INTRODUÇÃOLuffa operculata, conhecida no Brasil como buchinha-do-norte ou cabacinha, é a planta medicinal mais utilizada e lembrada pela população para o tratamento de rinites e rinossinusites1. Apesar da falta de evidência científica sobre seu uso, a maioria dos otorrinolaringologistas conhece seus efeitos e com freqüência recebe pacientes em utilização (muitas vezes não referida) da planta, apresentando reações adversas como epistaxe, irritação nasal, alterações do olfato.
A utilização fitoterápica da Luffa operculata e de outras ervas medicinais está dentro de um contexto: cresce consideravelmente em todo o mundo nas últimas décadas a procura pelas diversas modalidades de medicina alternativa, cientificamente denominada "medicina complementar"2. A fitoterapia é a forma de medicina mais ancestral e disseminada. No Brasil, tradicionalmente usadas por populações rurais carentes, as plantas medicinais vêm sendo largamente utilizadas também nos centros urbanos, por pacientes de todo nível socioeconômico e cultural. Aliás, o mercado de fitoterápicos movimenta cifras da ordem de bilhões de dólares anualmente na Europa e na América do Norte3. Uma parcela significativa dos usuários de medicina complementar busca o tratamento de doenças respiratórias como a rinite alérgica, rinossinusites e asma4.
As distorções decorrentes do uso inadvertido de plantas medicinais estão relacionadas à crença equivocada de que "tratamentos com plantas são naturais e não fazem mal". Problemas podem acontecer em função de má procedência da planta, armazenamento inadequado, dose e preparo indevidos, e até interação medicamentosa levando a complicações peroperatórias5,6, fato que deve ser considerado pelos diversos especialistas de áreas cirúrgicas. No caso de uso da Luffa operculata, é possível inclusive ocorrer piora ou complicação do quadro de rinossinusite sem que isto seja associado à utilização da planta.
Luffa operculata A Luffa operculata é uma dicotiledônea da família Cucurbitaceae. Dentre vários nomes populares, é mais conhecida como buchinha-do-norte ou cabacinha no Brasil, e esponjuelo ou esponjilla na América Latina. (Figura 1). Aqui, seu uso é secular. As "Pílulas Purgativas de Resina de Batata e Momordica bucha do Cirurgião Mattos", ou "pílulas do mato" foram por muitos anos o fitoterápico de maior preferência no meio rural do Norte e Nordeste do Brasil. Um extrato aquoso de Luffa operculata em associação com outras ervas origina a "garrafada", mistura conhecida no interior e no Nordeste brasileiros como abortiva e purgativa, demonstrando a ação de poderoso irritante de mucosas. Hoje existe no mercado nacional um preparado para uso nasal à base de Luffa operculata 1% e soro fisiológico, de venda livre nas farmácias7.
Para o tratamento das rinites e rinossinusites, a população usa o fruto seco da Luffa operculata numa receita muito conhecida, recomendada informalmente pelos vendedores de ervas medicinais Faz-se a infusão de 1/4 do fruto em 500ml de água e administra-se por inalação, ou instilação de gotas nasais, "às quais se segue profusa rinorréia mucopurulenta, às vezes sanguinolenta, acompanhada da expulsão de pólipos"8,9. Outra maneira de preparo é o "lavado em nove águas"8. A dose tóxica de Luffa operculata em humanos, extrapolada a partir da DL50, ou dose letal para 50% de animais testados, corresponde a 170mg/kg. Assim, aproximadamente 1g do extrato de Luffa operculata pode ser letal para um adulto de 70kg10.
A Luffa operculata age sobre as mucosas por efeito das cucurbitacinas e de seus glicosídeos. A saponina colabora com esta ação, emulsificando compostos lipossolúveis ativos, o que facilita o contato e absorção da isocucurbitacina pelas mucosas e resulta em ação cáustica sobre as mesmas8. Poucos estudos experimentais ou clínicos têm sido publicados com medicamentos à base de Luffa operculata7,11-13, um deles avalia a ultraestrutura epitelial14.
Forma e Função do Epitélio Respiratório A mucosa nasal é predominantemente constituída por epitélio cilíndrico ciliado pseudo-estratificado e produz muco, cujo transporte se faz no sentido céfalo-caudal. O transporte mucociliar ocorre graças às propriedades reológicas do muco (isto é, sua viscoelasticidade), ao batimento ciliar em ondas metacrônicas e ao acoplamento entre os cílios e o muco. Essas características dependem da morfologia do epitélio e da lâmina própria15.
O epitélio respiratório separa o lúmen dos componentes do interstício e forma uma barreira, como um lençol de células fortemente aderidas por tight junctions. A principal função destas estruturas é inibir o movimento de água e de solutos através do epitélio, formando um empecilho à passagem de íons e moléculas através da via paracelular, e do movimento de proteínas e lípides entre os domínios basolateral e apical da membrana plasmática. Mais de 40 proteínas diferentes constituem as tight junctions. Este termo utilizado largamente na literatura, recebe traduções distintas nos textos em português, (junções fortes; zônulas de oclusão; junções íntimas), motivo pelo qual optamos por utilizar o nome original em inglês16,17.
Modelo Experimental do Palato Isolado de Rã É um sistema conveniente para estudo da mucosa nasal e do aparelho mucociliar, pois tem um epitélio virtualmente idêntico ao das vias aéreas dos mamíferos18. O anfíbio apresenta seu palato revestido por epitélio colunar ciliado pseudoestratificado, recoberto por filme mucoso19. Ele continua a secretar muco e mantém o batimento ciliar por até 14 dias após o sacrifício do animal, se mantido sob refrigeração. Isto ocorre pela mimetização das condições da rã em seu habitat natural durante os períodos de hibernação. A Rana catesbeiana, conhecida como rã-touro, possui muco com propriedades viscoelásticas semelhantes às de humanos normais20.
Frente à falta de dados sobre a ação da Luffa operculata no epitélio respiratório, realizamos um estudo dose-resposta com infusão de Luffa operculata, partindo da dose empírica popularmente recomendada, no modelo experimental do palato isolado de rã, com o objetivo de avaliar os aspectos histológicos qualitativos do palato de rã, à microscopia-de-luz e microscopia eletrônica de transmissão.
Material e MétodoEste estudo foi realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia e no Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental (Departamento de Patologia), entre fevereiro de 2002 a junho de 2003. Foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Foram estudados 46 palatos isolados de rã, distribuídos em cinco grupos:
Grupo 1 (ou grupo controle): dez palatos examinados após imersão em Ringer-rã.
Grupo 2 (ou infusão diluída): dez palatos examinados após imersão em infusão preparada com 1/4 do fruto seco em 5 litros de Ringer-rã. (60 mg/l ou 0,3g/5000ml).
Grupo 3 (ou infusão base): dez palatos examinados após imersão em infusão de Luffa operculata preparada com 1/4 do fruto seco em 500ml de Ringer-rã. (600mg/l ou 0,3g/500ml).
Grupo 4 (ou infusão concentrada): dez palatos examinados após imersão em infusão de Luffa operculata preparada com 1/4 do fruto seco em 250ml de Ringer-rã (1200mg/l ou 0,3g/250ml).
Grupo 5 (ou infusão em água): seis palatos examinados após imersão em infusão de Luffa operculata preparada como na fórmula popular empírica: 1/4 do fruto seco em 500ml de água mineral (600mg/l H20 ou 0,3g/500ml H20).
Foram utilizadas rãs da espécie Rana catesbeiana (rã-touro), mantidas no biotério da instituição, provenientes de ranários que as fornecem a restaurantes. Cada rã foi sacrificada por decapitação após ter ficado por uma hora em recipiente com gelo, o qual provoca baixa da taxa metabólica, diminuição dos reflexos e da mobilidade, além de anestesia física no animal, na intenção de minimizar o sofrimento dos animais. Após a decapitação a mandíbula foi desarticulada e a porção superior da cabeça, removida.
O palato foi colocado em placa de Petri sobre uma gaze umedecida em Ringer-rã, coberto por filme plástico e conservado sob refrigeração (4°C) por dois dias. Nestas condições, a atividade ciliar se mantém.
A preparação da infusão de Luffa operculata teve por base empírica a proporção observada na fórmula popular, orientada pelos raizeiros que comercializam a planta: 1/4 do fruto seco em 500 ml de água. A infusão diluída mimetiza medicamentos homeopáticos e a concentrada, uma situação em que se prepararia a infusão com o dobro da quantidade de fruto. Infusão é o extrato aquoso obtido de uma matéria vegetal colocada em água fervida e posteriormente abafada, a exemplo de como se faz chá ou café. A quantidade de massa do fruto foi padronizada, na intenção de minimizar a variação da quantidade de princípio ativo no experimento. Houve o cuidado de incluir no preparo das infusões, nas diferentes concentrações, partes da casca, da polpa fibrosa e das sementes da Luffa operculata. Foram pesados 10 frutos secos de Luffa operculata, com variação aproximada entre 1g a 1,5g, e média de 1,2g. Este último valor foi arbitrado como o peso padrão de um fruto para o experimento. A solução dos raizeiros é feita com 1/4 do fruto seco, que corresponde a 0,3g. Depreendemos a concentração de cada uma das soluções utilizadas em infusão a partir deste peso, como descrito acima.
Visando a avaliação da ação da Luffa operculata isoladamente neste modelo experimental, a base das infusões estudadas foi a solução fisiológica da rã, o Ringer-rã, que é uma diluição 1: 1 da solução de Ringer em água destilada. Um grupo foi estudado tendo-se a água como solvente; o resultado foi comparado aos demais.
Antes de se fazer a colheita de material para o estudo histológico, o trabalho incluiu a avaliação da atividade mucociliar do epitélio do palato de rã com três diferentes parâmetros: a velocidade de transporte mucociliar, a freqüência de batimento ciliar, a diferença de potencial transepitelial21,22. Cada palato dos grupos de estudo foi examinado três vezes: antes da imersão em infusão de Luffa operculata, após 5 minutos na imersão e após 20 minutos na imersão, tempos estes arbitrados em função do clearance nasal da sacarina em humanos. Ao final das provas acima, foi colhida amostra do epitélio para estudo histológico, portanto, no total, cada palato ficou 25 minutos em contato com a solução examinada, com intervalos de tempo para reidratação em nebulização com Ringer-rã.
Para o estudo histológico, foram coletadas amostras do epitélio de todos os palatos, fixadas em solução de formaldeído tamponado 4% para processamento histológico em blocos de parafina. As lâminas foram divididas e coradas através de hematoxilina-eosina (HE), para análise das características do epitélio e lâmina própria em microscopia-de-luz, e pela solução de ácido periódico Schiff e Alcian Blue (PAS/AB). A última cora em vermelho o muco neutro (PAS+) e em azul o muco ácido (AB+). Utilizamos microscópio ZEISS.
Foram colhidas amostras de dois palatos de cada grupo, fixadas em glutaraldeído 2% e pós-fixadas em tetróxido de ósmio 1,3% para estudo da ultra-estrutura à microscopia eletrônica de transmissão. Utilizamos o microscópio eletrônico JEOL 1010, com magnificação de 8.000 a 80.0000 vezes. Esta etapa do trabalho foi realizada no Laboratório de Biologia Celular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
ResultadosFazendo a infusão, percebemos aparecimento de espuma em maior quantidade quanto maior a concentração do soluto, logo ao levantar fervura, quando então era desligada. Procedendo ao estudo dos palatos de rã tratados com as diferentes concentrações da infusão de Luffa operculata observamos nítido aumento macroscópico da quantidade de muco após a imersão, entremeado muitas vezes por bolhas de ar. Esse aumento relacionou-se com a concentração da infusão, intensificando-se nos palatos tratados dos grupos 3, 4 e 5.
Nos palatos do grupo controle (Grupo 1) pudemos evidenciar a integridade do epitélio, com presença de cílios e a camada de muco preservada, submucosa presente e células de muco sem conteúdo. (Figuras 2 e 3). À microscopia eletrônica, as células estavam alinhadas lado a lado, unidas por desmossomos e tight junctions, e com os cílios e a camada do corpúsculo basal preservados. (Figuras 4, 5 e 6). O epitélio dos palatos do Grupo 2, que corresponde à infusão mais diluída, apresentaram aspecto histológico semelhante ao do grupo controle, com pequenas variações, as quais já bem notadas no Grupo 3. As anormalidades no epitélio se acentuaram gradualmente em intensidade e freqüência conforme aumento da concentração da infusão estudada.
Assim, eram cada vez mais rarefeitas as áreas típicas de epitélio preservado ao selecionarmos material para microscopia eletrônica de transmissão. O Grupo 4, infusão concentrada de Luffa operculata em Ringer-rã, teve resultados mais próximos aos do Grupo 5, com palatos imersos na infusão feita em água.
Nos palatos tratados nas infusões concentradas observamos com freqüência, à microscopia-de-luz, o epitélio irregular com presença de grande quantidade de muco nas glândulas e sobre o epitélio. Por vezes dramaticamente desorganizado, o epitélio apresentava edema intercelular e fendas, resultado de ruptura epitelial (Figuras 7, 8 e 9), correspondente a padrão de toxicidade ao epitélio.
À microscopia eletrônica, observamos perda de cílios e espaços intercelulares alargados à custa de edema intercelular, apontando para alteração no transporte iônico e de fluidos (Figuras 10 e 11).
DiscussãoA inalação ou instilação nasal da infusão de Luffa operculata ("buchinha-do-norte") é uma prática muito antiga no tratamento das rinites e rinossinusites, doenças de prevalência crescente na população mundial1,8,9,23. Apesar da utilização popular da Luffa operculata e dos relatos informais de efeitos adversos - epistaxe, irritação nasal, alterações do olfato e até necrose da pirâmide nasal após período prolongado de utilização - é notória a escassez de estudos científicos sobre a planta. A descrição de liberação profusa de muco nasal em conseqüência do uso da Luffa operculata8 é um indício de seu efeito direto sobre a estrutura e a função do aparelho mucociliar nasal, aspecto que merece elucidação científica.
A primeira etapa do nosso trabalho avaliou de maneira sistemática, através de um modelo experimental ex vivo, os efeitos da infusão de Luffa operculata sobre três parâmetros que contemplam diferentes propriedades do transporte mucociliar: a velocidade de transporte mucociliar (indicador da integridade do muco, cílios e de seu acoplamento), a freqüência de batimento ciliar (motor do sistema) e a diferença de potencial transepitelial (que reflete o equilíbrio iônico e hídrico do epitélio).
Observamos alteração consistente dos três parâmetros supracitados.21,22 O estudo morfológico qualitativo realizado na seqüência e aqui apresentado corrobora os achados anteriores e contribui para a elucidação dos mecanismos de ação da infusão de Luffa operculata no epitélio e para o esclarecimento do fenômeno de rinorréia profusa provocada pela Luffa operculata, já observado há décadas. É possível, quando in vivo, que isto ocorra em função da congestão mucosa, seguida de aumento da permeabilidade capilar e aumento da fluidez do muco já produzido24. Em nosso experimento verificamos a liberação de muco intraepitelial contribuindo para a quantidade de secreção produzida.
O modelo experimental do palato isolado de rã, pouco divulgado entre os otorrinolaringologistas, mostrou-se excelente e prático para avaliação da estrutura do epitélio respiratório e da função mucociliar, com seu aspecto histológico virtualmente idêntica à da mucosa respiratória humana. Já foi utilizado como base de teste de medicamentos e do próprio muco humano em condições adversas. Como limitação, este modelo ex vivo não nos permitiu avaliar a influência do sistema nervoso autônomo ou da reação inflamatória observadas in vivo.
Pelo desenho do experimento, cada palato ficou ao todo 25 minutos em contato com a solução examinada, com intervalos de tempo para nebulização com Ringer-rã, para reidratação. O modelo testado é de mucosa normal, mas a condição de exposição prolongada à infusão mimetiza uma situação da prática, de mucosa nasal patológica com clearance mucociliar alterado. Supomos que as reações adversas observadas na clínica possam ser resultado da potencialização pela Luffa operculata de alterações prévias das condições patológicas diversas, em epitélio fragilizado e modificado por ação do processo inflamatório, dos microrganismos, de medicamentos tais como vasoconstritores, dentre outros.
As anormalidades do epitélio, quando observadas de forma qualitativa à microscopia-de-luz e microscopia eletrônica de transmissão, acentuaram-se gradualmente conforme o aumento da concentração da infusão de Luffa operculata. O Grupo 5, (infusão feita em água) apresentou resultados mais próximos aos do Grupo 4 (infusão concentrada em Ringer rã), sugerindo que o solvente água aumenta a toxicidade da planta ao tecido.
Figura 1. Frutos secos da luffa operculata, corte transversal (a) e longitudinal (b). No detalhe, o mesocarpo fibroso e as sementes.
Figura 2. Lâmina de epitélio de palato de rã do grupo 1 exibindo aspecto normal: camada de muco em contato com a superfície epitelial e lâmina própria preservadas. (microscopia de luz, coloração pas-ab, aumento 100 vezes).
Figura 3. Lâmina de epitélio de palato de rã do grupo 1 exibindo detalhes das glândulas da lâmina própria. (microscopia de luz, coloração pas-ab, aumento 400 vezes).
Figura 4. Lâmina de epitélio de palato de rã do grupo 1 exibindo cílios em corte transversal e muco contido em célula mucosa. (microscopia eletrônica de transmissão, aumento 8.000 vezes)
Figura 5. Lâmina de epitélio de palato de rã do grupo 1 exibindo cílios em corte longitudinal e tight junction íntegra (seta) entre duas células ciliadas contíguas. (microscopia eletrônica de transmissão, aumento 20.000 vezes)
Figura 6. Lâmina de epitélio de palato de rã do grupo 1 mostrando detalhes de um desmossomo, ladeado por filamentos intermediários de citoqueratina. (microscopia eletrônica de transmissão, aumento 80.000 vezes).
Figura 7. Lâmina de epitélio de palato de rã do grupo 5 exibindo desorganização do epitélio e aumento do volume de muco extrusado. (microscopia de luz, coloração pas-ab, aumento 100 vezes)
Figura 8. Lâmina de epitélio de palato de rã do grupo 4, exibindo destruição epitelial, vacuolização celular e aumento do espaço intercelular. (microscopia de luz, coloração pas-ab, aumento 400 vezes)
Figura 9. Lâmina de epitélio de palato de rã do grupo 4 exibindo desorganização epitelial, edema celular e extrusão completa do muco. (microscopia e luz, coloração pas-ab, aumento 400 vezes).
Figura 10. Lâmina de epitélio de palato de rã do grupo 5 exibindo aumento do espaço intercelular presença de junções intercelulares: desmossomos (seta vermelha) e tight junction (seta azul). O aumento do trânsito de fluido para o extracelular é evidência morfológica do aumento da permeabilidade da barreira epitelial. (microscopia eletrônica de transmissão, aumento 10.000 vezes).
Figura 11. Lâmina de epitélio de palato de rã do grupo 5, detalhe da lâmina acima, exibindo dois desmossomos e aumento do espaço intercelular à custa de material fluido contendo proteínas (floculação). (microscopia eletrônica de transmissão, aumento 40.000 vezes).
Roncada14, utilizando Luffa operculata 0,5% e 1%, não observou alterações epiteliais significativas à microscopia eletrônica após instilar a medicação por 14 dias na cavidade nasal de coelhos. Notou perda de cílios, também observada no grupo controle. Enfatizamos que naquele estudo foi usada a preparação comercial à base de Luffa operculata, e não a solução empírica de utilização popular. Em nosso estudo, encontramos anomalias epiteliais nos palatos tratados com infusão de Luffa operculata, havendo não apenas perda de cílios, mas também edema intercelular. Pelos achados histológicos podemos inferir que exista uma desestabilização e ruptura das tight junctions e, conseqüentemente, aumento da permeabilidade epitelial, o que interfere diretamente com a regulação da hipofase sol do muco. Isto sugere que a infusão concentrada de Luffa operculata afeta a integridade das junções intercelulares epiteliais e o equilíbrio iônico e hídrico25.
A espuma observada no preparo das infusões pode ser atribuída à presença de saponina na Luffa operculata. Como os detergentes, ela não propriamente emulsifica, mas determina uma alteração da tensão superficial da mucosa provocando polarização, que resulta em efeito cáustico no tecido. Assim, a saponina deve ser o componente verdadeiramente irritante. Em doses terapêuticas, as saponinas são princípio ativo de alguns medicamentos mucolíticos.
Chama-nos a atenção o fato de haver poucos estudos clínicos com a Luffa operculata7,11-13, e principalmente com medicamentos homeopáticos. A grande diluição dos componentes nestes últimos medicamentos não nos permite afirmar que o resultado obtido possa ser atribuído à presença da Luffa operculata.
Este estudo foi concebido num contexto de aumento do interesse da população pelas práticas da medicina complementar. Embora a ciência médica evolua cada vez mais, a população atribui poderes medicinais a plantas que jamais foram alvo de qualquer estudo científico, erroneamente considerando-as inócuas. É nítido que as universidades e as instituições de pesquisa não podem mais ignorar a medicina complementar e as plantas medicinais. Num país como o Brasil, com a maior biodiversidade do planeta, pobre em recursos financeiros porém riquíssimo em diversidade cultural, talvez a maior contribuição dos cientistas seja resgatar essas tradições e dar-lhes validação científica.
ConclusõesConcluímos que a infusão do fruto seco de Luffa operculata nas concentrações testadas altera a morfologia do epitélio mucociliar no palato isolado de rã. As modificações foram dose-dependentes e ocorreram nas concentrações popularmente utilizadas. Foram observadas desorganização do epitélio e alterações ultraestruturais como edema intercelular por ruptura das tight junctions.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Menon-Miyake MA, Caniello M, Balbani APS, Butugan O. Inquérito sobre o uso de plantas medicinais para tratamento de afecções otorrinolaringológicas entre pacientes de um hospital público terciário. Rev Bras Otorrinolaringologia 2004; 70 (2) Caderno de Debates; 43-55.
2. Hughes EF. Overview of complementary, alternative and integrative medicine. Clin Obstet and Gynecol 2001; 44 (4): 774-9.
3. Marcus DM, Grollman AP. Botanical medicines - The need for new regulations. N Engl J Med 2002; 347 (25): 2073-6.
4. Krouse JH, Krouse HJ. Patient use of traditional and complementary therapies in treating rhinosinusitis before consulting an otolaryngologist. Laryngoscope 1999; 109: 1223-7.
5. Dergal JM, Gold JL, Laxer DA, Lee MS, Binns MA, Lanctot KL, Freedman M, Rochon PA. Potential interactions between herbal medicines and conventional drug therapies used by older adults attending a memory clinic. Drug Aging 2002; 19 (11): 879-86.
6. Niggemann B, Grüber C. Side-effects of complementary and alternative medicine. Allergy 2003; 58: 707-16.
7. Salviano PA. Revisão sobre o uso terapêutico da Luffa operculata (L) Cogniaux (cabacinha). Rev Bras Méd 1992; 49 (9): 672-4.
8. Matos FJA. Farmacognosia de Luffa operculata cogn. Rev Bras Farm 1979; 60 (7/9): 69-76.
9. Vasques CAV, Vasques NV, Arraes LA, Geller M. Revisão farmacognóstica da cabacinha (Luffa operculata Cogn.). F Med. (BR) 1986; 93 (3): 185-7.
10. Lorenzi H, Matos FJA. Plantas medicinais do Brasil. Nova Odessa, Instituto Plantarum; 2002. p. 196-7.
11. Wiesenauer M; Gaus W, Bohnacker U, Häussler S. [Efficiency of homeopathic drug combinations for the treatment of sinusitis / results of a randomized double-blind study with general practitioners]. Wirksamkeitsprufung von homoopathischen Kombinationspraparaten bei Sinusitis. Ergbnisse einer randomisierten Doppelblindstudie under Praxisbedingugen. Arzneim-Forsch / Drug Res 1989; 39 (5): 620-5.
12. Weiser M, Gegenheimer LH, Klein P. A randomized equivalence trial comparing the efficacy and safety of Luffa comp.- Heel nasal spray with cromolyn sodium spray in the treatment of seasonal allergic rhinitis. Försch. Komplementärmed. 1999; 6 (3): 142-8.
13. Adler M. Efficacy and safety of a fixed-combination homeopathic therapy for sinusitis. Adv Ther 1999; 16 (2): 103-11.
14. Roncada PRA. Estudo analítico das alterações estruturais e ultra-estruturais da superfície do epitélio da mucosa nasal (concha inferior e septo nasal) de coelhos após o uso tópico do extrato do fruto da Luffa operculata. São Paulo, 2001. 109p. Tese (doutorado). Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
15. Balbani APS. Ação do estrógeno e progesterona na mucosa nasal humana: medida do transporte mucociliar da sacarina e pesquisa de receptores hormonais através de método imunohistoquímico. São Paulo, 2001. 71 p. Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo.
16. Basbaum C, Welch MJ. Mucous secretion and ion transport in airways. In: Murray JF, Nadel JA. (ed). Textbook of respiratory medicine. Philadelphia: WB Saunders; 1994. v.1, p.323-44.
17. González-Mariscal L, Betanzos A, Nava P, Jaramillo BE. Tight junction proteins. Prog. Biophys Mol Biol 2003; 81: 1-44.
18. Puchelle E, Zahm JM, Sadoul P. Mucociliary frequency of frog palate epithelium. Am J Physiol 1982: 242 (Cell. Physiol.11): C31-5.
19. Festa E, Macchione M, Paiva PSO, Saldiva PHN, King M. Effects of aerolized amiloride on mucociliary transport velocity and transepithelial potential difference in isolated frog palate. J Aerosol Med 1995; 8: 167-76.
20. Rubin BK, Ramirez O, King M. Mucus-depleted frog palate as a model for study of mucociliary clearance. J Appl Physiol 1990; 69: 424-9.
21. Menon-Miyake, MA. Efeitos da infusão de Luffa operculata sobre o epitélio e a atividade mucociliar do palato isolado de rã. São Paulo, 2004. 75 p. Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo.
22. Menon-Miyake MA, Oliveira RC, Lorenzi-Filho G, Saldiva PHN, ButuganO. Luffa operculata affects mucociliary function of the isolated frog palate. Am J Rhinology, no prelo.
23. Mello Jr JF, Mion O. Rinite Alérgica. In: Campos CAH, Costa HOO, (ed) Tratado de Otorrinolaringologia. São Paulo: Editora Roca; 2003. v.3, cap.7, p.68-81.
24. Silva EA. Estudo farmacológico da Luffa operculata (L.) Cogniaux. Fortaleza, 1983. 86p. Tese (mestrado). Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará.
25. Macchione M, Lorenzi-Filho G, Guimarães ET, Junqueira VBC, Saldiva PHN. The use of the frog palate preparation to assess the effects of oxidants on ciliated epithelium. Free Radic Biol Med 1998; 24 (5): 714-21.
1Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (Médica Pesquisadora - Disciplina de Otorrino - HC - FMUSP).
2Médico, Livre Docente, Professor Titular (Laboratório de Poluição Ambiental Experimental, Departamento de Patologia).
3Médico, Pós-doutorado - Laboratório de Poluição Ambiental Experimental, Departamento de Patologia. Disciplina de Pneumologia - Instituto do Coração (InCor).
4Biólogo (Laboratório de Biologia Celular, Departamento de Patologia).
5Médico, Livre Docente. (Professor Associado. Disciplina de Otorrinolaringologia).
6Bióloga (Laboratório de Poluição Ambiental Experimental, Departamento de Patologia).
Endereço para correspondência: Dra. Mônica A. Menon-Miyake - Rua Afonso Brás 525/ 21 V. N. Conceição 04511-011 São Paulo SP.
Tel (0xx11) 3842-4288 - Fax: (0xx11) 3842-0861 - E-mail: monica.menon@br2001.com.br
Artigo recebido em 28 de março de 2005. Artigo aceito em 30 de março de 2005.