INTRODUÇÃOA displasia fibrosa é uma desordem incomum de etiologia desconhecida. Representa um distúrbio do desenvolvimento normal do osso, especialmente, um defeito na diferenciação e maturação osteoblástica1. As anormalidades ósseas representam o ponto notável da doença, entretanto, endocrinopatias, pigmentação anormal da pele e membrana mucosa podem estar presentes2. Existem duas categorias primárias da doença: displasia fibrosa monostótica, que envolve apenas um osso e representa 70% dos casos; e displasia fibrosa poliostótica, que apresenta envolvimento de múltiplos ossos. Aproximadamente 3% dos pacientes enquadram-se na Síndrome de McCune-Albright, em que o envolvimento ósseo é acompanhado de lesões de pele e endocrinopatias1. Embora o esqueleto craniofacial seja sede freqüente da doença, o acometimento do osso temporal é raro3. Tende a desenvolver-se no fim da infância, com predomínio no sexo masculino (2:1) e maior predileção para a raça branca1,4.
Existe particular interesse para o otorrinolaringologista pelo fato de a displasia fibrosa poder envolver ossos craniofaciais, causando deformidades e disfunções, como perda auditiva, inchaço retroauricular e complicações (colesteatoma e lesão do nervo facial)1,5. Apresentamos um caso de displasia fibrosa monostótica de osso temporal e uma revisão da patologia e seu acometimento nesta região.
RELATO DO CASOPaciente do sexo masculino, 17 anos, leucoderma, procurou nosso serviço de otorrinolaringologia com quadro clínico de hipoacusia unilateral em ouvido esquerdo há 3 anos e um episódio de otorréia. Negava otalgia, otorragia, zumbido e vertigem. Negava doenças associadas e antecedentes familiares. Ao exame otoscópico observou-se estreitamento do conduto auditivo externo esquerdo, não sendo visualizada membrana timpânica. A otoscopia do ouvido direito estava normal.
A audiometria tonal revelou perda auditiva condutiva unilateral de moderada intensidade no ouvido esquerdo. Resultado audiométrico normal no ouvido direito (Figura 1). A tomografia computadorizada de ossos temporais demonstrou crescimento ósseo com esclerose do osso temporal e estreitamento do conduto auditivo externo a esquerda, sendo compatível com quadro de displasia fibrosa do osso temporal à esquerda e osso temporal direito normal (Figuras 2 e 3). O paciente foi submetido a mastoidectomia, foram colhidos fragmentos da lesão e o exame histopatológico revelou quadro compatível com displasia fibrosa óssea.
O paciente apresentou, após a cirurgia, reversibilidade dos sintomas com significante melhora clínica. O exame audiométrico pós-cirúrgico demonstrou normalidade para as freqüências de 250 a 4000Hz e perda auditiva leve a esquerda nas freqüências de 6 e 8KHz (Figura 4). Paciente em seguimento há 3 anos, sem sinais de anormalidades clínicas e audiológicas.
DISCUSSÃODurante as últimas 4 décadas a displasia fibrosa tem se tornado uma alteração esquelética2, caracterizada por uma lenta e progressiva substituição óssea por tecido fibroso proliferativo isomórfico anormal, interposto com arranjo trabecular ósseo imaturo ou normal1,3. A causa da displasia fibrosa é desconhecida, embora várias etiologias estejam sendo sugeridas. A doença tende a desenvolver-se na pré-adolescência e tem predomínio no sexo masculino (2:1). Apresenta progressão lenta e a atividade da forma monostótica freqüentemente cessa durante o fim da puberdade1,4.
A incidência do envolvimento craniofacial é de 10 a 25% na forma monostótica da doença. Nesta região, as áreas mais afetadas são a mandíbula e a maxila, sendo o osso temporal afetado em apenas 18% dos casos5,6. Freqüentemente apenas um osso temporal é afetado, mas na forma poliostótica da doença ambos os ossos temporais podem estar envolvidos2.
A manifestação clínica mais comum do envolvimento do osso temporal é o estreitamento do conduto auditivo externo resultando em perda condutiva progressiva. Outros sintomas incluem inchaço retroauricular, otorréia, otalgia e zumbido. A perda auditiva neurossensorial pode ocorrer quando há envolvimento da cápsula ótica3,4. O colesteatoma (usualmente localizado no conduto auditivo externo) ocorre em torno de 40%, sendo a complicação mais freqüente da doença. O envolvimento do nervo facial é visto em 10% dos pacientes1,4.
Os achados radiológicos refletem a morfologia da doença e variam conforme a quantidade de calcificação e fibrose. A tomografia computadorizada de alta resolução proporciona maiores detalhes da extensão da displasia fibrosa do osso temporal comparado à radiografia convencional, sendo considerada o melhor meio radiológico para o estudo de mudanças no osso temporal. A tomografia é muito útil para avaliar estenose de conduto auditivo externo, o envolvimento de estruturas do ouvido médio, presença associada de colesteatoma e extensão para o nervo facial1,3,6.
As anormalidades bioquímicas podem ser notadas, porém são inconstantes. Cálcio sérico, fósforo, fosfatase alcalina podem estar normais ou levemente alteradas4. A transformação maligna não tem sido reportada para a displasia fibrosa do osso temporal, mas já ocorreu em outros sítios da doença. Em 2/3 desses casos de malignização, a transformação é para osteossarcoma, sendo a média de tempo para a transformação de 13,5 anos3.
Figura 1. Audiograma mostrando perda auditiva condutiva no ouvido esquerdo.
Figura 2. CT coronal mostrando a extensão da lesão em osso temporal esquerdo.
Figura 3. CT axial com estreitamento do conduto auditivo externo esquerdo.
Figura 4. Audiograma pós-operatório com melhora da perda auditiva.
Os mais importantes diagnósticos diferenciais da displasia fibrosa de osso temporal incluem: doença de Paget, hiperparatireoidismo, reação local ao meningioma, osteoma, granuloma eosinofílico, osteocondromas e neoplasias sarcomatosas7,8.
Nem sempre é possível fazer o diagnóstico de displasia fibrosa monostótica temporal com a clínica e radiologia isoladas. A confirmação diagnóstica pode exigir o exame histológico do osso4.
Atualmente, não há tratamento conservador para o controle da displasia fibrosa. A simples presença da lesão não justifica intervenção cirúrgica8. Quando acompanhada de sintomas clínicos significantes a cirurgia é recomendada. As indicações de cirurgia para displasia fibrosa de osso temporal incluem invasão óssea do canal auditivo externo (suficiente para produzir perda auditiva condutiva), infecções recorrentes e colesteatoma secundário no canal auditivo externo. Os procedimentos cirúrgicos visam 3 objetivos: a restauração da função, a prevenção de complicações e restituição da estética. A radioterapia deve ser evitada devido à alta incidência de transformação maligna (44%)1.
O prognóstico é bom na maioria dos casos, dependendo da severidade da doença. A avaliação clínica associada ao uso da tomografia periódica pode ser útil no acompanhamento do paciente para avaliar progressão da doença e necessidade de outras intervenções cirúrgicas5.
COMENTÁRIOS FINAISA displasia fibrosa é uma patologia benigna incomum de etiologia desconhecida. O interesse da otorrinolaringologia está no fato da doença poder afetar ossos da face e do crânio, causando deformidades e disfunções. O acometimento da displasia fibrosa no osso temporal é raro, entretanto este diagnóstico deve sempre ser lembrado em pacientes com hipoacusia e estenose de conduto auditivo externo. Além disto, o paciente deve sempre ser informado da possibilidade de recorrência da patologia, necessitando, portanto, de um acompanhamento periódico.
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Médicos residentes em otorrinolaringologia do HRAC-USP-Bauru.
Médico e preceptor da residência em otorrinolaringologia do HRAC-USP-Bauru.
Médicos otorrinolaringologistas.
Instituição: Hospital de Reabilitação de Anomalias Crânio Faciais - USP - Bauru
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Trabalho apresentado no 36º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia realizado em Florianópolis SC, em Novembro de 2002.
Artigo recebido em 06 de junho de 2003. Artigo aceito em 25 de setembro de 2003.