INTRODUÇÃOOsteomas são tumores ósseos benignos que em cabeça e pescoço encontram-se com maior freqüência em região fronto-etmoidal1,2. No osso temporal, o canal auditivo externo é a sua localização predominante, aparecendo raramente na mastóide, porção escamosa do osso temporal, canal auditivo interno e orelha média3. Quando situados na mastóide são solitários, sésseis ou pediculados, e normalmente evoluem com crescimento extra-craniano2,4,5. Embora a maioria dos osteomas de mastóide não causem sintomas importantes, são de interesse ao otorrinolaringologista, já que podem levar a alterações estéticas e ocasionalmente funcionais5.
O objetivo deste trabalho é apresentar uma revisão da literatura sobre osteomas de mastóide e relatar o caso de uma paciente portadora da lesão, em detalhes.
REVISÃO DA LITERATURAStuart definiu o termo "osteoma de mastóide" como um tumor de tecido ósseo da mastóide, benigno, circunscrito e de crescimento lento5,6. Seu tamanho pode variar, sendo a maioria menor do que três centímetros ao primeiro exame5.
Apresenta maior incidência no sexo feminino, aparecendo predominantemente entre as segunda e terceira décadas de vida, e raro antes da puberdade4,5,7.
Sua etiologia é ainda indefinida, mas com várias teorias:
" Teoria mais aceita: sugere que o tumor cresça a partir de um tecido conjuntivo pré-ósseo1,2,5;
" Teoria congênita: sua manifestação ocorreria no momento em que o crescimento ósseo se intensifica (puberdade), com presença de cartilagem embrionária7;
" Teoria traumática: por conseqüente periostite5;
" Teoria infecciosa: em casos de otite média, com maior influência nos osteoma de orelha média8;
" Teoria hormonal: onde ocorre o aumento da atividade de osteoblastos periosteais, estimulado por mecanismos endócrinos7,9;
" Fatores hereditários5.
Apresenta-se clinicamente como uma tumoração de crescimento lento, permanecendo estável por anos. Pode produzir deformidade externa e empurrar o pavilhão auricular para frente6. Embora seja normalmente assintomática, pode produzir dor por invasão de estruturas adjacentes bem como por alargamento do periósteo; sendo a dor neste caso relacionada ao comprometimento da lâmina interna do córtex2,5. Quando localizados no canal auditivo externo podem causar a oclusão deste, evoluindo com otite externa crônica (30% dos casos) e disacusia condutiva2,4,7. Como complicações têm-se as recorrências, o comprometimento do nervo facial, lesão do seio sigmóide e a disacusia sensório-neural, por compressão nervosa no canal auditivo interno2,3,5,8.
Seu aspecto radiológico característico permite o diagnóstico: lesão bem delimitada situada na mastóide, geralmente única, regular, com densidade óssea, já que se constitui de osso denso compacto do tipo cortical10. Microscopicamente apresenta uma capa de osso cortical, subjacente a uma área de tecido conectivo. Abaixo do osso cortical aparecem trabéculas de osso esponjoso, variando em sua vascularização e quantidade de tecido fibroso presente7.
Três tipos de osteomas de mastóide têm sido descritos, baseados em suas características estruturais 2,6,9,10:
" Compacto: o mais freqüente. Composto por um osso denso, compacto e lamelado, cortado por poucos vasos e com canais de Havers;
" Cartilaginoso: composto por elementos ósseos e cartilagíneos;
" Esponjoso: tipo raro. Composto por osso esponjoso e tecido celular fibroso, com tendência a expandir-se para a díploe e comprometer a lâmina interna e externa do osso afetado;
" Misto: mistura dos tipos esponjoso e compacto1.
Os achados clínicos e radiológicos são suficientemente sugestivos de osteoma, entretanto, deve-se ter em mente como diagnóstico diferencial outras lesões isoladas do osso temporal, tais como: granuloma eosinofílico, com imagens radiológicas específicas; displasia fibrosa monostótica, com características histológicas precisas; tumor de células gigantes; mieloma múltiplo solitário; osteossarcoma e osteoma osteóide, diferenciando-se pela dor que causa, presença de substâncias químicas ativas e estruturas histológicas características1-3,7. As exostoses, hiperostoses e endostoses são diferenciadas do osteoma por serem hipertrofias parciais, circunscritas à superfície óssea, e muitas vezes concomitante a processos infecciosos tóxicos e irritativos, com diferenciação histológica baseada na ausência ou presença de canais fibrovasculares3,7.
O tratamento cirúrgico está indicado nas lesões sintomáticas e nas deformidades estéticas9,10.
APRESENTAÇÃO DO CASOPaciente do sexo feminino, 55 anos, atendida no ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital Servidor Público Municipal, em abril de 2002, com queixa de "caroço" atrás da orelha direita há 49 anos. Referiu que o início do crescimento ocorreu aos 2 anos de idade, estabilizando-se aos 14 anos, sem dor ou qualquer outra queixa otológica. Nos antecedentes pessoais, negou trauma ou processo infeccioso da região em questão. Ao exame físico observou-se um tumor de aproximadamente 2,5 centímetros, em região retroauricular direita, de consistência óssea, superfície lisa, arredondada, não móvel, sem sinais flogísticos (Figura 1). Na otoscopia, canal auditivo externo sem alterações e membrana timpânica normal.
O estudo audiométrico revelou perda auditiva sensório-neural leve bilateral e simétrica. A avaliação radiológica, feita por tomografia computadorizada de ossos temporais evidenciou formação hiperatenuante junto ao córtex da mastóide direita, de aproximadamente 2,5 centímetros, esférica, com áreas de clivagem entre o tumor e a córtex externa da mastóide (Figuras 2, 3).
A paciente não quis ser submetida a procedimento cirúrgico para exérese da lesão, por não apresentar sintomas clínicos e não se incomodar com a aparência estética da lesão.
DISCUSSÃOO caso clínico apresentado acima foi diagnosticado como osteoma de mastóide, devido a suas alterações clínicas e radiológicas.
Na literatura, a primeira publicação do osteoma localizado na mastóide foi feita em 1887, por Adam Politzer, em seu Tratado de Otologia7; desde então se têm publicado casos isolados deste tumor benigno.
No presente caso, um dado que nos chamou a atenção foi a idade de início do crescimento da lesão (2 anos), divergindo da literatura que a cita como mais freqüente entre a segunda e terceira década de vida. No entanto, a ausência de sintomas como dor corrobora com a mesma, que cita o osteoma de mastóide em sua maioria como assintomáticos; assim como a freqüente estabilização da lesão, que no nosso caso já ocorreu há 41 anos.
A perda auditiva sensório-neural observada no caso é justificada por uma provável presbiacusia, mas sem relação com a lesão em questão.
O osteoma de mastóide relatado no caso acima é provavelmente do tipo compacto, por apresentar características deste, tais como: esférico, fixo ao córtex da mastóide, mas podendo penetrar dentro das células mastóideas. Esta conclusão ficou prejudicada, pela não realização do procedimento cirúrgico e avaliação anatomopatológica.
A cirurgia não foi realizada por opção da paciente, que continua em acompanhamento clínico. Como já mencionado acima, ela não é obrigatória, mas quando realizada deve-se realizar a cuidadosa remoção da cobertura periostal, e obtenção de uma margem segura da cortical da mastóide ao redor4. Se o tumor está próximo de estruturas importantes como o labirinto ósseo e o canal do nervo facial, uma excisão subtotal garante a preservação da função, sendo necessário segmento pós-cirúrgico. Deve-se ter muita cautela na intervenção dos tumores próximos ao seio sigmóide, pois podem evoluir com sangramento importante, meningite, tromboflebite e complicações oftalmológicas2,4.
Figura 1. Visualização da tumoração retroauricular à direita.
Figura 2. Tomografia computadorizada de ossos temporais mostrando lesão hipertenuante junto ao córtex da mastóide direita.
Figura 3. Tomografia computadorizada de ossos temporais mostrando lesão hiperatenuante à direita, sem comprometimento do canal auditivo interno.
COMENTÁRIOS FINAISA anamnese e a propedêutica são extremamente importantes no diagnóstico do osteoma de mastóide, que pode passar desapercebido por ser na maioria das vezes assintomático. O acompanhamento seqüencial do paciente auxiliará na orientação da conduta do tratamento.
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10. Guérin N, Chauveau E, Julien M, Dumont JM, Merignargues G. Ostéome de la mastoïde: à propôs de deux cas 1996; 117(2): 127-32.
Mestranda em Otorrinolaringologia pela Santa Casa de São Paulo. Médica assistente do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital Servidor Público Municipal.
Médica assistente do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital Servidor Público Municipal.
Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Servidor Público Municipal.
Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Servidor Público Municipal.
Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital Servidor Público Municipal. São Paulo.
Endereço para correspondência: Patrícia M.S. Takenaka - Rua Bartolomeu de Gusmão 412 apto 12 Vila Mariana São Paulo 04111-021.
Tel (0xx11) 5573-4867 - E-mail: ptakenaka@uol.com.br
Trabalho apresentado no 36º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia realizado em Florianópolis, no período de 19 a 23 de novembro de 2002.
Artigo recebido em 10 de outubro de 2003. Artigo aceito em 25 de 15 de julho de 2004.