INTRODUÇÃOO zumbido é uma queixa freqüente no consultório do otorrinolaringologista e do neurologista, porém o zumbido pulsátil sincrônico com os batimentos cardíacos é pouco freqüente e pode ser causado por várias etiologias vasculares arteriais ou venosas. A identificação da etiologia desse tipo de zumbido é essencial para se estabelecer a terapêutica adequada e evitar seqüelas que podem advir de um diagnóstico tardio ou incorreto. O zumbido pulsátil arterial pode ter como causa malformações ou fístulas artério-venosas, arteriosclerose, estenose vascular, artéria carótida intratimpânica ectópica, persistência da artéria estapediana, artéria aberrante na estria vascular, débito cardíaco elevado (anemia, tireotoxicose). O zumbido pulsátil de origem venosa pode ser primário (anormalidades do bulbo da jugular, tumor glômico jugular ou timpânico) ou secundário à hipertensão intracraniana.
O objetivo deste trabalho é relatar um caso de zumbido de etiologia vascular arterial de difícil resolução e a conduta realizada para se obter alívio da percepção do zumbido.
APRESENTAÇÃO DO CASOPaciente do sexo masculino de 51 anos de idade, sem doença sistêmica ou otológica, queixando-se de zumbidos com característica pulsátil na orelha esquerda, sincrônico com os batimentos cardíacos, com início há nove meses, que dificultava suas atividades profissionais (assistente administrativo) e acarretava intensa ansiedade. Fez uso de várias drogas antidepressivas, ansiolíticas e vasoativas sob orientação do neurologista, sem resultado. O exame físico otorrinolaringológico apresentava otoscopia normal e como antecedente, uma septoplastia dois anos antes do início do zumbido. Exame neurológico sem alteração.
Foram realizados os seguintes exames complementares:
* Audiometria tonal - queda leve para as freqüências agudas (3000Hz 30 dB; 4000Hz 35 dB; 6000Hz 40 dB) bilateralmente.
* Pesquisa do potencial evocado auditivo de tronco cerebral não apresentou alterações.
* Ressonância Magnética Nuclear do crânio, com gadolínio - foco isolado de sinal reduzido em T1 e elevado em T2, não impregnado pelo meio de contraste, na coroa radiada frontal esquerda, sugestiva de lacuna. Artéria basilar alongada e tortuosa, descrevendo alça ântero-lateralmente à esquerda sobre a ponte.
* Angioressonância do crânio - imagens do encéfalo em T2 mostra foco hiperintenso na coroa radiada à esquerda, podendo corresponder à pequena área de gliose ou infarto lacunar. Transição vértebro-basilar tortuosa, insinuando-se para a cisterna do ângulo ponto-cerebelar à esquerda. (Figura 2)
Em ambos os estudos de neuroimagem as demais estruturas do encéfalo e vasculares foram normais.
Descartada a hipótese de tratamento cirúrgico, foi instituído tratamento com clonazepam 2mg/dia associado ao propranolol 20mg 3x ao dia, tornando o zumbido bem tolerado pelo paciente.
DISCUSSÃOO propranolol é o exemplo de agente beta-bloqueador típico. Seus principais efeitos são a diminuição da freqüência cardíaca e da contratilidade miocárdica, diminuição do volume sistólico, diminuição do débito cardíaco e redução da pressão sangüínea arterial. O zumbido pulsátil pode ser gerado por turbulências no fluxo sangüíneo causadas por malformações vasculares que alteram a luz do vaso, como podemos observar comparando a anatomia normal do sistema vértebro-basilar (Figura 1) com a malformação apresentada nesse caso (Figura 2). A utilização do beta-bloqueador teve como objetivo reduzir a freqüência cardíaca e o fluxo arterial, mantendo a pressão sanguínea estável diminuindo a percepção do zumbido. A associação com o clonazepam (benzodiazepínico de ação longa, muito utilizado no tratamento do zumbido) foi escolhida por seu efeito ansiolítico e miorrelaxante e se provou bastante eficaz com um bom controle da sintomatologia do paciente.
Figura 1. Anatomia normal das artérias: 1 - vertebral; 2 - basilar; 3 - carótida interna; 4 -cerebral média.
Figura 2. Transição vértebro-basilar tortuosa.
COMENTÁRIOS FINAISOs zumbidos pulsáteis unilaterais normalmente não se acompanham de alterações audiométricas específicas e devem ser investigados por neuroimagem para serem diagnosticados. Neste caso sem indicação de intervenção cirúrgica optamos pelo uso de um benzodiazepínico associado ao betabloqueador reduzindo a percepção do zumbido e o ritmo cardíaco permitindo ao paciente a realização das suas atividades normalmente.
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1 Prof. Adjunto da Universidade Federal Fluminense.
2 Profa. Assistente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
3 Doutor em Neurologia, Universidade Federal Fluminense.
Disciplina de Neurologia - Faculdade Fluminense de Medicina - Universidade Federal Fluminense.
Endereço para correspondência: Otorrinos Reunidos Ltda. A/C Dr Sérgio Albertino - Rua Men de Sá, 186 Icaraí Niterói RJ 24220-261
Tel/fax (0xx21) 2710-4278
Trabalho apresentado no 36° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, Florianópolis SC, 22/11/02.