INTRODUÇÃOA tonsila faríngea, também chamada de adenóides, é a extensão superior do anel linfático de Waldeyer e está localizada no teto da parede posterior da nasofaringe1. Sua posição é adjacente às coanas e aos óstios das tubas auditivas; a hipertrofia adenoideana possui, portanto, importante papel nas otites médias recorrentes e otites médias secretoras. Participa, muitas vezes associada à hipertrofia das tonsilas palatinas, da doença respiratória obstrutiva das vias aéreas superiores e pode ser sede de infecções faríngeas crônicas de repetição2.
A adenoidectomia e/ou a tonsilectomia das palatinas são procedimentos cirúrgicos freqüentes na prática otorrinolaringológica, estando incluídos entre os mais antigos procedimentos cirúrgicos em seres humanos. A recente ênfase em uma seleção cuidadosa dos pacientes para estes procedimentos provém de consenso sobre o papel imunológico das tonsilas palatinas e faríngea, bem como as possíveis complicações potenciais da cirurgia3.
A radiografia lateral da face com penetração para partes moles, para a visualização da região do cavo é um estudo facilmente acessível para o médico e relativamente cômodo para a criança4, constituindo-se num método simples para a determinação do tamanho, forma e posição das adenóides3. Cohen et al. advogam que este exame é uma modalidade apropriada para a avaliação de crianças com suspeita de hipertrofia adenoideana5. Por outro lado, a nasofibroscopia flexível é um método endoscópico que permite a observação visual e direta da nasofaringe, incluindo a tuba auditiva e a fosseta de Rosenmüller, a ação do esfíncter velofaríngeo e conseqüente avaliação funcional desta região6. Alguns autores ressaltam que a nasofibroscopia flexível deva sempre ser realizada como complementação do exame radiográfico, pois permite a visão de toda a nasofaringe, estabelecendo de forma fidedigna as relações do conteúdo e do continente7.
Este trabalho tem como objetivo avaliar e comparar o grau de hipertrofia adenoideana através de uma avaliação radiológica simples em perfil do cavo e de uma avaliação endoscópica por nasofibroscopia flexível, em crianças respiradoras orais.
MATERIAL E MÉTODONo período de março a junho de 2004 foram selecionadas, ao acaso, no ambulatório de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, no Hospital de Clínicas de Franco da Rocha - SP (DIR-IV), 20 crianças com queixa principal de respiração oral, na faixa etária de 3 a 10 anos.
Foi solicitada a anuência por intermédio da assinatura pelo responsável de um Termo de Consentimento livre e esclarecido, após sua leitura e fornecimento de explicações sobre o estudo. A seguir foi realizada a avaliação da sintomatologia através de um questionário direcionado ao responsável do paciente, através do qual foram obtidos dados sobre roncos, baba noturna, sono ruidoso, respiração oral de suplência, sialorréia noturna, sonolência diurna, prurido nasal, espirros, rinorréia hialina e obstrução nasal. Procedeu-se então ao exame otorrinolaringológico inicial, onde foram avaliados hipertrofia e coloração das conchas nasais, presença e aspecto da rinorréia e grau de hipertrofia das tonsilas palatinas.
Foram incluídas no estudo somente crianças que não estavam na vigência de nenhum tratamento medicamentoso nem processos inflamatórios e infecciosos de vias aéreas.
Os pacientes foram então encaminhados para a realização da radiografia simples em perfil do cavo durante a fase de inspiração, em pé e com a boca fechada; estas orientações foram dadas ao técnico de radiologia e ao responsável pela criança. Imediatamente a seguir, foram submetidos à nasofibroscopia flexível, sob anestesia tópica das fossas nasais com algodão embebido em lidocaína a 10% e oximetazolina como vasoconstritor tópico. Durante a realização do exame, quando se obtinha uma visualização completa da coana, era solicitado ao paciente que inspirasse profundamente pelo nariz, para que obtivéssemos uma imagem mais fidedigna quanto à real obstrução da abertura coanal.
Foram utilizados como critérios de avaliação dos métodos:
1) A interpretação do raio-X simples em perfil do cavo foi baseada no método de Cohen e Konak8, através do qual se faz uma comparação entre a espessura do palato mole (um centímetro abaixo do palato duro ou meio centímetro em crianças abaixo de 3 anos de idade) e a largura da coluna aérea entre este ponto do palato e o ponto de maior convexidade da adenóide. É classificada em pequena, quando a coluna aérea não é mais estreita que a espessura do palato; média, quando a coluna aérea está estreitada, porém é mais larga que a metade da espessura do palato; grande, quando a coluna aérea é mais estreita que a metade da espessura do palato (Figuras 1 e 2).
Figura 1. Raio-X simples em perfil do cavo.
Figura 2. Desenho esquemático para ilustrar o Método de Cohen & Konak8, que compara a espessura do palato mole (um centímetro abaixo do palato duro ou meio centímetro em crianças abaixo de 3 anos de idade) com a largura da coluna aérea entre este ponto do palato e o ponto de maior convexidade da adenóide (linha azul). Neste exemplo, trata-se de uma adenóide grande.
Figura 3. Exemplo de uma imagem selecionada e impressa com o auxílio de um Videoprinter Sony®.
Figura 4. Exemplo de uma imagem escaneada através do programa Corel Scan 7.0 e posteriormente processada no Corel Photo Paint 7.0 em arquivo bitmap.
Figura 5. Exemplo de imagem analisada no Corel Trace 7.0 como figura vetorial.
2) Todas as nasofibroscopias foram inicialmente gravadas em fita VHS, cujas melhores imagens coanais foram selecionadas e impressas com o auxílio de um Videoprinter Sony® (Figura 3). Estas fotos foram, após marcação manual dos limites da coana e do contorno da adenóide, escaneadas através do programa Corel Scan 7.0 e posteriormente processadas no Corel Photo Paint 7.0 em arquivos bitmap (Figura 4) e analisadas no Corel Trace 7.0 como figuras vetoriais (Figura 5). Através deste programa, foi possível, com precisão decimal, a obtenção percentual da área de ocupação da adenóide na coana.
Para uma melhor correspondência, consideramos a adenóide pequena quando ocupava menos da metade da coana; média, quando ocupava entre 50 a 75% da coana e grande, quando sua ocupação era superior a 75% da área coanal. As interpretações de ambas as avaliações foram realizadas de modo independente e sem correlação com os dados da história e os achados do exame físico.
RESULTADOSTabela 1. Classificação individual do tamanho da adenóide através da avaliação radiológica e nasofibroscópica; % - porcentagem de obstrução da coana.
Tabela 2. Escore de acordo com o tamanho da adenóide: 1 = pequena, 2 = média, 3 = grande.
Gráfico 1. Correspondência entre o número de pacientes portadores de adenóides radiologicamente pequenas (n = 7) à nasofibroscopia.
Gráfico 2. Correspondência entre o número de pacientes portadores de adenóides radiologicamente de tamanho médio (n = 6) à nasofibroscopia.
Gráfico 3. Correspondência entre o número de pacientes portadores de adenóides radiologicamente grandes (n = 7) à nasofibroscopia.
DISCUSSÃOA primeira adenoidectomia foi provavelmente realizada na segunda metade do século XIX. Por algum tempo, devido à falta de critérios claros para a indicação da cirurgia, este procedimento tornou-se desacreditado entre os médicos e a opinião pública. Atualmente, indicações precisas e normas claras para a adenoidectomia a têm tornado menos controversa2. Observa-se na literatura uma preocupação com respeito à melhor forma de diagnosticar e tratar crianças com suspeita de hipertrofia adenoideana, situação que é muito freqüente na prática otorrinolaringológica. A avaliação clínica do tamanho da adenóide em crianças pequenas é difícil. A história fornecida pelos pais de obstrução nasal, respiração bucal de suplência, babeira noturna e alterações da fala, sustenta relação com o volume aumentado da adenóide, que não é visível na inspeção direta por rinoscopia anterior e oroscopia; em relação à rinoscopia posterior, além da dificuldade técnica para a sua realização em crianças pequenas, o seu real valor é controverso9. Medidas objetivas da hipertrofia adenoideana tornam-se úteis para fornecer informações que ajudarão a decidir sobre a necessidade da terapêutica cirúrgica e posteriormente para avaliar os resultados deste procedimento.
Ainda hoje, existe pouco consenso sobre qual é a melhor maneira de aferição do tamanho e da posição do tecido adenoideno na avaliação pré-operatória. A sombra do tecido adenoideano foi primeiramente observada por Mignon em 1898. Mais tarde, foi percebido que esse tecido estreitava a nasofaringe e a partir de então alguns autores investigaram diferentes aspectos da radiografia da adenóide e da nasofaringe na tentativa de minimizar as chances de erro de interpretação10. Existem diferentes métodos descritos para a avaliação radiográfica da nasofaringe e a interpretação da presença ou não de hipertrofia adenoideana ainda não é consenso entre os autores. De acordo com Wormald et al., que realizaram um estudo comparativo entre estes métodos, o método de Cohen & Konak é o que fornece o valor preditivo positivo mais alto11. Estes autores relatam que o método que desenvolveram leva em conta a relação entre o tamanho da nasofaringe e da adenóide; é qualificado pela sua simplicidade, não requerendo medidas e cálculos. Ressaltam a necessidade de o otorrinolaringologista dar maior ênfase à coluna aérea do que ao tamanho ou ao contorno da adenóide, porque deste modo estaria sendo interpretado o exame de uma maneira mais fisiológica8. Cohen, Konai e Scott advogam que a radiografia lateral da nasofaringe é um método apropriado de avaliação de crianças com suspeita de hipertrofia adenoideana5, todavia o exame radiográfico apresenta certas desvantagens, que são a irradiação para a criança, a falta de padronização da técnica e da avaliação do filme e o fornecimento de informação bidimensional da nasofaringe e não de sua estrutura tridimensional.
A endoscopia nasossinusal foi praticada pela primeira vez em 1901, por Hirschmann6. O progresso técnico da endoscopia otorrinolaringológica foi lento. Constituindo-se em recurso inicialmente limitado a alguns profissionais, foi ganhando espaço na prática médica graças ao desenvolvimento de instrumentos ópticos cada vez aprimorados e de maior comodidade para o paciente e para o examinador. Atualmente, a nasofibroscopia diagnóstica é um complemento importante na avaliação do paciente com queixa de obstrução nasal. Não há na literatura uma padronização da avaliação endoscópica da nasofaringe. Encontramos desde métodos que utilizam linhas imaginárias e pontos de referência7 até avaliações subjetivas dos examinadores11. Destacamos o método de aferição desenvolvido neste trabalho pela sua objetividade, além de fácil execução e reprodutibilidade. Wormald et al. relatam que em casos duvidosos, a endoscopia flexível nasal após anestesia tópica fornece uma avaliação definitiva do estado da cavidade nasal e da nasofaringe11. Outro estudo concordante com nossos achados mostrou que a nasofibroscopia é mais fidedigna que a radiografia lateral do cavo na avaliação do tamanho e formato da tonsila faríngea4. A endoscopia apresenta como desvantagem a sua realização dificultada em crianças não-colaborativas5,6, contudo em nossa experiência a faixa etária em que isto ocorre é a inferior a 4 anos de idade.
Analisando a Tabela 1, observamos que das 20 crianças submetidas ao raio-x do cavo, sete apresentaram adenóide pequena, seis apresentaram adenóide de tamanho médio e sete de tamanho grande, com base no método de Cohen & Konak. Observamos ainda que das 20 crianças submetidas à nasofibroscopia, cinco apresentaram adenóide de tamanho médio e 15 de tamanho grande. Nenhuma das crianças apresentava, definitivamente, adenóide pequena à nasofibroscopia e este é sem dúvida um achado relevante.
A partir dos resultados da Tabela 1, foi determinado um escore de valores numéricos para cada tamanho de adenóide em ordem crescente, sendo que as adenóides pequenas foram creditadas com 1 ponto, as médias com 2 pontos e as grandes com 3 pontos (Tabela 2). Através desta pontuação foi possível estabelecer a média aritmética do tamanho das adenóides pelo raio-x do cavo e pela nasofibroscopia. A média do tamanho das adenóides pelo raio-x nessa escala de 1 a 3 foi de 2,0 (dois vírgula zero), enquanto que através da nasofibroscopia foi de 2,75 (dois vírgula setenta e cinco). Portanto as adenóides avaliadas pela nasofibroscopia foram em média 37,5% maiores em relação às adenóides avaliadas pelo raio-x do cavo. A média percentual da obstrução coanal às nasofibroscopias foi de 79,5%, valor correspondente portanto a um média de volume adenoideano grande, que foi considerado neste estudo como sendo superior a 75%.
No Gráfico 1, pode-se observar que as adenóides pequenas ao raio-x de cavo foram, em sua totalidade, consideradas como médias ou grandes à nasofibroscopia.
No Gráfico 2, constata-se que as adenóides médias ao raio-x de cavo foram consideradas, na grande maioria das vezes, como grandes à nasofibroscopia.
No Gráfico 3, todas as adenóides grandes ao raio-x de cavo foram consideradas como grandes à nasofibroscopia.
No Gráfico 4, observamos que 100% das crianças apresentavam roncos e respiração oral de suplência, 85% apresentavam sialorréia noturna e 45% apresentavam sonolência diurna.
A partir dos achados acima, pode ser constatado que crianças com sintomas clássicos de obstrução respiratória alta, mesmo quando for verificada a ausência radiológica de hipertrofia adenoideana, devam ser submetidas à nasofibroscopia flexível para maior acurácia diagnóstica, fato de grande relevância, inclusive para indicação mais segura de adenoidectomia.
CONCLUSÕESA nasofibroscopia flexível é um método diagnóstico excepcionalmente mais fidedigno do que o raio-x do cavo, na avaliação volumétrica da adenóide.
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11. Wormald PJ, Prescott CAJ. Adenois: comparison of radiological assessment methods with clinical and endoscopic findings The Journal of Laryngology and Otology 1992; 106: 342-34.
1 Professor Adjunto-Doutor e professor responsável pela disciplina de otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí.
2 Médica residente de 2ºano da disciplina de otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí.
3 Médico residente de 2ºano da disciplina de otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí.
4 Médico residente de 1ºano da disciplina de otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí.
5 Médica residente de 1ºano da disciplina de otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí.
6 Médica residente de 1ºano da disciplina de otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí. Instituição: Faculdade de Medicina de Jundiaí/SP
Endereço para correspondência: Marcelo Henrique de Oliveira - Rua Zuferey 155 bloco 05 ap. 104 Vila Arens 13202-420 Jundiaí SP. Tel (0xx11) 4816-4451