INTRODUÇÃOOs tumores glômicos que acometem o osso temporal podem ser considerados, como a neoplasia pouco freqüente da orelha média. A origem desses tumores deve-se ao crescimento dos paragânglios ou corpos glômicos, que são estruturas de ocorrência normal do osso temporal. Os corpos glômicos são formados por células não cromafins que pertencem ao sistema neuroendócrino extra-adrenal as quais se derivam crista neural primitiva1. Eles podem estar localizados no corpo carotídeo, medula adrenal, no teto do bulbo jugular, ao longo do nervo de Jacobson e do nervo de Arnold, da fossa jugular ao promontório da orelha média Dessa forma os tumores glômicos devem ser denominados de acordo com a sua origem: glomus timpânico, glomus jugular, glomus vagal, glomus carotídeo2. Segundo Gaffey, os paragânglios teriam propriedades quimiorreceptoras, sendo designados quemodectomas: entretanto, sabe-se que os paragangliomas jugulotimpânicos raramente são acompanhados de alterações da pressão arterial, apesar de terem sido encontrados grânulos secretores de aminas no interior das células glômicas Isso poderia levar a uma síntese excessiva de catecolaminas3.
Histologicamente, o material obtido da orelha média, segundo Rosenwaser, era formado por células tumorais com citoplasma eosinofílico granulado e pequenos núcleos ovais separados por tecido fibroso que contém várias veias dilatadas. As células tumorais mantêm uma grande proximidade com os vasos capilares, às vezes dando a impressão de se projetarem para luz capilar Interessante observar que diferentemente dos paragangliomas jugulotimpânicos, os tumores intravagais possuem vascularização menos exuberante. A presença de polimorfismo e hipercromatismo é freqüente, mas essas características não estão associadas à transformação maligna1,4.
Figura 1. RM de ossos temporais com contraste de gadolíneo mostrando preenchimento da orelha média esquerda por tecido hipervascularizado.
Figura 2. TC de ossos temporais com velamento do promontório e recesso do nervo facial direito.
Os sintomas mais comuns são a perda auditiva e o tinnitus pulsátil, geralmente unilateral, e pela sua capacidade em erodir as estruturas adjacentes pela sua intensa vascularização. O crescimento tumoral para a orelha média pode levar a destruição da cadeia ossicular, surgindo a hipoacusia condutiva, paralisia facial se houver infiltração do canal de falópio, protusão para o conduto auditivo externo, visualizado à otoscopia, massa vermelho púrpura na orelha média, nas lesões maiores poderá surgir como pólipo no conduto auditivo externo que sangra profusamente à manipulação5,6.
A audiometria poderá mostrar uma hipoacusia condutiva nas fases iniciais, ou neurossensorial quando houver comprometimento coclear. A impedanciometria pode ajudar no diagnóstico, pois durante o exame a pulsação do tumor causará deslocamento da agulha do balanciômetro sincronicamente ao pulso do paciente1. A confirmação diagnóstica é sempre realizada através de exames por imagem, sendo desnecessária, ou até mesmo contra-indicada, a realização de biópsias. O exame por imagem mais esclarecedor ainda é a tomografia computadorizada, visualizando a massa tumoral e as alterações ósseas mais comumente encontradas são: alargamento do forame jugular com perda do seu contorno ósseo (nos paragangliomas jugulotimpânicos), preenchimento da fenda auditiva por material de partes moles nos tumores timpânicos ou jugulotimpânicos com invasão da orelha média. A ressonância magnética estará indicada quando houver suspeita de invasão intracraniana pelo tumor, extensão para o pescoço e para grandes vasos. Outro recurso diagnóstico é a angiografia digital, que irá revelar os aspectos característicos de um tumor vascular e nutrição tumoral7.
A cirurgia constitui a única modalidade terapêutica com perspectiva de cura. Nos pacientes que não apresentam teto cirúrgico a radioterapia pode ser indicada paliativamente. Nos tumores timpânicos, a cirurgia limita-se a orelha média quando um acesso transcanal ampliado pode ser suficiente para a remoção total do tumor. Quando o tumor se estende ao adito e à mastóide, um acesso transmastóideo com a remoção da parede posterior do canal auditivo externo estará indicado5,7.
A seguir, relataremos 5 casos atendidos no Hospital no período de 1995 a 2001.
RELATO DE CASOSCaso 1
L. D., 49 anos, feminino, queixa de tinittus pulsátil à direita e hipoacusia ipsilateral há 5 anos. À otoscopia, foi visualizado tumor arroxeado retrotímpanico, realizado audiometria onde foi constatado perda tipo mista sem discriminação, SRT de 80 dB. Realizada timpanomastoidectomia com ressecção do tumor glômico, ficando uma cavidade radical, cujo anatomopatológico confirmou o diagnóstico de tumor glômico. Audiometria pós-operatória, mantendo a perda mista com SRT de 90 dB. Sem recidiva após 3 anos.
Caso 2
S. B. A., 50 anos, feminino, queixa de zumbido pulsátil à direita e hipoacusia à direita há quatro anos. Visualizado tumor avermelhado retrotimpânico. Realizada a audiometria com perda do tipo condutiva, com gap de 25 dB. A tomografia computadorizada evidenciou tumor retrotimpânico. Realizada timpanomastoidectomia com ressecção de tumor.
Caso 3
M. C. S., 53 anos, feminino. Queixa de zumbido pulsátil há dois anos e hipoacusia há um ano na orelha esquerda. Visualizado tumor retrotimpânico à otoscopia. A audiometria mostrou perda condutiva leve à esquerda. A tomografia mostrou tumor retrotimpânico. Submetida à cirurgia por via retroauricular com exérese total do tumor. Audiometria pós-operatória normal.
Caso 4
I. M., 46 anos, feminino, queixa de zumbido pulsátil e hipoacusia à direita há dois anos. Realizada audiometria que evidenciou perda neurossensorial leve de 15 dB. A tomografia computadorizada evidenciou tumor retrotimpânico com espessamento da mastóide à direita. Realizada timpanomastoidectomia com exérese do tumor. Audiometria pós-operatória apresentando a mesma disacusia leve de 15 dB.
Caso 5
T. C., 60 anos, feminino. Queixa de zumbido constante e hipoacusia na orelha direita há um ano. Na otoscopia havia um tumor retrotimpânico avermelhado. Audiometria mostrou perda condutiva leve. T.C. evidenciou tumor na região meso e hipotimpânica. Foi submetida à cirurgia por via retroauricular transcanal com exérese total do tumor. A audiometria pós-operatória com perda neurossensorial em agudos. T. C. de controle normal.
DISCUSSÃOTumores glômicos são tumores hipervascularizados, pouco freqüentes, de crescimento lento, de comportamento benigno. Foram designados, por Gaffey, de quemodectomas por atribuir aos paragânglios jugulotimpânicos propriedades quimiorreceptoras, associando-os aos corpos carotídeos e aórticos, que teriam propriedades de modulação dos reflexos cardiopulmonares a partir de variações da pO2 e da pressão arterial. Desenvolvem-se de corpos glômicos, que são quimiorreceptores não-funcionantes, localizados também no osso temporal, derivados da crista neural primitiva. Clinicamente, o glômus timpânico apresenta tinnitus pulsátil e hipoacusia condutiva como sintomas iniciais, sintomas estes relatados em todos os nossos pacientes. O sintoma mais freqüente citado na literatura é o zumbido pulsátil, o qual foi evidenciado em todos os nossos pacientes. Entretanto, pela característica de crescimento lento do tumor, muitas vezes os sintomas só aparecem quando o tumor já atingiu dimensões maiores. O segundo sintoma mais freqüente é a perda auditiva, que inicialmente é do tipo condutiva, porém com a invasão do canal auditivo interno, nos casos em que o crescimento tumoral é central, poderá ocasionar perda neurossensorial, fato que foi constatado em nossos pacientes, possivelmente pelo retardo do diagnóstico8. A literatura cita também uma predominância pelo sexo feminino, numa proporção de quatro a seis para um: nossa casuística é de 100%. O exame físico também evidenciou importância na visualização de tumoração de coloração vinhosa retrotimpânica à otoscopia, a qual foi possível em todos os nossos casos. A nossa conduta foi cirúrgica em todos os casos, e a via de preferência foi a retroauricular, sendo, às vezes, necessária a realização da mastoidectomia devido à dimensão do tumor. A realização das timpanomastoidectomias associadas à exérese da tumoração parece estar relacionada ao retardo do diagnóstico nos nossos pacientes4,8. Houve uma predominância em todos os nossos casos pelo lado direito, podendo estar relacionado com as condições anatômicas fisiológicas do golfo jugular que se apresenta mais elevado e dilatado à direita, porém não achamos dados na literatura com relação a essa incidência. Com relação ao trans-operatório, não houve intercorrências. Em todos os pacientes houve melhora total ou parcial do zumbido.
Figura 3. TC de ossos temporais (corte axial) mostrando velamento circunscrito no promontório à direita.
Figura 4. TC de ossos temporais (corte coronal) velamento circunscrito no promontório e hipotímpano à direita.
Figura 5. TC de ossos temporais (corte axial) com contraste mostrando velamento de orelha média em direção a tuba auditiva.
Os paragangliomas timpânicos são lesões benignas, com poucos casos citados na literatura de malignização, de ocorrência rara, de crescimento lento direcionado para as áreas de menor resistência dentro do osso temporal. O sintoma mais freqüente encontrado é o zumbido pulsátil, seguido da hipoacusia condutiva8. Os outros sintomas estão relacionados ao crescimento tumoral e sua invasão óssea, comprometimento do nervo facial pelo canal de Falópio, infiltração do forame jugular, tuba auditiva, canal carotídeo, seio sigmóide1,2.
Diante desses sintomas se faz obrigatório avaliação audiométrica, radiológica (de preferência a tomografia computadorizada), lembrando que as biopsias incisonais e as paracenteses estão completamente contra-indicadas devido ao alto índice de complicações proveniente do sangramento provocado. Remoção cirúrgica da lesão sempre com a confirmação do exame anatomopatológico para descartar outros tumores. A conduta é cirúrgica em todos os pacientes com teto cirúrgico3,5,7.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Lawsom W. The neuroendocrine nature of the glomus cells: an experimental, ultrastructural and histochemical tissue culture study. Laringoscope 1980; 90:120.
2. Roland JT, Hoffman RA, Miller PJ, Cohen NL. Retrofacial approach to the hipotympanu. Arch otolaringol head neck surg 1995; 121:233-6.
3. Lum C, Keller AM, Kassel E, Blend R, Waldron J, Rutka. Unusual eustachian tube mass: glomus timpanicum. AJNR Am j neuroradiologic 2001: 22:508-9.
4. Gulya AJ. The glomus tumors and its biology Laryngoscope 1993: 60:7.
5. Manolidis S, Shohet JA, Jackson G, Glasscock ME. Malignant glomus tumors. Laringoscope 1999; 109:30-4.
6. Rockley TJ, FRCS & Hawke M. The Glomus tympanic: a middle ear chemoreceptor? The journal of Otolaryngol Head Neck Surg 1995; 121:233-6.
7. Briner HR, Linder TE, Paw B, Fisch U. Long-term results of surgery for temporal bone paragangliomas. Laringoscope 1999: 109:577-83.
8. Antunes ML, Testa JRG, Frazatto R, Freitas CE. Paraganglioma timpânico. Acta Who 1999; 18(3):154-8.
1 Residentes do Hospital Paulista de Otorrinolaringologia.
2 Professor Doutor pela UNIFESP-EPM.
3 Pós-Graduando da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina.
4 Médico otorrinolaringologista.
Trabalho realizado no Hospital Paulista de Otorrinolaringologia.
Endereço para correspondência: Doutor José Ricardo Gurgel Testa - Rua Doutor Diogo de Faria 780 São Paulo SP 04037-002.
Fax (0xx11) 50878700 - E-mail:hosppaulista@hospitalpaulista. com. br
Trabalho Apresentado no Congresso Brasileiro de otorrinolaringologia em Florianópolis, no ano de 2002.