ISSN 1806-9312  
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3193 - Vol. 71 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2005
Seção: Relato de Caso Páginas: a
Colesteatoma de conduto auditivo externo: relato de caso
Autor(es):
Fábio D. Zanini1 , Everton S. Ameno2, Sidney O. Magaldi3 , Ruben A. Lamar4

Palavras-chave: colesteatoma, conduto auditivo externo, otorréia.

Keywords: cholesteatoma, external auditory canal, otorrhea.

Resumo: Os autores apresentam um caso de colesteatoma de conduto auditivo externo (CCAE) com extensa invasão da mastóide, mas estando preservadas a membrana timpânica e a cadeia ossicular. Como único sintoma apresentava otorréia crônica. O diagnóstico da lesão foi clínico, sendo o seu estadiamento e planejamento cirúrgico realizados através da tomografia computadorizada. Como tratamento procedeu-se a mastoidectomia radical modificada associada à meatoplastia. O CCAE, por seu caráter insidioso e correlação topográfica com estruturas nobres, deve ser sempre lembrado no diagnóstico diferencial das lesões do conduto auditivo externo. O relato deste caso tem o objetivo de revisar alguns aspectos clínicos e cirúrgicos no tratamento do CCAE e expor nossa conduta em um caso bastante evoluído da doença.

Abstract: The authors present a case of cholesteatoma of external auditory canal (CEAC) with extensive invasion of mastoid; ossicle chain and tympanic membrane remained intact. The only symptom was chronic otorrhea. Diagnosis was based on clinical elements and CT scan was used to measure pathology and program surgery. Treatment was modified radical mastoidectomy associated with meatoplasty. Due to the insidious character of CEAC and the proximity with important structures of the external auditory canal, it must be always considered in differential diagnosis for lesions of external auditory canal. This case report intended to review clinical and surgical aspects of treatment of CEAC and present our approach in a case with severe lesions.

INTRODUÇÃO

O colesteatoma de conduto auditivo externo (CCAE) é uma doença rara, acometendo principalmente idosos. Sua evolução é lenta e pouco sintomática e seu diagnóstico pode ser tardio, evoluindo com destruição óssea progressiva e acometimento de importantes estruturas adjacentes1,2.

Os autores apresentam um caso clínico de CCAE com extensa invasão óssea da mastóide expondo o seio lateral e dura-máter, mas com preservação da audição e das estruturas da caixa timpânica.

As possíveis causas da lesão e o tratamento preconizado são discutidos.

REVISÃO DA LITERATURA

A presença do colesteatoma na prática otológica geralmente ocorre no segmento timpanomastóideo. Raramente origina-se no conduto auditivo externo (CAE), onde sua incidência é estimada em 0,1-0,5% de novos pacientes otológicos1-3.

O primeiro autor a descrever o colesteatoma originário do conduto auditivo externo (CCAE) como "lâminas epidérmicas no CAE" foi Toynbee em 18502,4. Até 1980 CCAE e queratose obliterante (QO) foram consideradas diferentes formas da mesma doença, quando Pipergerdes et al.2 descreveram CCAE e queratose obliterante (QO) como dois diferentes processos clínico-patológicos: a QO como acúmulo de queratina no CAE e CCAE como erosão óssea por acúmulo de tecido escamoso em ponto específico no CAE2.

No CCAE a descamação do epitélio que ocorre lateralmente está prejudicada. Os debris queratinosos tornam-se aprisionados, causando erosão local e destruição óssea que pode ser extensa2,5. Holt2,3,6,7 listou situações em que a doença pode ser encontrada: pós-operatório de cirurgia otológica; trauma do CAE; obstrução do CAE - por osteoma ou estenose por exemplo; idiopático - acredita-se que, nestes casos, alguma periostite local dê início ao processo de atividade hiperqueratótica.

O diagnóstico é eminentemente clínico, apresentando-se geralmente com otalgia, otorréia, audição preservada e, à otoscopia membrana timpânica intacta com erosão restrita a um ponto do conduto auditivo externo4,5,8. O otorrinolaringologista deve estar atento para a possibilidade do colesteatoma estender-se para estruturas vizinhas (seio lateral, nervo facial, fossa craniana posterior), sendo recomendada, pois, tomografia computadorizada (TC) para todos os pacientes1,2,4.

O diagnóstico diferencial de CCAE faz-se com otite externa necrotizante, tumores e QO. Esta última mais freqüente em adultos jovens com otalgia intensa e perda auditiva condutiva bilateral, diferente do CCAE que ocorre em pacientes mais velhos, sendo geralmente unilateral, com otorréia, dor crônica e audição preservada. Na QO o CAE está preenchido por um tampão de queratina que quando removido revela um conduto estreitado, hiperemiado e com formação de tecido de granulação. No CCAE, a lesão apresenta-se geralmente como um divertículo epidérmico na parede inferior do canal, preenchido por debris epidérmicos e otorréia, estando normal o restante do CAE1-3.

O tratamento do CCAE pode ser clínico ou cirúrgico. O primeiro é realizado através de limpeza local e aplicação de antibiótico tópico. O segundo baseia-se na remoção do colesteatoma e do osso necrótico5-8.

O tratamento clínico está indicado em caso de lesão limitada e sem queixas de otalgia; situação que contra-indique a cirurgia; em pacientes que se recusem a esta e ainda; como uma conduta expectante para avaliar a velocidade de evolução da lesão2,6.

São indicações de tratamento cirúrgico: dor crônica (apesar de tratamento médico); infecção constante (pela possibilidade de desenvolver resistência bacteriana); surgimento de paralisia facial ou vertigem crônica; progressão da lesão durante o acompanhamento; TC mostrando envolvimento do hipotímpano, cúpula jugular ou mastóide; Diabetes Mellitus ou imunossupressão (predisposição a otite externa necrotizante) 2,4,6,9.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

Paciente A. F., sexo masculino, 59 anos. Veio ao ambulatório de otorrinolaringologia com queixa de otorréia, otalgia e sensação de plenitude auricular direita há 10 (dez) anos. A otoscopia de orelha direita demonstrou grande acúmulo de debris epidérmicos no conduto que quando removidos revelaram membrana timpânica íntegra e extensa erosão do quadrante póstero-inferior do CAE. Otoscopia esquerda normal. Audiometria tonal bilateral normal.

Na suspeita de CCAE foi solicitada TC de ossos temporais que mostrou erosão de parede posterior de CAE invadindo a mastóide e expondo o seio lateral e a meninge (Foto 1).

O trans-operatório constatou-se erosão de quase toda a parede posterior do CAE, estando preservada apenas uma estreita faixa óssea junto ao anel timpânico (Foto 2). A membrana timpânica, a cadeia ossicular e o canal do nervo facial estavam preservados.

Foi realizada uma mastidectomia radical modificada tipo I associada à meatoplastia. O paciente evoluiu bem, sem recidivas em pós-operatório de dois anos e com normacusia.

DISCUSSÃO

O CCAE, por possuir uma evolução lenta e insidiosa, pode apresentar um acometimento extenso de estruturas de orelha média no momento do seu diagnóstico. No caso apresentado a lesão era bastante extensa no momento do seu diagnóstico, não sendo possível visualizar os limites da mesma através da otoscopia. A TC foi importante para determinar a extensão da lesão e suas correlações, sendo por este motivo indicação absoluta sempre que se aventar a possibilidade de CCAE.


Figura 1. TC de osso temporal com projeção axial demonstrando contato da cápsula do colesteatoma com seio sigmóide e meninge.



Figura 2. Foto trans-operatória de mastoidectomia radical modificada com MT íntegra e CCAE invadindo mastóide.


A causa da lesão foi provavelmente espontânea, pois o paciente não apresentou nenhum fator predisponente para formação de CCAE.

Sendo a invasão da mastóide uma das indicações para a cirurgia e, na ausência de quaisquer restrições do paciente para realizá-la, procedeu-se a mastoidectomia radical modificada associada a ampla meatoplastia, que garantiu um bom controle da cavidade no pós-operatório.

Por manter preservadas a caixa timpânica e todas as suas estruturas, a cirurgia permitiu não somente a cura, mas também a manutenção da audição do paciente. É interessante observar que apesar da extensão avançada da lesão o paciente não manifestou envolvimento do nervo facial, labirinto ósseo ou nervos emergentes do forame jugular.

COMENTÁRIOS FINAIS

O otorrinolaringologista deve estar sempre atento para a possibilidade de CCAE nos processos de otorréia crônica sem alterações de membrana timpânica. Realizado o diagnóstico de CCAE, todos os pacientes deverão ser submetidos a TC de osso temporal para avaliar a real extensão da lesão e o envolvimento de estruturas adjacentes (bulbo da jugular, nervos cranianos, componentes da caixa timpânica). Programar o tratamento cirúrgico na maioria dos casos é o mais indicado, tendo como principal objetivo erradicar a lesão e, na medida do possível preservar a audição, sendo a mastoidectomia radical modificada a cirurgia mais realizada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Médico Otorrinolaringologista do Hospital Regional de São José Homero de Miranda Gomes - São José/SC; Hospital Infantil Joana de Gusmão - Florianópolis/SC; Fundação Catarinense de Educação Especial São José/SC.

2 Médico Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital da Lagoa - Rio de Janeiro/RJ.

3 Médico do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital da Lagoa - Rio de Janeiro/RJ.

4 Médico do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital da Lagoa - Rio de Janeiro/RJ.

Instituição vinculada ao trabalho: Hospital da Lagoa - Rio de Janeiro/RJ.

Endereço para correspondência: Fábio Duro Zanini- Rua Lauro Linhares, 2123 Torre A Sala 612 Agronômica Florianópolis SC 88036-002.

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