ISSN 1806-9312  
Quarta, 27 de Novembro de 2024
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3209 - Vol. 71 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 2005
Seção: Artigo Original Páginas: 168 a 171
Papel do teste de detecção rápida do antígeno do estreptococcus pyogenes do grupo a em pacientes com faringoamigdalites
Autor(es):
Bernardo Cunha Araujo Filho1, Rui Imamura2, Luiz Ubirajara Sennes3, Flávio Akira Sakae4

Palavras-chave: teste de detecção rápida, estreptococcus pyogenes do grupo A, faringoamigdalites.

Keywords: rapid antigen detection test, group A pyogenes streptococcus, pharyngotonsillitis.

Resumo: O Streptococcus pyogenes do grupo A (SGA) é o agente etiológico mais comum das faringoamigdalites (FA). O diagnóstico etiológico correto e tratamento adequado evitam complicações supurativas e não-supurativas da faringoamigdalite estreptocócica, entretanto, métodos clínicos de diagnóstico não são confiáveis. Os métodos rápidos de detecção do antígeno do SGA podem ser utilizados no diagnóstico deste agente e evitar uso indevido de antibióticos. Objetivos: Os autores objetivaram avaliar a sensibilidade e especificidade dos testes rápidos para detecção do antígeno do SGA em nosso meio. Forma de Estudo: Clínico prospectivo. Casuística e Método: Oitenta e um pacientes com faringoamigdalite aguda, atendidos no PS-ORL do Hospital das Clínicas da FMUSP, no período de maio de 2001 a abril de 2002, foram submetidos a duas coletas simultâneas de material de orofaringe com swabs. O teste rápido de detecção do SGA foi confrontado com a cultura em placa agar-sangue ("gold standard" para o diagnóstico etiológico). Resultados: De 81 pacientes, 56% tiveram teste rápido positivo e 44% negativo; 40.7% apresentaram crescimento de SGA na cultura; a sensibilidade e especificidade do teste rápido foram, respectivamente, 93,9% e 68,7%. O valor preditivo negativo e positivo foram, respectivamente, 94,2% e 67,4%. Comentários Finais: A alta sensibilidade do exame permite utilizá-lo com intuito de identificar pacientes com SGA. Os testes de detecção rápida do antígeno estreptocócico se mostraram uma importante arma coadjuvante no diagnóstico etiológico das faringoamigdalites.

Abstract: Group A pyogenes streptococcus (GAS) is an important pharyngotonsillitis etiologic agent. A correct etiologic diagnosis and early treatment, preventing suppurative and non-suppurative complications of streptococcal pharyngotonsillitis, however, the clinical diagnosis is not reliable. Within this context, rapid detection methods of GAS antigen are useful to diagnose this agent. Objectives: The objective of the present study was to determine the sensitivity and specificity of rapid GAS antigen detection tests used in Brazil. Study Design: Clinical prospective. Method: Eighty-one patients with a clinical diagnosis of acute pharyngotonsillitis seen at the otorhinolaryngology emergency department of the University Hospital, FMUSP, between May 2001 and April 2002 were submitted to two simultaneous collections of oropharyngeal material using swabs. The rapid GAS antigen detection test was compared to culture on blood agar, the gold standard for the diagnosis of this etiologic agent. Results: Among the 81 patients studied, the rapid test was positive in 56% and negative in 44%. GAS growth in culture was observed for 40.7% of the patients. The sensitivity and specificity of the rapid test were, respectively, 93.9% and 68.7%, and the negative and positive predictive values were 94.2 and 67.4%, respectively. Conclusions: We conclude that the high sensitivity of the test permits its use for the identification of patients with GAS. Rapid streptococcal antigen detection tests have been shown to be an important coadjuvant tool in the etiologic diagnosis of pharyngotonsillitis.

INTRODUÇÃO

A faringoamigdalite (FA) causada pelo Streptococcus pyogenes do grupo A (SGA) é uma afecção comum em nosso meio, incidindo principalmente em crianças e jovens adultos. A infecção pelo SGA é a principal etiologia bacteriana de FA aguda, acometendo 15 a 30% dos casos em crianças e adolescentes e 5 a 10% dos casos em adultos1-3.

As FAs podem ser causadas por infecções virais e bacterianas, porém, com raras exceções (Corynebacterium diphtheriae e Neisseria gonorrhoeae) apenas as infecções causadas por SGA tem indicação formal de tratamento com antibióticos4,5. Nestes casos, o tratamento com antibiótico abrevia os sintomas relacionados à infecção (se utilizado até 48 horas após inicio dos sintomas), pode evitar complicações supurativas e não-supurativas e prevenir a disseminação na comunidade2,6-10. A febre reumática e a glomerulonefrite, seguidas das complicações supurativas (abscessos, bacteremia, endocardites) são as complicações mais temidas11.

Como a maioria das FA agudas é causada por outros agentes, os vírus, por exemplo, estas não necessitam de tratamento com antibióticos. Neste contexto é extremamente importante que os médicos clínicos e otorrinolaringologistas sejam capazes de excluir FA estreptocócica, evitando o uso inapropriado de antibióticos nas FA não-estreptocócicas, expondo os pacientes a gastos desnecessários, riscos inerentes aos antibióticos, e aumento da resistência bacteriana7,9.

Nos EUA 70% das FA são tratadas com antibióticos4,5, e acredita-se que no Brasil haja um volume maior de FA tratadas desta forma.

Em virtude da variabilidade de apresentações clínicas da FA estreptocócica e do grande número de outros agentes capazes de produzir quadro clínico semelhante, nem sempre o diagnóstico clínico da FA causada pelo SGA é confiável10,12. Assim, o médico pode lançar mão de alguns métodos laboratoriais na tentativa de concluir o diagnóstico etiológico. Na década de 80 foram introduzidos no comércio métodos rápidos de detecção do antígeno do SGA com a finalidade de diagnosticá-lo em minutos. São métodos de fácil manuseio e interpretação, podendo ser usados nos consultórios7,8. Desta forma, os testes rápidos podem auxiliar no diagnóstico etiológico e tratamento das faringotonsilites estreptocócicas. Novas técnicas para detecção rápida do antígeno SGA tem sido desenvolvidas para torná-los mais sensíveis, baratos e fáceis de usar10, entretanto, a experiência de seu uso em serviços de atendimento público, onde assume uma grande importância, por razões sócio-econômicas, é escassa.

Os autores objetivam avaliar a sensibilidade e especificidade dos testes rápidos para detecção do antígeno do SGA, comparando-o com os resultados da cultura para definir o papel destes na prática diária do otorrinolaringologista.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Prospectivamente, 81 pacientes com diagnóstico clínico de FA, atendidos no Pronto-Socorro de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período de maio de 2001 a abril de 2002, foram eleitos para o estudo desde que atendessem aos critérios de inclusão e exclusão adotados (Quadro 1). Cinqüenta e cinco (67%) eram homens e vinte e seis (33%) eram mulheres. A idade média foi de 39,4 anos, variando de 18 a 69 anos.

Em todos os pacientes foram colhidos dois "swabs" (Culturette; Becton Dickinson, Maryland) simultaneamente da parede posterior de orofaringe e de tonsilas pela mesma equipe de otorrinolaringologistas. O primeiro foi levado ao laboratório sendo inoculado em placa agar-sangue de carneiro a 5% por 24-48 horas, segundo os métodos bioquímicos convencionais e confirmada a identificação com sistema automatizado Untek Systems (Biomeniux, USA). O outro Swab foi testado com o teste rápido, utilizando o sistema ótico imuno-ensaio, Strep A OIA Max, em 5 minutos, de acordo com as instruções do fabricante (International Microbio, USA). O técnico do laboratório não tinha conhecimento do resultado do teste rápido. Qualquer crescimento de Streptococcus pyogenes na placa de cultura era considerado uma cultura positiva.

Os resultados do teste rápido foram comparados com resultados da cultura e a sensibilidade e especificidade do kit Strep A OIA Max foram determinadas, tendo como método "gold standard" a cultura no laboratório.


Quadro 1. Critérios de inclusão e exclusão no estudo


RESULTADOS

Um total de 81 swabs de orofaringe foram analisados. Dos "swabs", 46 (56%) foram positivos no teste rápido e 35 (44%) negativos. Trinta e três (40,7%) pacientes tinham cultura positiva para o Streptococcus pyogenes (Tabela 1). Houve 2 falso-negativos. A sensibilidade do teste rápido foi de 93.9% (31 de 33), a especificidade foi 68.7% (33 de 48), o valor preditivo positivo de 67,4% (31 de 46) e o valor preditivo negativo 94,2% (33 de 35). Das cinco culturas positivas para outros grupos de Streptococcus pyogenes, apenas uma (Streptococcus do grupo C) apresentou teste rápido positivo.

Quarenta e cinco pacientes (55,5%) apresentaram culturas com presença de outras bactérias.

DISCUSSÃO

Assim como Mayes et al.7, utilizamos swabs para coleta de amostra de bactérias da orofaringe obtendo resultados positivos em quase todas as culturas. Dos 81 pacientes incluídos no estudo, 78 (96,2%) tiveram crescimento bacteriano na cultura, sendo 40,7% positivos para o SGA, levando-nos a acreditar que os critérios de inclusão e exclusão utilizados foram adequados e indicativos de faringoamigdalite bacteriana, apesar de poder corresponder a indivíduos portadores sãos e/ou falsos positivos. Nos pacientes com cultura negativa para o SGA houve uma prevalência maior de bactérias saprófitas da orofaringe.

Optamos por utilizar a cultura em Agar-sangue, em ambiente aeróbico, visto que estudos desenvolvidos comparando diversos métodos de cultura mostraram que a inoculação nesse meio era tão bom quanto outros métodos mais seletivos8,9,13. A cultura em Agar-sangue é o exame de eleição para o diagnóstico do SGA, com uma sensibilidade de 90 a 95%6,7,12. Os falsos-negativos da cultura são resultados, provavelmente, de pacientes com pequeno número de colônias, e muitos são indivíduos portadores. Entretanto, este exame pode atrasar o reconhecimento de uma FA estreptocócica em 48 até 72 horas, impedindo o tratamento precoce e a antibioticoterapia perderia seu valor em abreviar os sintomas da FA e em reduzir a transmissão do SGA a outros indivíduos14.


Tabela 1. Comparação do teste rápido com a cultura para detecção do antígeno do SGA em 81 pacientes com faringotonsilite.


A prevalência do Streptococcus pyogenes nas referências consultadas gira em torno de 25% dos episódios de faringoamigdalites agudas7-10. Segundo Bisno et al., 5% a 10% das FA agudas em adultos têm como agente etiológico o SGA, contudo, encontramos 40,7% em nossa casuística, o que não causou surpresa por dois motivos: primeiro porque a prevalência deste agente em países em desenvolvimento como o Brasil é marcadamente maior, devido a fatores relacionados a saneamento básico precário e serviços de saúde deficientes10 e segundo porque os critérios de inclusão e exclusão foram "seletivos" para o SGA.

Os critérios foram utilizados na tentativa de selecionar FA estreptocóccicas, baseados nos critérios proposto por Centor (exsudato faringoamigdaliano, história de febre, linfoadenopatia cervical e ausência de tosse). Segundo alguns autores, os critérios de Centor são fatores clínicos preditivos mais confiáveis para o diagnóstico das FA causada pelo SGA4. Apresenta valor preditivo positivo de 56% quando preenche todos os quatro critérios, principalmente quando aplicados em regiões com prevalência elevada4,5, o que foi confirmado em nosso estudo. Porém a utilização apenas dos critérios clínicos no diagnóstico ainda acarretaria um tratamento desnecessário em muitos pacientes.

O kit Strep OIA Max se mostrou prático, fácil de usar e interpretar.

A sensibilidade do teste de detecção rápida do antígeno do SGA na literatura varia de 77% a 97%8. A grande variabilidade da sensibilidade demonstrada por diversos autores pode ser devido a alguns vícios, como o conhecimento do resultado do teste rápido durante a contagem de colônias na cultura, os próprios métodos selecionados para cultura e inexperiência dos técnicos8,10. Nós encontramos uma sensibilidade elevada (93,9%), porém aquém do ideal proposto por Kellogg e Mozella13.

A especificidade de 68,7% se mostrou compatível com a de outros estudos, que relatam uma variabilidade de 54% a 100%9. O aumento da casuística estudada poderia contribuir para melhorar este parâmetro. Segundo Hendley et al., os trabalhos patrocinados pelas empresas fabricantes do teste rápido apresentavam resultados melhores8. À semelhança deste autor, nosso estudo não foi patrocinado por nenhuma empresa.

Pichichero et al. obtiveram somente 2,4% de falsos-negativos, sugerindo que o teste rápido poderia substituir a cultura no diagnóstico de infecções pelo SGA7. A presença de dois (6%) falsos-negativos em nosso estudo pode ser resultado da pequena quantidade antígenos na orofaringe. Embora o teste tenha sido negativo, observou-se crescimento bacteriano na cultura. Estes casos podem ser explicados pelo baixo número de colônias, que apenas são detectados na cultura8,10. Isso também ocorre em indivíduos portadores de SGA, sem a doença clínica, ou quando existe bloqueio de antígenos pelo próprio anticorpo anti-estreptocóccico no organismo13. Além disso, coleta inadequada do material também pode resultar em falsos-negativos8,13.

Os falsos-positivos foram freqüentes, ocorrendo em 15 (32,6%) pacientes, provavelmente devido à falha do método do teste rápido8, detectando antígenos bacterianos não-específicos ao SGA, ou devido à reação cruzada com outros grupos de Streptococcus, como aconteceu em um dos casos (Streptococcus do grupo C). O uso de antissépticos orais também podem ocasionar falsos-positivos, pois inviabilizam o crescimento adequado dos organismos no meio de cultura4,8, porém esta possibilidade não foi avaliada em nosso estudo.

O valor preditivo negativo do teste rápido foi de 94,2% e nos alerta para a possibilidade de 6% dos testes negativos terem culturas positivas. Porém esta é uma pequena fração da população e as complicações seriam muito raras, principalmente entre adultos, nossa população estudada, onde o desenvolvimento de febre reumática é excepcional. Essa grande sensibilidade do teste rápido pouparia os pacientes de serem necessariamente submetidos à cultura, sendo tratados com antibioticoterapia baseada no teste positivo. Por outro lado, há autores que preconizam a realização de cultura em todos os pacientes com teste rápido negativo, para minimizar os riscos das complicações7,12.

O CDC (Centers for Disease Control and Prevetion) nos EUA orienta o tratamento de todas FA por SGA. Cooper et al. sugerem que as culturas, nos EUA, não sejam recomendadas na avaliação inicial de pacientes com FA ou para confirmação de resultados negativos dos testes rápidos, quando estes têm reconhecidamente uma sensibilidade superior a 80%4. A necessidade de avaliar a sensibilidade deste teste na população brasileira e o perfil singular das FA estreptocócicas no Brasil nos motivaram a realização deste estudo.

Entendemos que em teste rápido com resultado negativo, pelo teste ter sido bastante sensível, não realizamos cultura, nem tratamento com antibióticos, se tratando de um método bastante confiável. Em testes positivos vale a pena tratar com antibióticos. Porém, o valor preditivo positivo de 67,4% demonstra que aproximadamente 30% dos casos estarão sendo tratados desnecessariamente. Dado o fato da elevada prevalência do SGA em nosso meio é um resultado extremamente favorável ao uso do kit de detecção rápida do SGA em nosso país. Em nosso meio ainda não existe um estudo sobre o custo-benefício do uso de testes rápidos. Entretanto, nos EUA, apesar do custo mais elevado do teste rápido em relação à cultura, há uma economia enorme na prevenção do uso indiscriminado de antibióticos e visitas adicionais ao médico por motivos evocados pelos efeitos colaterais destes antibióticos7,9.

COMENTÁRIOS FINAIS

O Streptococcus pyogenes foi o organismo mais prevalente nas faringoamigdalites bacterianas em nosso meio.

Os testes de detecção rápida do antígeno estreptocócico se mostraram uma importante arma coadjuvante no diagnóstico das faringoamigdalites, já que foi bastante sensível. Desta forma, testes negativos orientam o diagnóstico para ausência de FA estreptocóccica e como tais devem ser tratadas apenas sintomaticamente, enquanto testes positivos direcionam para diagnóstico de FA estreptocóccica, devendo ser tratados com antibióticos.

Acreditamos que novos estudos devam ser realizados com o intuito de determinar custo-benefício destes kits de detecção e seu impacto na economia de serviços de saúde.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1Otorrinolaringologista (residência no HCFMUSP), Especialista em ORL pela SBORL (pós-graduando em nível de
doutorado da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do HCFMUSP).
2Médico Assistente-Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Médico Assistente-Doutor da
Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
3Professor Livre-Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Professor Livre-Docente da
Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
4Otorrinolaringologista (residência no HCFMUSP), Especialista em ORL pela SBORL (Médico Pós-graduando, nível Doutorado, da Divisão de C
línica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Rua Oscar Freire 1799 ap. 1101 São Paulo SP 05409-011
Tel (0xx11) 8319-4444 - E-mail: bcaf@terra.com.br
Artigo recebido em 09 de março de 2005. Artigo aceito em 05 de abril de 2005.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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