INTRODUÇÃOA laringe está suspensa no pescoço e localiza-se entre o osso hióide e a traquéia. Ao nascimento, encontra-se em posição alta no pescoço, com o limite inferior da cartilagem cricóidea em torno das vértebras cervicais C3 e C4, desce lenta e continuamente até a senescência.1 No adulto, a cartilagem cricóidea está ao nível da sexta vértebra cervical (C6) e o seu arco é palpável in vivo.2 A laringe é mais curta em mulheres e crianças e está situada mais superiormente. Geralmente, essa diferença entre os sexos desenvolve-se na puberdade em homens, quando todas as cartilagens aumentam.3
Como muitos grupos musculares prendem-se às cartilagens laríngeas, muitas forças podem influenciar sua posição dependendo da magnitude relativa de sua contração. Os músculos extrínsecos da laringe devem ser capazes de elevá-la e de abaixá-la no pescoço, sendo a variação da freqüência da voz a conseqüência acústica direta desse movimento. A posição da laringe elevada encurta o trato vocal, o que aumentará todas as freqüências dos formantes.4 Presume-se que a posição baixa da laringe produza o efeito oposto. Sendo assim, a altura da laringe tem um importante efeito acústico sobre a voz do falante.
Outro aspecto importante está relacionado com a própria fonte. Fisiologicamente, a laringe elevada está fortemente associada ao processo de deglutição, funcionando como uma válvula esfincteriana, um mecanismo de proteção de via aérea. O abaixamento da laringe está associado à inspiração e abertura glótica, levando provavelmente um componente abdutor no gesto de abaixamento da laringe. Desta forma, a fonação caminha de um padrão comprimido para um padrão mais fluido de emissão.5
A literatura e a prática clínica têm mostrado que a posição da laringe elevada está freqüentemente associada a vozes com forte componente de tensão, principalmente nos quadros funcionais.1,6 Em contrapartida, a posição mais baixa da laringe a um padrão mais suave e confortável de emissão. Logo, a posição vertical da laringe pode ser considerada um parâmetro muito interessante no acompanhamento clínico e fonoaudiológico de pacientes disfônicos. Entretanto, as técnicas descritas para a medição da posição vertical da laringe ainda são complexas e muito distantes da nossa realidade clínica.
O presente estudo tem como objetivo propor uma forma prática e rápida de medição da posição vertical da laringe no pescoço, em repouso, de adultos jovens sem queixa vocal.
MATERIAL E MÉTODOO estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo, através do documento nº 1555/03. A pesquisa foi realizada no Setor de Laringe e Voz da EPM - UNIFESP, no ano de 2004.
Participaram desta pesquisa 68 adultos jovens, faixa etária de 18 a 44 anos, 33 do sexo feminino e 35 do sexo masculino. Todos os sujeitos eram saudáveis e não apresentavam queixas vocais e histórico de disfonia.
Inicialmente, os participantes tiveram suas vozes gravadas para a obtenção da medida da freqüência fundamental. O programa utilizado foi o GRAM, versão 5.7. Os sujeitos foram orientados a emitir a vogal sustentada "é" em posição em pé, com o microfone unidirecional localizado a 10cm da boca do falante, num ângulo de 45o.
As medições para o estudo da altura da laringe foram realizadas com a utilização de um compasso (com uma pequenina borracha adaptada em cada ponta, para que não causasse qualquer dano ao paciente) e uma régua de 20cm, com os sujeitos em posição sentada com a cabeça em hiperextensão máxima.
Os pontos de referência utilizados para a obtenção das medidas foram os ângulos da mandíbula direito (AMD) e esquerdo (AME), o centro do arco da cartilagem cricóidea (CC) e o centro da fúrcula esternal (FE). Esses pontos foram devidamente marcados com a utilização de caneta hidrográfica.
Para a obtenção da posição vertical da laringe no pescoço, foram medidas as seguintes distâncias: AMD-AME - do ângulo da mandíbula direito ao ângulo da mandíbula esquerdo; AMD-CC - do ângulo da mandíbula direito ao centro do arco da cartilagem cricóidea e AMD-FE - do ângulo da mandíbula direito ao centro da fúrcula esternal. Inicialmente, as medições foram realizadas com o compasso no sujeito e posteriormente marcadas na régua.
A partir das medidas realizadas, obtivemos os comprimentos B/2, L e l. As alturas H e h foram obtidas por meio da aplicação do Teorema de Pitágoras nos dois triângulos retângulos, sendo o triângulo menor formado por AMD-Y, Y-CC e AMD-CC; e o maior por AMD-Y, Y-FE e AMD-FE. Com base no resultado da diferença entre H e h, obtivemos o valor de X que corresponde à distância de CC a FE.
Definimos que a PVL será um valor relativo a H, então:
Sendo X = H - h
H: Altura do triângulo maior
Assim, quanto maior o valor da PVL, mais elevada a laringe encontra-se no pescoço (Figura 5); quanto menor o valor da PVL, mais baixa a laringe encontra-se no pescoço (Figura 6).
A análise estatística foi realizada por meio do Teste t de Student. O nível de significância adotado foi de 5%.
RESULTADOSOs resultados serão apresentados nas tabelas a seguir.
Figura 1. Marcação da medida do ângulo da mandíbula direito (AMD) ao ângulo esquerdo (AME).
Figura 2. Marcação da medida do ângulo da mandíbula direito (AMD) ao centro do arco da cartilagem cricóidea (CC).
Figura 3. Marcação da medida do ângulo da mandíbula direito (AMD) ao centro da fúrcula esternal (FE).
Figura 4. AMD-AME - Ângulo da mandíbula direito até o ângulo da mandíbula esquerdo AMD - CC - Ângulo da mandíbula direito até o centro do arco da cartilagem cricóidea AMD - FE - Ângulo da mandíbula direito até o centro da fúrcula esternal B - Comprimento de AMD-AME l - Comprimento de AMD - CC L - Comprimento de AMD - FE h - Altura do triângulo menor H - Altura do triângulo maior (H = h + X) X - Distância entre os pontos CC e FE (X = H - h) Y - Ponto médio de AMD-AME
Figura 5. PVL alta no pescoço
Figura 6. PVL baixa no pescoço
Tabela 1. Valores da medida da freqüência fundamental e da posição vertical da laringe de adultos jovens do gênero feminino, sem queixa vocal
Tabela 2. Valores da medida da freqüência fundamental e da posição vertical da laringe de adultos jovens do gênero masculino, sem queixa vocal
Tabela 3. Média dos valores da posição vertical da laringe e da medida da freqüência fundamental de adultos jovens, sem queixa vocal
DISCUSSÃOA posição vertical da laringe (PVL) apresenta importantes implicações acústicas e fisiológicas. A variação da freqüência da voz é uma conseqüência acústica direta do movimento vertical da laringe no pescoço.
A posição elevada da laringe é uma característica freqüentemente encontrada nas disfonias hiperfuncionais.1,6 A tensão da musculatura laríngea pode produzir uma série de alterações vocais, como afonia, soprosidade, rouquidão, ou pitch excessivamente alto.1 De acordo com Angsuwarangsee e Morrison, a disfonia por tensão muscular é provavelmente a causa mais comum de alterações vocais de origem não-orgânica.7 A redução da tensão músculo-esquelética, obtida por meio de técnicas vocais como bocejo e suspiro, manipulação laríngea e /b/ prolongado, leva a uma produção vocal de melhor qualidade. O posicionamento mais baixo de uma laringe habitualmente elevada é muitas vezes um objetivo específico a ser alcançado tanto para a pedagogia do canto, quanto para a clínica vocal.
A mensuração da posição da laringe em repouso é tecnicamente muito difícil, principalmente por não haver pontos fixos que sirvam de referência para a obtenção das medidas. Dos poucos estudos destinados a investigar a posição da laringe no pescoço, a maioria teve como objetivo analisar o movimento vertical da laringe na fala, no canto e na respiração.6,8,9 Medidas prévias da posição da laringe foram obtidas com o uso de aparelhos ópticos, de raios-X e fotográficos.8,10 Honda, Hirai, Masaki & Shimada (1999) utilizaram imagens de ressonância magnética para analisar o papel do movimento vertical da laringe e da lordose cervical no controle da freqüência vocal.9
Para fins de padronização e evitar variações na posição da cabeça, optamos por realizar as mensurações com os participantes com a cabeça em hiperextensão máxima. Esse cuidado deve ser tomado para que as medidas intra-sujeitos realizadas durante o acompanhamento clínico possam ser passíveis de comparação. Alguns participantes foram descartados da pesquisa por apresentarem pescoços muito volumosos, dificultando a localização dos pontos de referência.
Nessa pesquisa definimos que a PVL será um valor relativo à H (altura do triângulo maior), pois a análise estatística mostrou que H teve um importante peso na distinção entre os gêneros feminino e masculino. Observamos também que a PVL está altamente correlacionada com a relação entre l (comprimento de AMD-CC) e L (comprimento de AMD-FE), ou seja, quanto maior o valor da PVL, menor o valor da relação l / L. Entretanto, os dados mostraram que a relação l / L foi fraca na distinção entre os sexos.
A análise comportamental dos dados da pesquisa não revelou uma relação direta entre a medida da freqüência fundamental e a PVL tanto no sexo feminino (Tabela 1), quanto no masculino (Tabela 2), provavelmente pelo fato de o estudo ter sido realizado com sujeitos normais. Talvez essa relação possa ser observada em estudos posteriores ao se comparar sujeitos normais com sujeitos disfônicos.
Os dados obtidos desta pesquisa confirmam os achados da literatura para sujeitos normais.3 A posição da laringe no sexo feminino mostrou-se estatisticamente mais alta que no sexo masculino. A medida da freqüência fundamental no sexo feminino foi significantemente mais alta que no sexo masculino (Tabela 3), com valores próximos aos pesquisados por Behlau, Tosi e Pontes.11
Por meio desta pesquisa pudemos verificar que essa forma de medição da posição vertical da laringe é possível de ser realizada e pode ser um parâmetro interessante no acompanhamento clínico intra-sujeitos de pacientes disfônicos, como também nos casos de muda vocal incompleta.
CONCLUSÃOA forma de obtenção da posição vertical da laringe em ambos os sexos mostrou-se prática e de fácil realização. A laringe no sexo feminino encontra-se em posição mais alta que no sexo masculino.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Aronson AE. Therapy for voice disorders. In Aronson AE. Clinical Voice Disorders. 3rd ed. New York: Thieme/Stratton; 1990. p. 309-47.
2. Gardner E, Gray D, O'Rahilly R. Anatomia - Estudo Regional do Corpo Humano. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1988.
3. Moore KL. Anatomia: orientada para a clínica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1994.
4. Shipp T. Vertical laryngeal position: Research findings and their relationship for singers. J Voice 1987; 1(3): 217-9.
5. Shipp T, Guinn L, Sundberg J, Titze I. Vertical laryngeal position - Research findings and their relationship to singing. J Voice 1987; 1 (3): 220-2.
6. Iwarsson J. Effects of inhalatory abdominal wall movement on vertical laryngeal position during phonation. J Voice 2001 15(3): 384-94.
7. Angsuwarangsee T, Morrison M. Extrinsic laryngeal muscular tension in patients with voice disorders. J Voice 2002; 16: 333-43.
8. Shipp T. Vertical laryngeal position during continuous and discrete vocal frequency change. J Speech Hear Res 1975; 18(4): 707-18.
9. Honda K, Hirai H, Masaki S, Shimada Y. Role of vertical larynx movement and cervical lordosis in F0 Control. Lang Speech 1999; 42(4): 401-11.
10. Ewan W, Krones R. Measuring larynx movement using the thyroumbrometer. J Phonetics 1974; 2: 327-35.
11. Behlau M, Tosi O, Pontes P. Determinação da freqüência fundamental e suas variações em altura (jitter), em intensidade (shimmer) para falantes do português brasileiro. Acta AWHO 1985; 4: 5-9.