ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
3148 - Vol. 70 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 2004
Seção: Relato de Caso Páginas: 824 a 828
Condrossarcoma laríngeo: relato de caso e revisão de literatura
Autor(es):
Giordania Gomes Campos , Luzia Abhrão El Hadj , Marcelo Lodi de Araújo², Paulo Pires de Mello², Luiz Fernando Pires de Mello

Palavras-chave: Palavras-chave: condrossarcoma, condroma, laringe, tumores cartilaginosos.

Keywords: Key words: chondrosarcoma, condroma, larynx, cartilaginous tumors.

Resumo: Resumo Os tumores cartilaginosos da laringe são extremamente raros e correspondem a aproximadamente 1% dos tumores que acometem este órgão. Menos que 0,1% destes tumores correspondem aos condrossarcomas. Os condromas e os condrossarcomas de baixo grau são os mais freqüentemente encontrados e 70-75% destes tumores localizam-se na face laríngea da lâmina posterior da cartilagem cricóidea. O diagnóstico do condrossarcoma da laringe pode ser esquecido devido a sua baixa ocorrência e sua forma indolente de crescimento. A apresentação clínica é variada e diretamente dependente do tamanho e localização do tumor: estridor, cornagem, dispnéia, disfagia ou massa cervical são os sinais mais freqüentes. O objetivo deste estudo é apresentar um caso incomum de condrossarcoma laríngeo de origem na cartilagem tireóidea, discutindo o quadro clínico, o diagnóstico, tratamento e os fatores prognósticos.

Abstract: Summary Cartilaginous tumors of the larynx are extremely rare neoplasma that account for approximately one per cent of all tumors of this organ. Less than 0,1% correspond to chondrosarcomas. Chondroma and "low-grade" chondrosarcoma are the most common, 70-75% of these tumors arise on the endolaryngeal surface of the posterior lamina of the cricoide cartilage. The diagnosis of laryngeal chondrosarcoma is likely to be missed because of its infrequent occurrence and its indolent pattern of growth. The clinical presentation is varied and directly dependent on the size and location of the tumor: stridor, hoarseness, dyspnea or a neck mass are common present signs. The objective of this study is to show an unusual case of laryngeal chondrosarcoma originating from thiroyd cartilage, discussing its clinical presentation, diagnoses, treatment and prognoses.

INTRODUÇÃO

Os tumores cartilaginosos da laringe, embora raros, podem ocasionalmente ser encontrados na prática diária do Otorrinolaringologista, necessitando de uma maior atenção pelo examinador na suspeita clínica.

O condrossarcoma é uma neoplasia maligna de crescimento lento proveniente da proliferação de cartilagem hialina. Apresenta localização pouco freqüente na região da cabeça e pescoço, sendo mais comum em pelve, fêmur, costelas, úmero, escápula, fíbula, sacro e esterno. Há evidências de que apenas 10 a 12% dos condrossarcomas estejam situados na região de cabeça e pescoço. Na laringe, a localização mais comum ocorre na cartilagem cricóidea em sua porção póstero-lateral. É excepcionalmente descrito na borda inferior da face laríngea da cartilagem tireóidea ou nas cartilagens aritenóideas.

Pode ser encontrado em qualquer idade, mas a descoberta geralmente é feita na idade adulta com predominância do sexo masculino 3:1.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

MFS, 48 anos, masculino, aposentado, natural da Paraíba e residente na cidade do Rio de Janeiro há vários anos, procurou o ambulatório da Clínica de Broncoesofagologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Geral de Bonsucesso-RJ, apresentando massa cervical à direita, de crescimento progressivo e lento há 4 anos, evoluindo com disfonia há 3 anos.

O exame otorrinolaringológico evidenciou formação tumoral no pescoço à direita, fixa à laringe e medindo aproximadamente 6 cm, de consistência pétrea e indolor à palpação (Figura 1). À laringoscopia observou-se abaulamento do espaço paraglótico direito que impedia a visualização da glote. Foi solicitado TC cervical que mostrou imagem sugestiva de condrossarcoma da cartilagem tireóidea (Figura 2), sendo indicada a exérese cirúrgica.

A cirurgia foi executada sob anestesia geral, sendo o paciente inicialmente submetido a traqueotomia. A abordagem cirúrgica foi realizada por incisão cervical anterior arciforme bimastoídea, em profundidade até o músculo platisma, cujo retalho foi descolado. Exposição da musculatura pré-laríngea, afastamento da mesma ao nível da linha média e verificação de lesão globosa, de consistência pétrea, branca, medindo aproximadamente 6 cm, que ocupava a asa direita da cartilagem tireóidea (Figuras 3 e 4). Descolamento do pericôndrio interno da hemilaringe afetada; excisão de toda a lâmina tireóidea contendo o tumor com secção do ligamento tíreo-hióideo junto da lesão (Figuras 5 e 6); fixação da hemilaringe direita com a musculatura pré-laríngea; colocação de dreno, fechamento por planos, sutura da pele e curativo externo compressivo.

O exame de congelação ficou prejudicado por se tratar de tumoração cartilaginosa calcificada (Figura 7). Resultado anatomopatológico à macroscopia: formação nodular bosselada, bem delimitada, aparentemente encapsulada, firme-elástica, pesando 70gr e medindo 6,5x5,5x5,4 cm, englobando o grande corno da cartilagem tireóidea, que mede 1,7 cm de comprimento. Aos cortes a lesão é branca, brilhante, com numerosas áreas calcificadas de permeio. Microscopia: condrossarcoma de baixo grau (Grau I) e limites cirúrgicos representados pela própria lesão.

O pós-operatório transcorreu sem intercorrências e no 8° dia o paciente recebeu alta com qualidade vocal razoável, a traqueotomia ocluída, boa alimentação oral e a via aérea satisfatória.

Atualmente encontra-se em acompanhamento ambulatorial sem evidências de recidiva da lesão.

DISCUSSÃO

Os condrossarcomas laríngeos são tumores raros e há apenas aproximadamente 250-300 casos descritos na literatura mundial1. Seu surgimento pode ser favorecido por traumatismos da laringe.2

O quadro clínico é variado, podendo ser assintomático nas pequenas lesões ou se apresentar por dispnéia progressiva, estridor, disfagia, disfonia e raramente ocasionando dor. Casos de paralisia "idiopática" das pregas vocais têm sido descritos na literatura como conseqüência de condrossarcomas da laringe2,3. O surgimento de condrossarcoma em dois pacientes após radioterapia para tratamento primário de carcinoma epidermóide das pregas vocais está reportado, podendo ocorrer até 16 anos após a exposição3,4.

Na laringe os condrossarcomas têm algumas características típicas: crescimento lento, metástases raras e baixa tendência a recorrência5 porém, podendo ocorrer em longo prazo, sendo geralmente controlável.

A palpação cervical pode revelar uma massa dura, fixando a cartilagem cricóidea que se mobiliza a deglutição.

O exame endoscópico deve ser cuidadoso por ser tratar de lesão geralmente da região subglótica, podendo-se observar uma massa submucosa regular, posterior, raramente maior que 2-3cm muito dura o que pode dificultar a biópsia.

A radiografia cervical em perfil mostra a laringe projetada anteriormente. A tomografia computadorizada (TC) demonstra uma massa tipicamente hipodensa, bem circunscrita com calcificações aglomeradas de permeio6, além de demonstrar a extensão do tumor dentro do esqueleto laríngeo. A Ressonância Nuclear Magnética (RNM) pode demonstrar a lesão dentro da laringe com uma superior vantagem de resolução do contraste do tumor e os tecidos paralaríngeos7.

O exame histopatológico revela uma massa lobulada de estrutura homogênea constituída de lóbulos de cartilagem hialina. É característico do condrossarcoma a presença de células cartilaginosas gigantes com pleomorfismo nuclear e hipercromatismo, compostos por múltiplos nódulos que se interconectam com tamanhos variados. O espaço intercelular pode ser de origem condróide ou mixomatosa. A presença de mitoses não é necessária para o diagnóstico, calcificações e ossificações representam erosões ósseas e não a produção osteóide por células malignas.

Figura 1. massa cervical pré-operatório.


Figura 2. TC pré-operatória: áreas de calcificações de permeio ao nível da cartilagem. tireóidea a direita com deslocamento lateral da laringe.


Figuras 3 e 4. Intra-operatório.



Figura 5. Remoção da lesão junto à cartilagem tireóidea.


Figura 6. Peça cirúrgica.


Geralmente os condrossarcomas causam destruição local por efeito de massa antes de invadir tecidos vizinhos.

O diagnóstico diferencial é feito com fibroma condromixóide, osteossarcoma, fibrossarcoma, condroma e cordomas.

Os condrossarcomas estão divididos em 3 graduações histológicas (I, II, III) de acordo com o grau de diferenciação celular. Esses graus de diferenciação celular são classificados de acordo com a taxa de mitose, celularidade e tamanho nuclear.

Os condrossarcomas de baixo grau (I), que pode muitas vezes se assemelhar a neoplasias benignas8, é caracterizado por núcleos pequenos e densos, espaço intercelular predominantemente condróide, calcificações freqüentes e atividade mitótica ausente. No grau II, temos núcleos com proporções maiores e tamanho moderado, com pequena taxa de mitose e o espaço intercelular é comumente mixóide. No grau III, são encontradas 2 ou mais mitoses em 10 campos.

Felizmente a maioria dos condrossarcomas são indolentes e geralmente encontrados os graus 1 e 2. Em uma análise de 5 anos para pacientes portadores de condrossarcomas de grau 1, 2 e 3; a sobrevida foi de 90%, 81% e 43% respectivamente. Nenhuma metástase foi encontrada nos tumores de grau 1, entretanto 70% dos tumores de grau 3 já eram metastáticos. Outro fator prognóstico está relacionado ao tamanho tumoral, sendo aqueles maiores de 10cm significativamente mais agressivos que os tumores menores. Quando ocorrem metástases os locais mais acometidos são os pulmões e esqueleto. Ainda contribuem para o prognóstico o grau de ressecabilidade do tumor.

Os condrossarcomas laríngeos são menos agressivos que aqueles localizados em outras regiões do organismo: metástases cervicais ou a distância são raras (8,5%), recorrências locais não são incomuns, porém não agressivas e geralmente tardias, sendo recomendado acompanhamento clínico por no mínimo 10 anos.

O tratamento é preferencialmente a exérese cirúrgica com preservação da estrutura e função laríngea8-10. A laringectomia total está indicada no caso de alto grau de malignidade ou quando a exérese total da lesão não for factível ou nas lesões recorrentes5,11.

Os condrossarcomas são pouco radiossensíveis e a radioterapia está reservada aos casos de recidiva, às formas extensas, para graus elevados ou lesões irressecáveis12.

A quimioterapia é uma conduta paliativa para tumores agressivos com invasão local.

COMENTÁRIOS FINAIS

Os condrossarcomas laríngeos são uma entidade rara e seu diagnóstico torna-se um desafio para o Otorrinolaringologista. A hipótese de sua ocorrência deve ser sempre lembrada quando houver sintomas com acometimento laríngeo, massas cervicais e paralisias "idiopáticas" das cordas vocais.

É importante o diagnóstico precoce dessa neoplasia para possibilitar o tratamento tentando a preservação das estruturas e as funções da laringe.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. De Stefani A, Fadda Gl, Cavalot A, Nazionale G, Mola P. Chondrosarcoma of the larynx: Case report and review of the literature. Tumori 2000 Jan-Feb; (1):79-81.
2. Leonetti ED, Collins SL, Jablokow V, Lewy R. Laryngeal chondrosarcoma as a lat-appearing cause of "idopathic" vocal cord paralysis. Otolaryngol Head Neck Sugery 1987 Oct; 97(4):391-5.
3. Glaubiger DL, Casler JD, Garret WC, You HS, Lillis-Hearne PK. Chondrosarcoma of the larynx after radiation treatment for vocal cord cancer. Cancer 1991 Oct 15; 68(8):1828-31.
4. Campos ED, Conde PN, Dana JJC, Alvarez MF, Castelle JMT. Advanced stage laryngeal chondrosarcoma. Ann Otorrinolaryngol Ibero Am 2002; 29(5):473-81.
5. Wang SJ, Borges A, Lufkin RB, Se Carz JA, Wang MB. Chondroid tumors of larynx: computed tomography finding. Am J Otolaryngol 1999 Nov Dec; 20(6):379-82
6. Mishell JH, Shild JA, Mafee MF. Chondrosarcoma of the larynx: Diagnosis with magnetic resonance imaging and computed tomography. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1990 Nov; 116(5):1935-39.
7. Nicolai P, Ferlito A, Sasaki CT; Kirchmmer JA; Laryngeal chondrosarcoma: incidence, pathology, biological behavior and treatment. Ann Otol Rhinol Lariyngol 1990 Jul; 99(Pt 1):515-23.
8. Hicks JN, Walker EE, Moor EE. Diagnosis and conservative surgical management of chondrosarcoma of larynx. Ann Otol Rhinol Laryngol 1982 Jul-Aug;91(4 Pt 1)389-91.
9. Lemarchand V, Bequignon A, Chanel S, Moreaus S, Valdazo A. Chondrosarcomas and low-grade chondrosarcomas of the larynx: a case report. Ann Otolaryngol Chir Cervicofac 2002 Sep; 119(4):252-6.
10. Cantrell RW, Reibel JF, Jahrsdoerfer RA, Johns ME. Conservative surgical treatment of chondrosarcoma of the larynx. Ann Otol Rhinol Laryngol 1980;(6 Pt 1):567-71.
11. Kambic V, Zargi M, Gale N. Laryngeal Chondrosarcoma: is conservative surgey adequate treatment? J Laryngol Otol 1989 Oct; 103(10):970-2.
12. Dailiana T, Nomikos P, Kapranos N, Thanos L, Papathanasiou M, Alexoupoulou E, Papaioannou G, Kelekis D A. Chondrosarcoma of the larynx: treatment whith radiotherapy. Skeletal Radiol 2002 Sep; 31(9):547-9.
13. Saleh HM, Guichard C, Russier M, Kemeny JL, Gilain L. Laryngeal chondrosarcoma: a report of five cases. Eur Arch Otorhinolaryngol 2002 Apr; 259(4):211-6.

Residente do Serviço de Broncoesofagologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço (CCP) do Hospital Geral de Bonsucesso (HGB) - Rio de Janeiro - RJ

Staffs do Serviço de Broncoesofagologia e CCP do HBG.

Chefe do Serviço de Broncoesofagologia e CCP do HGB

Trabalho realizado no Serviço de Broncoesofagologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Geral de Bonsucesso Rio de Janeiro RJ.

Endereço para Correspondência: Drª Giordania Gomes Campos - Rua José Higino, 30 Tijuca Rio de Janeiro RJ 20520-200

Tel (0xx21) 9241-2246 - E-mail: giordaniagc@ig.com.br

Artigo recebido em 08 de julho de 2003. Artigo aceito em 16 de outubro de 2003.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia