ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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3163 - Vol. 70 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 2004
Seção: Relato de Caso Páginas: 855 a 857
Leucemia mielóide crônica em paciente com carcinoma epidermóide de região tonsilar submetido à radioterapia pós-operatória
Autor(es):
Sergio Altino Franzi , Ali Amar1, Milena Mendes Incerti , Abrão Rapoport1, José Pedro Zampieri Filho , Andréia Gomes Monteiro

Palavras-chave: Palavras-chave: carcinoma epidermóide, leucemia, região tonsilar.

Keywords: Key words: squamous cell carcinoma, leukemia, tonsillar region.

Resumo: Resumo O tratamento de escolha para o carcinoma epidermóide avançado de tonsila consiste em cirurgia e radioterapia pós-operatória. A indicação de radioterapia pós-operatória baseia-se no exame do espécime operatório, considerando as margens cirúrgicas, a presença de embolização neoplásica, infiltração perineural ou de linfonodos cervicais metastáticos. Segundo a literatura, o tratamento ionizante tem o potencial de induzir uma neoplasia, embora a evidência clínica seja escassa. O presente relato descreve um paciente portador de carcinoma epidermóide de tonsila, submetido à irradiação ionizante que evoluiu com quadro clínico de leucemia mielóide crônica, três anos após o tratamento inicial. Um paciente do sexo masculino de 54 anos, branco, operado há 11 anos de um carcinoma epidermóide de tonsila e submetido à radioterapia (50Gy), após três anos apresentou desmaio súbito e fraqueza. O exame laboratorial mostrou tratar-se de leucose e o mielograma revelou uma leucemia mielóide crônica. O paciente foi submetido à quimioterapia com Hidroxiuréia e interferon, sem sinais de recidiva após um seguimento de 8 anos (até novembro de 2003).

Abstract: Summary Surgery and postoperative radiotherapy are the standard treatment of advanced squamous cell carcinoma of the tonsillar region and they are based in the specimen findings such margins, vascular embolization, perineural infiltration or metastatic lymph nodes. Apparently, the radiotherapy has the potential to bring malignant neoplasm, however this fact though is uncommon. We described a case of a 54-year-old Caucasian male with squamous cell carcinoma of tonsillar region treated by surgery and radiotherapy eleven years ago. After three years of follow-up he presented all of a sudden swoon and weakness. The laboratorial exam showed higher rate of leucocytes. The result of the myelogram showed as diagnostic a chronic myeloid leukemia. The patient received Hydroxyurea and soon after Interferon. After eight years of follow-up he had no evidence of disease.

INTRODUÇÃO

O tratamento de escolha para o carcinoma epidermóide avançado de tonsila consiste em cirurgia e radioterapia pós-operatória. A indicação de radioterapia pós-operatória baseia-se no exame do espécime operatório, considerando as margens cirúrgicas, a presença de embolização neoplásica, infiltração perineural ou de linfonodos cervicais metastáticos, principalmente se apresentarem ruptura capsular.

Nicu1, Miller2 e Ilbery e Rickinson3 relataram os efeitos carcinogênicos em humanos relacionados à irradiação ionizante. Caquet4 faz estudo relacionando os efeitos da radiação ionizante como potencial indutor de neoplasia em cabeça e pescoço, baseado em um paciente portador de carcinoma epidermóide de laringe, submetido à irradiação ionizante que evoluiu para um quadro clínico de leucemia mielóide crônica.

Dos sítios anatômicos mais acometidos pelos efeitos da radiação ionizante, induzindo a formação de neoplasia, ou seja, um segundo tumor após um período de pelo menos 10 anos para o seu surgimento são: boca, orofaringe, laringe e glândula tireóide (Wang5, Jackson6).

São raros os casos de carcinoma epidermóide de loja tonsilar que foram submetidos à radioterapia pós-operatória e desenvolverem segundo tumor primário do tipo leucemia mielóide crônica. Apresentamos um caso de carcinoma epidermóide de tonsila palatina direita com estadiamento clínico IVB, submetido à radioterapia pós-operatória.

Figura 1. Carcinoma epidermóide moderadamente diferenciado (HE, 100X).


Figura 2. Carcinoma epidermóide moderadamente diferenciado (HE, 400X) evidenciando algumas células queratinizadas.


Figura 3. Esfregaço de sangue periférico, coloração de Leishmann (100X) apresentando leucocitose, neutrofilia com displasia variável, e células em diferentes graus de maturação.


Figura 4. Esfregaço de sangue periférico, coloração de Leishmann (400x) apresentando elevado número de blastos. Neutrófilos e monócitos em diferentes graus de maturação.


APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

Um paciente de 54 anos, sexo masculino, de cor branca, trabalhador de caldeira (contato com ferro e alumínio) foi admitido no Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis em novembro de 1992, com queixa de "caroço" no pescoço, de crescimento lento, acompanhado de dor na "garganta", com evolução de 5 meses. Negava disfagia, rouquidão, dispnéia, otalgia, antecedentes pessoais e familiares de câncer.

Na oroscopia foi observada uma lesão úlcero-vegetante e infiltrativa de loja tonsilar direita, medindo 3,0 X 3,0 cm, limitando-se anteriormente no pilar anterior direito; posteriormente acometendo o pilar posterior; superiormente acometendo o palato mole sob a forma eritroplásica, distando 1 cm da úvula e inferiormente poupando o sulco glosso-tonsilar. No pescoço havia um bloco linfonodal englobando as cadeias júgulo-carotidea alta e média direita, medindo 8,5 X 6,5cm, apresentando consistência dura, móvel aos planos profundos, sem acometer a pele que o recobre, indolor e com superfície bocelada.

Foi realizada biópsia no sítio primário, que mostrou tratar-se de carcinoma epidermóide bem diferenciado (Figuras 1 e 2), com estadiamento clínico T2 N3 M0.

A cirurgia foi uma operação tipo retromolar direita. Em função da margem exígua posterior, o paciente recebeu 5000 cGy no pós-operatório nos campos cérvico-faciais e nas fossas supraclaviculares, no período de outubro a novembro de 1992.

Em 1995, três anos após, foi diagnosticado hipotireoidismo, sendo medicado com levotiroxina, e leucemia mielóide crônica (Figuras 3 e 4). Esta última foi tratada com hidroxiuréia (20 a 30 mg/kg/dia) evoluindo com controle da neoplasia e há 2 anos vem fazendo uso de interferon, 6 milhões de unidades 5 vezes por semana. Em setembro de 2003 o paciente apresenta-se assintomático, em bom estado geral, sem evidência de doença (Figura 3).

DISCUSSÃO

O conhecimento de que as neoplasias de cabeça e pescoço submetidos a tratamento com irradiação ionizante possam desenvolver uma neoplasia linforreticular deve-se a Hazen7, em 1966. Esta comprovação tornou-se evidente com a publicação de Nicu1, com respeito aos efeitos carcinogênicos da irradiação em humanos. Mays8 sugere que a indução de uma segunda neoplasia primária estaria relacionada à radioatividade "interna" na economia humana.

No caso apresentado, a leucocitose (cerca de 78000) após o terceiro ano de tratamento combinado, levou ao diagnóstico confirmado pelo mielograma, compatível com leucemia mielóide crônica (Figuras 3 e 4). Adicionalmente, foi diagnosticado hipotireoidismo, uma seqüela não infreqüente quando a glândula tireóidea está dentro do campo de irradiação, mas que pode cursar com poucos sintomas e ser identificada tardiamente. Uma vez que são raros os casos de carcinoma epidermóide das vias aerodigestivas superiores que desenvolvem segundo tumor primário da linhagem linforreticular quando submetidos à radioterapia pós-operatória, não é possível admitir a uma relação causal. As causas ainda são objeto de investigação, mas risco de rádio-indução das neoplasias é comprovado em diversos estudos epidemiológicos sendo as alterações citogenéticas descritas são principalmente as translocações e a perda de material genético8. O seguimento dos pacientes tratados com radioterapia deve contemplar a possibilidade de um segundo tumor primário relacionado à modalidade terapêutica empregada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Nicu MD. [Carcinogenic effect of radiations in humans]. Stud Cercet Endocrinol 1970; 21:19-29.
2. Miller RW. Radiation-induced cancer. J Natl Cancer Inst 1972; 49:1221-6.
3. Ilbery PL, Rickinson AB. Radiation carcinogenesis. Australas Radiol 1973; 17:66-77.
4. Caquet R, Festal G, Laroche C, LeCharpentier M, Bernadou A. [Letter: Cancer of the larynx. Radiotherapy-chronic myeloid leukemia].Nouv Presse Med 1975; 17: 20:1510.
5. Wang MB, Kuber N, Kerner MM, Lee SP, Juilliard GF, Abemayor E. Tonsilar carcinoma: analysis of treatment results. J Otolaryngol 1998; 27: 1221-7.
6. Jackson SM, Hay JH, Flores AD, Weir L, Wong LW, Schwindt C, Baerg B. Cancer of tonsil: the results of ipsilateral radiation treatment. Radiother Oncol 1999; 51:123-8.
7. Hazen RW, Pifer JW, Toyooka ET, Livingood J, Hempelmann LH. Neoplasms following irradiation of the head. Cancer Res 1966; 26: 305-11.
8. Mays CW. Cancer induction in man from internal radioactivity. Health Phys 1973; 25: 585-92.

Cirurgião do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis, HOSPHEL, São Paulo.

Médica Residente do Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Heliópolis, HOSPHEL, São Paulo.

Hematologista do Hospital Heliópolis, HOSPHEL, São Paulo.

Técnica de Laboratório do Serviço de Patologia Clínica, Hospital Heliópolis, HOSPHEL, São Paulo.

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis - HOSPHEL, São Paulo, Brasil.

Endereço para correspondência: Milena Mendes Incerti - Av.Nova Cantareira, 20 apto 82 Santana 02330-000 São Paulo SP.

E-mail: mmincerti@yahoo.com.br

Artigo recebido em 14 de setembro de 2004. Artigo aceito em 11 de novembro de 2004.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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