INTRODUÇÃOO osteossarcoma (OS) é o neoplasma maligno primário mais comum do osso, ocorrendo com maior freqüência nos ossos longos e, ocasionalmente, na região maxilofacial1. Aproximadamente 5% dos OS surgem nos ossos maxilares, constituindo a mandíbula o sítio mais envolvido2. O OS dos maxilares geralmente afeta indivíduos adultos, com faixa etária situada entre a 3ª e 4ª décadas de vida, além disso, as metástases são raras e o prognóstico é significativamente melhor, quando comparado com a sua contraparte nos ossos longos3. A Organização Mundial da Saúde reconhece diversas variantes que diferem na localização, comportamento clínico e grau de atipia celular, sendo o osteossarcoma convencional ou clássico a variante de maior ocorrência, a qual se desenvolve na região medular do osso e pode ser subdividida nos tipos histológicos osteoblástico e condroblástico, a depender do tipo de matriz extracelular produzida pelas células tumorais4.
A proposta deste artigo é apresentar um caso de osteossarcoma de mandíbula que inicialmente foi diagnosticado e tratado como uma lesão do periápice dental, bem como comparar seus aspectos clínicos e microscópicos com outros casos similares relatados previamente na literatura.
REVISÃO DA LITERATURAO termo osteossarcoma refere-se a um grupo heterogêneo de neoplasias malignas que afetam a formação de osso ou tecido mesenquimal que tem evidência histopatológica de diferenciação osteogênica.
Chindia et al. (1998)5 relataram 14 casos de osteossarcomas dos ossos maxilares, sendo 11 na maxila, 2 na mandíbula e 1 no arco zigomático. A faixa etária dos pacientes era de uma semana a 50 anos (média de 29,7 anos), com uma distribuição igual entre os sexos masculino e feminino. Os aspectos clínicos mais comuns foram dor e rápido aumento de volume, sendo que os aspectos radiográficos e histológicos foram bastante variados. Os autores relataram que pelo menos 6 dos pacientes que foram acompanhados por períodos de 2 a 6 meses tiveram extensas recorrências a partir da qual foram a óbito. As modalidades de tratamento utilizadas foram quimioterapia, radioterapia e cirurgia, isoladamente ou em associação.
Uma revisão retrospectiva de dados clínicos, radiográficos e histopatológicos de 25 pacientes foi realizada com o objetivo de comparar o comportamento clínico dos tumores e analisar as diferenças relatadas de tumores de outros sítios4. A idade de apresentação das lesões primárias foi de 36,9 anos (10-87 anos) com leve predileção pelo gênero feminino. Os aspectos mais comuns de apresentação foram: aumento de volume, dor, ulceração e distúrbio neurológico; radiograficamente podiam ser observadas áreas radiopacas e radiolúcidas. Histologicamente, observava-se trabeculado ósseo imaturo separado por um estroma que variava citologicamente de brando a alto grau. Em algumas regiões, notava-se marcada atipia e atividade mitótica. A maioria da lesão tinha áreas de formação condróide adicionalmente ao osteóide neoplásico. A principal complicação foi recorrência local e as metástases foram raras e ocorreram como um processo isolado ou em um estágio tardio na progressão da doença.
Mardinger et al. (2001)6 apresentaram 14 casos de OS dos maxilares e discutiram baseados em uma revisão da literatura de 774 casos relatados na literatura inglesa. Analisaram ainda as diferenças entre OS dos maxilares e OS dos ossos longos. Os pacientes tinham de 8 a 78 anos (média de 33 anos). Foram revisados dados epidemiológicos, modalidade de tratamento e sobrevida. Dos 14 pacientes, 6 (42%) tinham tumores na mandíbula e 8 (58%) na maxila. Os tipos histológicos encontrados foram condroblástico, osteoblástico, fibroblástico e semelhante ao histiocitoma fibroso malignos. Detectou-se alto grau patológico (3 ou 4) em 13 casos e baixo grau (1) em apenas um caso mandibular. Todos os pacientes submeteram-se à ressecção cirúrgica e reconstrução imediata. A terapia adjuvante incluía radiação pós-operativa e quimioterapia pós-operativa e pré-operativa.
Recentemente, Takahama Junior et al. (2003)7 avaliaram os aspectos clínico-patológicos e a expressão imuno-histoquímica das proteínas p53, MDM2, PCNA e KI67 em 25 OS de cabeça e pescoço. A média de idade dos pacientes foi de 29 anos e o sítio mais comum foi a mandíbula (60%). O tipo histológico predominante foi o condroblástico (72%). A análise imuno-histoquímica exibiu positividade em 52% dos casos para p53, 24% para MDM2, 84% para CDK4, 92% para PCNA e 88% para KI67. A maioria dos pacientes foi tratada com cirurgia isoladamente ou em associação com quimioterapia. As taxas de sobrevida de 5 anos e 10 anos foram respectivamente 59% e 49% e os fatores de prognóstico mais importantes foram história prévia de exposição à radiação e o tipo histológico osteoblástico.
RELATO DO CASOPaciente do sexo F, 20 anos, foi encaminhada à disciplina de Patologia Oral, Departamento de Odontologia da UFRN, para avaliação de um aumento de volume na região de pré-molar (PM) inferior esquerdo. A paciente havia previamente comparecido a uma clínica odontológica queixando-se de um discreto aumento de volume na região descrita, de consistência dura, indolor à palpação, sem outras manifestações. A radiografia periapical mostrou imagem radiográfica sugestiva de reabsorção radicular e rarefação óssea difusa no periápice do 34, seguindo-se então, o tratamento endodôntico do dente com polpa necrótica (Figura 1). Após 11 dias, a paciente retorna à clínica queixando-se de não ter havido melhora. Pôde-se notar que houve rápida evolução do quadro clínico, com visível assimetria facial, associada a uma dormência no lado esquerdo do lábio inferior relatada pela paciente. À palpação, não havia comprometimento da rede linfática na região cérvico-facial e ao exame intra-oral observou-se que a região vestibular de PM inferior esquerdo estava tumefeita, avermelhada e sangrante. A lesão apresentava-se com crescimento rápido, porém não havia alteração no estado físico geral da paciente. Foi então solicitado hemograma completo e exame de urina, os quais exibiam taxas normais, além de exame radiográfico que compreendeu a seguinte bateria de radiografias: lateral oblíqua de mandíbula esquerda, oclusal, periapical e PA de tórax para constatar eventuais metástases pulmonares. Na radiografia oclusal constatou-se imagem compatível com área de destruição óssea e formação anormal na região, com aspecto de vidro despolido, mascarando detalhes no trabeculado ósseo. A cortical externa mostrava grande radiopacidade semelhante a "raios de sol" sugerindo o diagnóstico de osteossarcoma (Figura 1). A paciente foi então encaminhada para o serviço de diagnóstico oral da UFRN, e posteriormente submeteu-se a uma biópsia no laboratório de Patologia Clínica e Cirurgia de Natal, onde a avaliação histopatológica confirmou a suspeita clínica de osteossarcoma.
DISCUSSÃOOs osteossarcomas primários representam um grupo heterogêneo de tumores malignos do osso, caracterizado pela diversidade de aspectos histológicos e de comportamento clínico-biológico, sendo mais freqüentes nos ossos longos e, raros, nos maxilares4.
Figura 1. Radiografia oclusal mostrando cortical externa com radiopacidade semelhante "Raios de sol" (esquerda). Radiografias periapicais mostrando aumento do espaço periapical do pré-molar (direita).
A faixa etária de maior ocorrência dos OS dos ossos gnáticos geralmente situa-se entre a 3ª e 4ª décadas de vida3,4,6,8,. No presente artigo, relata-se um caso de OS acometendo uma paciente de apenas 20 anos de idade. De acordo com Slootweg e Muller (1985)7, a idade pode ser um parâmetro importante na diferenciação dos OS em diversas regiões anatômicas e em previsões prognósticas. Para estes autores, pacientes com idade mais avançada têm um melhor prognóstico, devido ao aumento da resistência ao tumor.
Algumas condições etiológicas pré-existentes podem promover o desenvolvimento de OS, como: radiação prévia, displasia fibrosa, doença de Paget do osso e trauma local. Isto pode sugerir uma associação entre este neoplasma e atividade celular excessiva6. No caso relatado neste estudo, não houve envolvimento de qualquer uma das condições predisponentes.
Na região maxilo-mandibular, a maioria dos OS são de natureza osteoblástica, com deposição de quantidade variável de matriz osteóide, apresentando pouca atipia citológica e, geralmente consistem em lesões bem diferenciadas4,5. No presente caso, histologicamente, o tumor era composto de células ora ovaladas, ora fusiformes que exibiam discreto pleomorfismo celular, responsáveis pela deposição de extensas áreas de osteóide caracterizando o tipo osteoblástico (Figuras 2 e 3). Takahama Junior et al. (2003)7, em um estudo envolvendo 25 casos de OS, observaram que de acordo com o tipo histológico do tumor, os pacientes com a variedade condroblástica tinham uma taxa de sobrevida mais alta quando comparada com o tipo osteoblástico (p = 0,02).
Existem diferenças no comportamento clínico dos tumores nos ossos maxilares que influenciam fortemente o curso da doença, o modo de tratamento e o prognóstico6. Os osteossarcomas dos ossos maxilares são menos agressivos, que aqueles dos ossos longos, pois metastatizam raramente e estão presentes em grupo de idade levemente mais velho. Além disso, o diagnóstico precoce é favorecido por motivações estéticas e funcionais, especialmente na região maxilofacial8.
Em sua revisão de literatura, Carnelio et al. (2002)2 colocam que a taxa de sobrevida de 5 anos para OS primários dos ossos maxilares varia de 30 a 40%, sendo relatada taxa de sobrevida acima de 80% para pacientes que se submeteram à ressecção radical precocemente.
O caso relatado no presente artigo exibiu uma sobrevida inferior à observada na maioria dos OS de ossos gnáticos relatadas na literatura e, mostrou-se biologicamente semelhante ao seu correspondente nos ossos longos, quanto à agressividade, já que houve recorrência local da lesão 8 meses após cirurgia (Figura 4), com a paciente vindo a óbito 1 ano após recidiva. Portanto, a sobrevida da paciente foi inferior a dois anos. Uma baixa taxa de sobrevida também foi observada por Takahama Junior et al. (2003)7 em todos os pacientes incluídos no estudo que desenvolveram recorrência local, pois foram a óbito por causa da doença em menos de 5 anos de acompanhamento.
O tratamento do OS está bem determinado em ossos longos, mas continua pouco compreendido quando a condição afeta a mandíbula ou maxila. É notório o benefício da quimioterapia em OS dos ossos longos, conduzindo a uma mudança profunda na taxa de sobrevida livre da doença (de 20% nos anos 60 para 70% nos anos 80), porém esta melhoria não incluiu OS dos maxilares, já que a raridade dos mesmos associada à falta de padronização dos protocolos de quimioterapia, dificultam a avaliação da eficiência da terapia adjuvante6.
Figura 2. Fotomicrografia mostrando área de osteóide e discreto pleomorfismo celular (HE/400x).
Figura 3. Fotomicrografia mostrando extensa área de deposição de osteóide (HE/200X).
Figura 4. Aspecto clínico extra-oral de tumor recorrente 8 meses após cirurgia.
Na maioria dos casos a terapia de escolha é a excisão cirúrgica radical, por proporcionar uma taxa de sobrevida de 5 anos acima de 80%. Quanto à quimioterapia, parece que esta apresenta pouco impacto nas taxas de sobrevida de pacientes acometidos por OS dos maxilares, isto se explica pelo fato das metástases serem raras e tardias, ocorrendo em apenas 18% dos casos, devendo-se considerar ainda a recorrência local da lesão como a principal causa de morte6.
No caso apresentado neste artigo, a lesão foi diagnosticada precocemente, o tratamento foi cirúrgico com hemimandibulectomia associado à quimioterapia, os quais se mostraram ineficazes para evitar a recidiva, caracterizando uma agressividade intrínseca do tumor.
COMENTÁRIOS FINAISDefinições mais precisas acerca do comportamento biológico dos OS que atingem os ossos maxilares são imprescindíveis para se estabelecer um esquema terapêutico eficaz com o objetivo de elevar a sobrevida do paciente. Considerando a raridade desta entidade, entende-se que a apresentação de casos clínicos, especialmente levando-se em conta o rápido tempo de evolução e a agressividade do caso aqui relatado, representa uma contribuição importante para um melhor entendimento sobre OS que acometem os ossos maxilares.
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10. Sorensen MD, Gokden M, El-Naggar A, Byers RM. Quiz case 1 (Radiology Forum) Arc Otolaryngol- Head & Neck Surg 2000; 126 (4): 550-2.
1 Doutoranda em Patologia Oral/ UFRN.
2 Mestranda em Patologia Oral/UFRN.
3 Professora Doutora em Patologia Oral/UFRN.
4 Cirurgião buco-maxilo-facial.
5 Professor Doutor em Patologia Oral/UFRN
Programa de Pós-graduação em Patologia Oral - Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Leão Pereira Pinto - Rua Major Laurentino de Morais, 1218 ap. 301 Tirol Natal RN 59020-390.
Tel (0xx84) 222-9607 - E-mail: llpinto@digi.com.br
Trabalho apresentado na Sociedade Brasileira de Estomatologia (SOBE), no ano de 2002, em Curitiba-PR.
Artigo recebido em 17 de julho de 2003. Artigo aceito em 04 de março de 2004.