desvantagem é a necessidade de anestesia geral, o que pode alterar a movimentação das pregas vocais dependendo do plano anestésico, mas este método nos permite diagnosticar uma possível fixação da articulação cricoaritenóidea, estenose glótica posterior e fusão das pregas vocais4,11.
Friedman estudou o uso da ultra-sonografia da laringe comparando-a à FNL e à laringoscopia direta. Ela concluiu que a ultra-sonografia é um exame relativamente seguro, não-invasivo, confiável, de grande acurácia e reprodutível, podendo então ser usado no diagnóstico de paralisia de prega vocal. No entanto, este exame não substitui os exames endoscópicos para o diagnóstico das paralisias de prega vocal, servindo apenas como mais um método para avaliar a mobilidade das mesmas10.
Outros exames se fazem necessário para definir a etiologia, como exames de imagem do sistema nervoso central, base de crânio, pescoço e tórax (Tomografia computadorizada ou Ressonância magnética)4. A determinação do tipo (unilateral ou bilateral) e da causa da paralisia é de suma importância na escolha do tratamento. Em uma criança com via aérea inadequada, a traqueostomia está indicada5, sendo tal procedimento mais freqüente nas paralisias bilaterais4,5. Nos pacientes com má-formação de Arnold-Chiari o tratamento de escolha deve ser a derivação liquórica, visto que pode reverter a paralisia das pregas vocais5.
Os pacientes com paralisia por causa neurológica têm maior chance de recuperação comparando com as paralisias de causa idiopática1. A recuperação espontânea da mobilidade ocorre em um significante número de casos. Rosin et al. observaram 16% de recuperação nos casos bilaterais e 63% nos unilaterais4. Gentil et al.3 encontraram 62,5% e Daya et al.1 notaram em pacientes com paralisia de prega vocal secundária a causas neurológicas uma taxa de recuperação de 71%, sendo que todos estes casos eram de paralisia bilateral. Devido à possibilidade de recuperação espontânea, a conduta expectante é a preferida por vários autores1,3,5,11.
O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de uma criança com diagnóstico clínico de paralisia de prega vocal esquerda decorrente do tratamento cirúrgico da persistência do canal arterial, bem como discutir os aspectos diagnósticos e conduta nestes casos.
RELATO DE CASO
BSN, paciente do sexo feminino, 7 anos, apresentou-se ao Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo com história de voz soprosa e de fraca intensidade. Nascida de parto gemelar, pré-termo (31 semanas) com peso de 1,1 Kg, permaneceu em UTI neonatal por 2 meses sendo 30 dias em ventilação mecânica com quadro de doença pulmonar da membrana hialina, broncopneumonia e septicemia. Após 10 dias da alta, a mesma retornou com quadro de broncopneumonia, permaneceu internada por 28 dias, ocasião do óbito de seu irmão gêmeo pela mesma doença. Aos quatro meses de idade foi internada novamente para investigação de doença cardíaca, com quadro de cansaço e palidez ao choro e às mamadas, sendo então diagnosticada, através de ecocardiograma, a persistência do canal arterial. Aos 7 meses de idade foi submetida a minitoracotomia, em outro hospital, para correção da mesma; durante a recuperação pós-operatória evoluiu com quadro de insuficiência respiratória necessitando de traqueostomia e ventilação mecânica prolongada. Após alta a criança evoluiu com estenose subglótica sendo então submetida a quatro sessões de dilatação traqueal. Até os 2 anos de idade emitia somente sons fracos com esboços de palavras. A avaliação otorrinolaringológica na ocasião, por fibronasofaringolaringoscopia flexível, suspeitou de paralisia de prega vocal esquerda e a paciente foi encaminhada para fonoterapia, porém abandonou o tratamento devido à mudança de moradia para outro estado.
No exame atual a criança apresenta paralisia de prega vocal esquerda, em posição lateral, com prega vocal direita móvel e discreta estenose subglótica anterior que reduz em aproximadamente 30% o espaço subglótico. À fonação observamos baixo tempo de emissão associado a intensa soprosidade. No pescoço observamos pequena fístula traqueocutânea.
DISCUSSÃO
A etiologia das paralisias de pregas vocais é variada, e quando considerada a paralisia unilateral na criança a principal causa é iatrogênica. Na paralisia de prega vocal de causa iatrogênica o lado mais acometido é o esquerdo e na grande maioria das vezes é secundária à cirurgia para fechamento da PCA1.
A PCA corresponde a menos de 1% das anomalias cardíacas congênitas12, sendo mais freqüente em prematuros13. O fechamento do canal arterial pode ser induzido ou com o uso de medicamentos ou cirurgicamente. A indometacina é um potente inibidor da síntese de prostaglandinas e quando administrada precocemente pode cursar com taxas de sucesso de 50%. Na falha deste método a cirurgia é indicada, devendo esta ser realizada quando a criança estiver clinicamente estável ou em crianças assintomáticas ao completar o primeiro ano de vida13. Como visto na literatura, a incidência de paralisia de prega vocal após correção da PCA é maior em prematuros e recém-natos de baixo peso8. A paciente do caso relatado era prematura e de baixo peso, o que a colocava no grupo de maior incidência de PCA e de maior risco cirúrgico de lesão do nervo laríngeo recorrente, com conseqüente paralisia da prega vocal esquerda. Foi submetida à cirurgia aos 7 meses de idade, com realização de minitoracotomia e ligadura do canal arterial, evoluindo com dispnéia e estridor.
No caso relatado a FNL não foi realizada no pré-operatório, visto que não há uma rotina de solicitação deste exame nas crianças que são submetidas à cirurgia para correção de anomalias cardíacas congênitas. Acreditamos que este exame deve fazer parte da avaliação pré e pós-operatória nos indivíduos com indicação de cirurgia para correção de anomalias cardíacas congênitas, principalmente levando em consideração os aspectos médico-legais. Como a paralisia de prega vocal é uma complicação cirúrgica com alta incidência nestes pacientes, os familiares devem estar cientes dos riscos e devem assinar o termo de consentimento informado.
O quadro clínico nas paralisias bilaterais é constituído principalmente por estridor (76%), cianose (48%), dificuldade na alimentação (48%) e apnéia (41%). Na paralisia unilateral encontra-se com maior freqüência o estridor (59%), a dificuldade na alimentação (50%), cianose, tiragem e rouquidão (32% cada)4. No caso relatado observou-se disfonia com intensa soprosidade e choro fraco.
A FNL e a laringoscopia direta podem ser usadas no diagnóstico, devendo-se dar preferência à primeira por ser menos invasiva. Estes exames ajudam a descartar outras doenças que cursam com alteração de voz e estridor, como por exemplo: estenose glótica, fixação da articulação cricoaritenóidea e a laringomalácia1,4. Observamos no caso relatado, a partir da FNL, a presença de paralisia de prega vocal esquerda, lateralizada, associada a discreta estenose subglótica. Na literatura observamos que a obstrução das vias aéreas causada pela paralisia das pregas vocais pode ser exacerbada pela coexistência de outras doenças restritivas das vias aéreas superiores, como por exemplo laringomalácia, traqueobroncomalácia, estenose subglótica e granuloma pós-intubação. Esta associação pode ocorrer em até 45% dos casos1. Daya et al.1 observaram que todas as crianças com paralisia de prega vocal unilateral secundária à cirurgia cardíaca, e que necessitaram de traqueostomia, tinham doença associada de via aérea superior (estenose subglótica ou traqueomalácia).
A conduta mais aceita nesses casos é a expectante, devido à possibilidade de reversão espontânea da paralisia, reservando a traqueostomia para os casos de comprometimento da via aérea com dificuldade respiratória1. No nosso caso optamos pelo acompanhamento da paciente, associado à fonoterapia, com a intenção de obtermos uma melhor compensação da prega vocal direita e melhora da voz.
Quando indicada, a intervenção cirúrgica nos casos de paralisia bilateral em posição paramediana pode ser realizada utilizando métodos para lateralização das pregas vocais ou a reinervação dos músculos cricoaritenóideos posteriores. A primeira tem a desvantagem de ser irreversível e, com o crescimento da criança, o calibre final da via aérea pode não ser mais adequado. A reinervação dos músculos cricoaritenóideos posteriores possibilita uma boa abertura da fenda glótica, sem aumento da soprosidade da voz, fato que ocorre na cirurgia de lateralização. Além disso, pode ser utilizada outra técnica em caso de falha. O tempo para que ocorra a reinervação pode variar de 2 a 6 meses11.
Nas paralisias unilaterais a conduta de eleição é a fonoterapia. A maioria das crianças apresenta uma compensação dispensando qualquer procedimento cirúrgico2,5. Técnicas de medialização podem ser usadas no caso de prega vocal em posição lateralizada, no entanto estas cirurgias podem restringir a via aérea, são irreversíveis, e como as cirurgias de lateralização, há dificuldade de estabelecer um melhor posicionamento da prega vocal devido a criança estar sob anestesia geral. Nestas cirurgias não há retorno da tensão da prega vocal, mantendo, então, um controle ruim do pitch vocal11. A injeção de Teflon ou Gelfoam permite uma melhora imediata da voz ou tosse eficaz, contudo é um procedimento irreversível e de difícil avaliação do quanto de material deve ser injetado, podendo comprometer a voz e o calibre da via aérea11. Daya et al.1 relataram um caso bem sucedido e outro que houve formação de granuloma com necessidade de exérese cirúrgica do mesmo.
COMENTÁRIOS FINAIS
Sugerimos o uso da fibronasofaringolaringoscopia flexível no pré e pós-operatório de crianças com indicação de cirurgia cardíaca para correção de anomalias congênitas, permitindo deste modo o diagnóstico precoce de paralisia de prega vocal e a definição de conduta o mais precocemente possível.
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