ISSN 1806-9312  
Segunda, 29 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
3196 - Vol. 71 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2005
Seção: Relato de Caso Páginas: 101 a 103
Rinolitíase como causa de fístula oronasal
Autor(es):
Gabriel Cesar Dib1 , Rodrigo P. Tangerina2 , Carlos E.C.Abreu3 , Rodrigo de Paula Santos4 , Luiz Carlos Gregório5

Palavras-chave: rinolitíase, rinolito, fístula oronasal, obstrução nasal.

Keywords: rinolithiasis, rinolith, oronasal fistula, nasal obstruction.

Resumo: A Rinolitíase é uma doença na qual ocorre a deposição de compostos orgânicos e inorgânicos em torno de um núcleo na cavidade nasal, causando rinorréia, obstrução nasal unilateral, odor fétido, epistaxe, podendo haver complicações. Os autores apresentam um caso de rinolitíase com fístula oronasal e revisão de literatura.

Abstract: Rhinolithiasis is a disease caused by deposition of organic and inorganic compounds in the nasal cavity, leading to unilateral nasal obstruction, fetid rhinorrhea, epistaxis, and it may cause complications. The authors present a case of rhinolithiasis with oronasal fistula and literature review.

INTRODUÇÃO

Rinolitíase é uma doença incomum e muitas vezes assintomática, caracterizada pela presença de tumor mineralizado na cavidade nasal, podendo chegar a ter grandes dimensões, distorcendo as estruturas adjacentes1.

A presença de desvio e perfuração de septo nasal, destruição da parede lateral da cavidade nasal, envolvimento do seio maxilar e produção de fístula oroantral ou oronasal são complicações raras.

Apresentamos um caso de rinolitíase cursando com fistula oronasal e revisão da literatura.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 43 anos de idade, branca, solteira, do lar, natural de Jacaúna-CE, procedente de São Paulo-SP, com queixa de obstrução nasal esquerda há 11 anos, foi atendida no ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

Referia quadro de obstrução nasal de caráter progressivo, somente em fossa nasal esquerda, intermitente, que paulatinamente evoluiu para contínua, com presença de rinorréia purulenta anterior, posterior e cacosmia.

Há seis meses houve o aparecimento de perfuração em palato duro, com drenagem de secreção nasal para cavidade oral e regurgitação de líquidos da mesma para a cavidade nasal esquerda. Negava dor, sangramento nasal, cefaléia, febre, emagrecimento e sintomas alérgicos.

Referia que aos 2 anos de idade introduziu um grão de feijão na narina esquerda, o qual foi "retirado no dia seguinte", permanecendo sem queixas até o início do quadro atual.

À rinoscopia evidenciava-se a presença de secreção purulenta e tumor de superfície irregular, acinzentada, recoberta por tecido de granulação, pétrea ao toque com estilete, não-móvel, obstruindo fossa nasal esquerda, acometendo assoalho, septo nasal, concha inferior e média, com o septo nasal desviado para a direita. Apresentava durante o exame odor extremamente fétido.

À oroscopia apresentava perfuração em região anterior esquerda de palato duro, com 3 x 2 milímetros de diâmetro, bordas irregulares, com drenagem de secreção purulenta para cavidade oral (Figura 1).

Na tomografia computadorizada de seios paranasais evidenciava-se tumor de densidade óssea ocupando fossa nasal esquerda (Figura 2).

Não foi possível a realização de nasofibroscopia, pois o tumor não permitia a passagem do aparelho pela fossa nasal esquerda.

Com a hipótese diagnóstica de rinolitíase, a paciente foi submetida à cirurgia endoscópica nasal, sendo retirado rinolito de 4,5 x 2,5 x 1,5 centímetros, enviado para exame anatomopatológico, que evidenciou processo inflamatório crônico com tecido de granulação e presença de bactérias filamentosas sugestivas de Actinomices sp. Foi necessário fragmentar-se o rinolito para que o mesmo fosse retirado, devido à sua forma extremamente irregular e sua extensão (Figura 3).


Figura 1. Fístula oronasal em região anterior de palato duro à esquerda.



Figura 2. TC em cortes coronal e axial mostrando extenso rinolito em fossa nasal esquerda.



Figura 3. Peça cirúrgica após fragmentação do rinolito para sua remoção.


Optou-se pelo não-fechamento da fístula oronasal no mesmo ato cirúrgico devido à presença de intenso processo inflamatório local.

DISCUSSÃO

A rinolitíase foi primeiramente descrita por Bartholin em 1654, tratando-se de afecção incomum, muitas vezes passando desapercebida pelos pacientes.

A etiologia muitas vezes não é descoberta, podendo ser de origem exógena (como grãos, pedaços de papel, pedras, peças plásticas, sementes, insetos, vidro, madeira e outros) ou endógena, esta decorrente de secreções ressecadas, coágulos, produtos de lise celular, necrose de mucosa e fragmentos de dentes, os quais funcionam como corpos estranhos2-4.

A rota de entrada dos corpos estranhos é geralmente anterior, mas podem mais raramente adentrar a cavidade nasal através da coana devido à tosse ou vômitos5.

O corpo estranho comumente é introduzido no nariz durante a infância, ocupando o assoalho nasal na maioria das vezes6. Sua presença causa reação inflamatória local, levando ao depósito de carbonato e fosfato de cálcio, magnésio, ferro e alumínio, além de substâncias orgânicas como ácido glutâmico e glicina, fazendo com que haja lento e progressivo aumento de tamanho4,7.

Os sintomas geralmente são obstrução nasal unilateral progressiva, rinorréia (usualmente purulenta e fétida), cacosmia e epistaxe. Outros sintomas menos comuns são cefaléia, dor facial e epífora8,9.

Pode haver complicações como perfuração e desvio do septo nasal, fistula oroantral e oronasal, sinusite crônica e destruição da parede nasal lateral.

No exame físico observa-se massa acinzentada ou enegrecida, com consistência pétrea e superfície irregular.

O diagnóstico geralmente é feito pela sintomatologia, história pregressa de introdução de corpo estranho no nariz, exame físico e exames subsidiários. A radiografia simples e a tomografia computadorizada de seios paranasais apóiam o diagnóstico, através da presença de tumor calcificado em fossa nasal, além de auxiliar no planejamento da abordagem cirúrgica10.

O diagnóstico pode ainda ser realizado ocasionalmente durante um exame de rotina ou revelado por exames de imagem efetuados por outros motivos, como, por exemplo, tratamento dentário9.

O diagnóstico diferencial deve levar em consideração tumores benignos (osteomas), seqüestro ósseo e tumores malignos (condrossarcoma, osteossarcoma, entre outros)2,11.

O tratamento consiste na remoção do rinolito e a abordagem cirúrgica escolhida depende da localização e tamanho do mesmo e da presença ou não de complicações, sendo a maioria passível de ser retirada por via endonasal. Abordagens externas podem ser necessárias nos casos de rinolitos gigantes, sendo o endoscópio de grande auxilio em ambas abordagens9.

O tratamento das complicações pode ser realizado no mesmo ou em outro ato cirúrgico8.

No caso de fistulas oronasais observa-se na literatura tendência de se deixar a correção para uma segunda intervenção, que deve ser realizada através da rotação de retalho palatal e nasal, promovendo um fechamento em duas camadas2,11.

COMENTÁRIOS FINAIS

A rinolitíase é uma doença incomum, que pode passar desapercebida por vários anos e pode apresentar complicações. O diagnóstico geralmente pode ser feito através da história clínica e exame físico, devendo ser sempre lembrado nos casos de obstrução nasal unilateral. O tratamento consiste na retirada do rinolito e correção das eventuais complicações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Sharma, BG, Sahni RC. Unilateral rhinolithiasis. Australasian Radiol 1981; 25: 132-4.

2. Aksungur EH, Binokay FB, Biçakçi K, Apaydin D, Oguz M, Aydogan, B. A rhinolith which is mimicking a nasal benign tumor. Eur J Radiol 1999; 31: 53-5.

3. Ésiás A, Sugar AW. Rhinolith: A usual case and na update. Ann Otol Rhinol Laryngol 1997; 106: 135-8.

4. Wickham MH, Barton RPE. Nasal regurgitation as the presenting symptom of rhinolithiasis. J Laryngol Otol 1088; 102: 59-61.

5. Polson CJ. On rhinolithiasis. J Laryngol Otol 1943; 58: 79-116.

6. Chaker PG, Schwarz GS, Kole GL. Bilateral rhinilithiasis. Ear Nose Throat J 1978; 57: 50-2.

7. Harbin W, Weber, AL. Rhinolithiasis. Ann Otol Rhinol Laryngol 1979; 88: 578-9.

8. Aguayo AMV, Soto IAC. Rhinolithiasis. Presentación de un caso. Rev Med IMSS (Mex) 1996; 34(3): 207-9.

9. Celikkanat S, Turgut S, Özcan I, Balyan AR, Ozdem C. Rhinolithiasis. Rhinology 1997; 53: 39-40.

10. Price HI, Batnitzky S, Karlin CA, Norris CW. Giant nasal rhinolith. Am J Neuroradiol 1981; 2: 371-3.

11. Flood TR. Rhinolith: an unusual case of palatal perforation. British J Oral Maxillof Surg 1988; 26: 486-90.


1 Especializando do 3 ano em Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

2 Residente do 3 ano em Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

3 Pós-Graduando nível Mestrado em Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

4 Mestre e Pós-Graduando nível Doutorado em Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

5 Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia e do Setor de Rinologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

Endereço para correspondência: Dr. Gabriel Cesar Dib - Rua Borges Lagoa 980 ap. 12 Vila Clementino 04038-002 São Paulo SP

Tel (0xx11) 9677-1212 - E-mail: gcdib@hotmail.com

Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da Unifesp-EPM.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia