INTRODUÇÃOOs testes de reconhecimento de palavras são de grande importância no diagnóstico audiológico. A bateria audiológica é considerada incompleta sem as medidas de reconhecimento de fala.
A habilidade para entender a fala é um dos aspectos mensuráveis mais importantes da função auditiva humana. A logoaudiometria é um meio de avaliar a compreensão da fala em condições adequadamente controladas1.
Os testes utilizados para medir o desempenho auditivo dos indivíduos em tarefas de reconhecimento de fala utilizam estímulos isolados, sendo as palavras monossílabas e dissílabas as mais utilizadas2.
Na língua portuguesa, o teste de reconhecimento de fala tradicionalmente tem sido realizado com monossílabos. Entretanto, a elaboração destas listas não foi feita com base no balanceamento fonético, já que a língua portuguesa não é uma língua fonética. Existem basicamente duas listas, que têm sido mais utilizadas na aplicação do teste de reconhecimento de fala3,4. Mais recentemente, outros autores também têm sugerido novas listas para aplicação do teste5-7.
O reconhecimento de fala é acompanhado da combinação das pistas acústicas, lingüísticas, semânticas e circunstanciais8. Entretanto, quando se ouve, em condições favoráveis, algumas dessas pistas, que estão presentes em excesso, podem ser desprezadas. Para que haja a efetividade da transmissão da mensagem, existe uma redundância de pistas acústicas das quais o ouvinte se vale de acordo com a situação e o contexto da comunicação. É o que ocorre, por exemplo, nas situações de conversação em ambientes ruidosos.
É comum, na prática do audiologista clínico, encontrar-se sujeitos com o mesmo grau e configuração de perda auditiva neurossensorial, que apresentam habilidades substancialmente diferentes quanto à percepção de fala. Existe uma relação relativamente pobre entre limiares auditivos tonais e inteligibilidade de fala para indivíduos portadores da perda auditiva neurossensorial. Provavelmente, outros fatores, além da sensibilidade auditiva, interferem na percepção de fala9.
Assim, é extremamente importante estudar o desempenho de ouvintes em condições de escuta menos favoráveis e verificar quais processos podem interferir na percepção de fala desses sujeitos.
A maior parte dos sujeitos com perda auditiva em freqüências altas (acima de 3.000 Hz) pode referir pouca ou nenhuma dificuldade em compreender a fala em ambiente silencioso, já que nessas situações existe uma série de pistas excedentes que os mesmos podem utilizar para compreender a fala. Entretanto, em ambiente ruidoso ou em condições adversas, como, por exemplo, quando a fala é distorcida, o sujeito pode apresentar inúmeras dificuldades na inteligibilidade de fala, pois o número de pistas cai significativamente, levando-o a utilizar somente as pistas disponíveis na situação.
Isto justifica a preocupação em não apenas medir a capacidade de reconhecimento de fala em situação de isolamento acústico, em que os estímulos concorrentes estão sob controle, mas também em situações mais próximas da vida real, em que eles estão presentes10.
Dois tipos de ruído são recomendados na avaliação de percepção de fala: o ruído de fala competitiva e o ruído ambiental, sendo que o ruído de fala competitiva exerce um efeito mais significativo na percepção de fala quando comparado aos ruídos ambientais em geral11.
Muitos testes já foram desenvolvidos com esta preocupação, dentre eles se destacam o teste SPIN12 (percepção de fala no ruído), limiares de recepção de fala para sentenças no ruído13, teste de Hagerman14 (listas de sentenças no ruído) e Dantale II15 (listas de sentenças no ruído adaptadas para a língua dinamarquesa). Nestes testes, o ruído mais utilizado é o "babble" (ruído de murmúrio de fala).
No Brasil, foi proposta a padronização do teste de reconhecimento de fala com ruído branco10,16. Outros autores recomendaram a utilização de ruído competitivo do tipo "cafeteria"17, ruído competidor com espectro de fala e modulações de amplitude18 e por fim o ruído "cocktail party"19-21. Este último se constitui de espectro de fala associado a ruídos referentes à uma situação de festa.
O ruído de fala interfere mais do que o ruído contínuo. Essa interferência maior se deve ao fato de que o murmúrio de fala contém falsas pistas de fala e porque ele aumenta a exigência de atenção e de esforço de busca na memória, envolvidos no processo de entendimento ou percepção de fala10.
Um estudo comparou o Índice de Reconhecimento de Fala (IRF) obtido com dois tipos de ruídos: branco e "cocktail party" em sujeitos jovens com audição normal, e encontrou que este último era mais perturbador para a inteligibilidade de fala na mesma relação sinal/ruído. Esses achados foram confirmados por duas formas de investigação: IRF e julgamentos de inteligibilidade de fala19.
O reconhecimento de fala em condições de baixa redundância, como ocorre no reconhecimento de fala com ruído, vem sendo amplamente investigado em diferentes populações de jovens e idosos, com ou sem perda auditiva.
Os ouvintes idosos, com ou sem perda auditiva, parecem exibir considerável dificuldade em compreender a fala, quando ela é distorcida acusticamente22,23. Um grande número de estudos tem suportado a noção de que as dificuldades no reconhecimento de fala de idosos são devido à perda de sensitividade auditiva associada à idade24. Outros estudos apontam que idosos têm pior desempenho que jovens na fala apresentada no ruído25; na fala distorcida por reverberação22; e na fala comprimida23, mesmo que esses grupos sejam semelhantes quanto à sensitividade auditiva. Esses achados sugerem que outros fatores, além da mudança de limiar, contribuem para a diminuição do reconhecimento de fala em idosos.
Quando o ruído ou outra distorção é somado à situação de escuta, piores performances são observadas para idosos, quando comparadas a jovens. O reconhecimento de fala no ruído foi pesquisado através do teste SPIN em populações de jovens e idosos com audição normal; jovens, cujos limiares foram mascarados de forma a simular uma perda auditiva; e idosos com perda auditiva e os resultados mostraram pior desempenho dos idosos com audição normal quando comparados tanto aos sujeitos jovens com audição normal, quanto ao grupo de jovens com perda auditiva simulada26. Uma explicação plausível para essa diferença em desempenho é que o ruído "babble", na população de idosos, pode ter um maior efeito de distração do que na população de jovens.
A habilidade de ignorar estímulos não relevantes parece diminuir com o avanço da idade27. Uma explicação geral para a dificuldade de processamento relacionada à idade seria devido ao efeito difuso do envelhecimento que primariamente afetaria o sistema nervoso central, reduzindo a relação sinal ruído funcional, ou seja, o idoso precisaria de maior quantidade de sinal (fala) para decodificar a mensagem em detrimento do ruído (outros sons competitivos). Essa redução seria resultado dos efeitos de diminuição da codificação do sinal e ou do nível geral do ruído28.
O reconhecimento de fala na presença do ruído pode também ser visto como uma tarefa que demanda tanto o uso da memória, como o da atenção seletiva, porque o ouvinte precisa focar atenção na mensagem (palavra-chave) e recordar a informação de fala estocada na memória, enquanto ignora a informação não relevante.
Este estudo investigou o reconhecimento de fala no silêncio e no ruído para dois tipos de ruído: branco com espectro ampliado e ruído "cocktail party" em sujeitos adultos e idosos com perdas auditivas em freqüências altas, com o objetivo de verificar se haveria diferença em desempenho para as situações de reconhecimento de fala no silêncio, e com os dois tipos de ruído, além de comparar o desempenho dos grupos para cada tarefa.
MATERIAL E MÉTODOSujeitos
Participaram do estudo sessenta sujeitos, os quais foram distribuídos em três grupos: grupo de adultos com audição normal (G 1); grupo de adultos com perda auditiva (G 2) e grupo de idosos com perda auditiva (G 3).
Todos os sujeitos que participaram da pesquisa foram informados com relação a seu objetivo e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCRP/USP.
O grupo 1 foi composto por vinte mulheres adultas com audição normal. A idade variou entre 21 e 38, sendo a média de 23,30. O grupo 2 foi composto por vinte adultos, sendo dezoito homens e duas mulheres, cuja idade variou entre 29 e 50 anos de idade, com média de 40,45. Estes sujeitos apresentavam perda de audição neurossensorial em freqüências altas, a partir de 3.000 Hz. E, por fim, o grupo 3 foi formado por vinte idosos, sendo dez homens e dez mulheres, cuja idade variou entre 60 e 77 anos de idade, com média de 66,85. Os sujeitos do grupo 2 e 3 apresentavam configuração audiométrica semelhante (confirmada pela análise de variância- ANOVA). Veja na Tabela 1 os valores médios de limiares/freqüência e limares de recepção de fala para as duas orelhas e na Tabela 2 os resultados da imitanciometria.
Material
Para realização dos exames foi utilizado o audiometro AC 30 (Kamplex) de dois canais, analisador de orelha média Az7 (Interacustics), cabina acústica, Compact Disc player portátil SL-S145 XBS Panasonic e o CD, contendo as listas de palavras editadas com os ruídos.
Estímulos
Foram utilizadas três listas de monossílabos com 25 itens, uma para realização do Índice de Reconhecimento de Fala (IRF) no silêncio3 - (lista 1) e respectivamente outras duas para o IRF com o ruído branco de espectro ampliado e para o IRF com o ruído "cocktail party"4(lista 2 e 3). Cada lista foi editada em duas ordens aleatórias, uma para cada orelha. As listas são apresentadas no Anexo 1.
Confecção do CD
A gravação foi realizada em estúdio profissional. O locutor da fita era do sexo masculino, falante nativo do português padrão e apresentou durante a gravação um ritmo normal de fala. Sua voz apresentava uma freqüência de fala (Fo) medida com o Computer Speech Laboratory, em torno de 125 Hz. A voz foi gravada inicialmente no hard disk do computador, portanto digitalizada para garantir a melhor reprodução possível do material. Foi utilizado um microfone multidirecional, situado a 15 cm do locutor. Antecedente a cada estímulo falado, o locutor dizia o número do estímulo. Esse material, após ser gravado, foi analisado e processado no computador, para que fossem retirados os artefatos e as amostras ficassem com uma faixa dinâmica mais estreita, sem afetar as características da fala. Os ruídos, branco de espectro ampliado e "cocktail party", foram gravados originalmente de um compact disc (CD), diretamente para o "hard disk" do computador, onde também foram armazenados. A partir daí, o material foi editado. O estímulo de fala foi então introduzido num canal e o ruído no outro. A introdução do ruído ocorreu no momento em que o estímulo era pronunciado, interrompendo-se simultaneamente ao término do estímulo. Os dois canais foram monitorados com relação ao controle de picos e faixas dinâmicas, de modo a permitir a utilização simultânea dos dois estímulos (fala e ruído), com controle de intensidade dos canais. Após editado o material, foi gravado em CD.
Tabela 1. Média dos limiares auditivos e seus respectivos desvios padrão, por freqüência, para os três grupos
Nota: média aritmética dos limiares auditivos (MA) e seus desvios padrão (DP) dos Grupos: G1 - grupo de adultos com audição normal; G2 - grupo de adultos com perda auditiva e G3 - grupo de idosos com perda auditiva e limiar de recepção de fala (SRT); orelha direita (OD) e orelha esquerda (OE).
Tabela 2. Dados da Imitanciometria para os três grupos
Anexo 1. Lista de Monossílabos usados para o Índice de Reconhecimento de Fala
Protocolo
Os sujeitos passaram por avaliação otorrinolaringológica, seguida da bateria audiológica composta pela audiometria tonal liminar, via aérea e via óssea, limiar de reconhecimento de fala (SRT) e imitanciometria. A seguir realizaram o índice de reconhecimento de fala no silêncio e no ruído.
Para a realização do IRF, foi utilizado o método de contrabalanceamento nos três grupos, sendo que cada dez sujeitos de cada grupo iniciaram primeiro o IRF com ruído branco de espectro ampliado e a outra metade com o ruído "cocktail party".
O sinal de fala gerado pelo CD foi apresentado a 40 dB acima da média aritmética tonal de 500, 1.000 e 2.000 Hz. Os dois ruídos utilizados, branco de espectro ampliado e "cocktail party", foram também apresentados ipsilateralmente na mesma intensidade do sinal de fala, o que caracterizou uma relação sinal/ruído 0 dB. O teste de reconhecimento de fala sempre foi iniciado no ouvido esquerdo, seguido do ouvido direito.
Análise de Dados
Para análise dos dados, foram computados os números de erros para cada situação de teste: reconhecimento de fala no silêncio, reconhecimento de fala com ruído "cocktail Party" e ruído branco de espectro ampliado. Posteriormente, foram calculados os números médios de erros por grupo.
Foram realizadas análises de variâncias de medidas repetidas (ANOVA) e teste de comparações múltiplas post hoc de Tukey (HSD)29 para comparação de desempenho nos grupos. Os resultados foram considerados diferentes estatisticamente, quando o nível de significância fosse menor que 0,05.
RESULTADOSOs resultados do índice de reconhecimento de fala, em silêncio, foram computados em relação ao número de erros. No Grupo 1, o valor médio do número de erros foi de 0,25, com desvio padrão de 0,44 à esquerda e 0,15, com desvio padrão de 0,37 à direita. No Grupo 2, os valores médios dos erros foram 1,3 à esquerda, com desvio padrão de 1,42 e à direita, 1,0, com desvio padrão de 1,86. No Grupo 3, os valores médios foram de 1,7; com desvio padrão de 1,30 à esquerda e 0,7; com desvio padrão de 0,86 à direita.
O teste de comparações múltiplas post hoc de Tukey (HSD), entre os grupos para condições sem ruído, apenas mostrou diferença estatisticamente significante nas comparações entre orelha esquerda (primeira orelha testada): G1 X G3, p = 0,001 e G1 X G2, p = 0,01. Só não houve diferença na orelha esquerda, para as comparações entre G2 X G3, p > 0,05. Para a orelha direita não houve diferença entre grupos (p >0,05).
O índice de reconhecimento de fala obtido com o ruído branco de espectro ampliado mostrou um grande número de erros em todos os grupos. No Grupo 1, o número médio de erros foi 8 com desvio padrão de 1,84 à esquerda; e 8,4, com desvio padrão de 1,64 à direita. No Grupo 2, os valores médios dos erros foram 9,75 à esquerda, com desvio padrão de 2,24; e 8,6, com desvio padrão de 2,58 à direita. No grupo 3, os valores médios de erros foram 11,05, com desvio padrão de 3,35 à esquerda; e 9,9, com desvio padrão de 3,02 à direita.
O teste de comparações múltiplas post hoc de Tukey, (HSD) entre os grupos, apenas mostrou diferença estatisticamente significante na comparação entre G1 X G3, p = 0,01 na orelha esquerda. Para as demais comparações entre G1 X G2; G2 X G3 na orelha esquerda; e entre todas as comparações na orelha direita não houve diferença (p > 0, 05).
O índice de reconhecimento de fala obtido com ruído "cocktail party", mostrou também um grande número de erros, mas estes foram mais evidentes nos grupos com perda: 2 e 3. No Grupo 1, o número médio de erros foi 8,55, com desvio padrão de 2,63 à esquerda; e 6,55, com desvio padrão de 2,44 à direita. No Grupo 2, os valores médios dos erros foram 11,9 com desvio padrão de 3,75 à esquerda; e 10,85, com desvio padrão de 2,91 à direita. No Grupo 3, os valores médios de erros foram 14,6; com desvio padrão de 3,63 à esquerda; e 12,75, com desvio padrão de 4,10 à direita. Nas Figuras 1 e 2 são mostrados os números médios de erros e seus respectivos desvios padrão para as três tarefas de reconhecimento de fala em ambas as orelhas nos três grupos.
Figura 1. Número de erros da orelha direita para o índice de reconhecimento de fala sem ruído (SR), com ruído branco (RB) e com ruído "cocktail party" (RC) nos três grupos.
Figura 2. Número de erros da orelha esquerda para o índice de reconhecimento de fala sem ruído (SR), com ruído branco (RB) e com ruído "cocktail party" (RC) nos três grupos.
O teste de comparações múltiplas post hoc de Tukey (HSD) entre os grupos para o IRF com o ruído "cocktail party" mostrou diferença estatisticamente significante nas comparações entre grupos para a orelha esquerda: G1 X G3, p = 0,001; G1 X G2, p = 0,007; e G2 X G3, p = 0,037. Para as comparações entre orelha direita, também houve diferença significante entre G1 X G3, p = 0,000; e G1 X G2, p =0,000. Só não houve diferença entre G2 X G3 na OD (p > 0,05).
A análise de variância de medidas repetidas para os dados obtidos com a tarefa de reconhecimento de fala mostrou diferença significante para o fator grupo, F (2,57) = 16,72, p = 0,000. O teste de comparações múltiplas post hoc de Tukey (HSD) mostrou diferença entre G1 X G2, p = 0,01 e G1 X G3, p = 0,05. Porém, não mostrou diferença significativa entre G2 X G3, p > 0,05.
As comparações entre ouvidos mostraram-se significantes: F (1,2) = 31,190, p = 0,000; assim como entre condições de ruído: F (1,2) = 763,341, p = 0,000. As interações entre ruído e grupo foram altamente significantes: F (2,57) = 16,735, p = 0,000; como também entre ouvido e ruído: F (2,57) = 11,519, p = 0,001, indicando dependência dessas variáveis.
DISCUSSÃOOs resultados obtidos com o índice de reconhecimento de fala sem ruído mostram que não há grande diferença no desempenho dos três grupos, já que os limiares auditivos nas freqüências de fala encontram-se preservados. Só foi encontrada diferença estatisticamente significante entre o grupo de idosos e o de audição normal na primeira orelha testada.
O número médio de erros em ambas as orelhas, para todos os grupos, não foi maior que dois, o que corresponde a um índice de reconhecimento de fala superior a 92%, valores considerados dentro da normalidade. Quando se obtém um índice igual ou superior a 92% não se espera nenhum prejuízo de reconhecimento de fala30.
Apesar dos índices serem muito semelhantes, eles podem não corresponder à situação de comunicação experenciada por sujeitos com perda auditiva em freqüências altas já que a fala não ocorre isolada de outros estímulos auditivos.
De fato, é comum, na clínica otorrinolaringológica, muitos pacientes se queixarem de dificuldades em entender a fala. Entretanto, na realização do IRF no silêncio, a maior parte apresenta um número de erros pequenos (2-3), que correspondem a índices de 88% a 100%, valores que mostram nenhuma dificuldade no reconhecimento de fala, e que geralmente são encontrados em sujeitos sem alteração auditiva ou em portadores de problemas condutivos.
Esses achados indicam que o índice de reconhecimento de fala sem ruído não é um bom preditor das dificuldades experienciadas pelos portadores de perda auditiva em freqüências altas. Há uma relação pobre entre limiares auditivos tonais e inteligibilidade de fala em portadores de perda auditiva neurossensorial, pois, outros fatores podem interferir no desempenho dos sujeitos9.
Os resultados do reconhecimento de fala com ruído branco de espectro alargado mostraram número de erros bastante elevados para todos os grupos. Independente da perda auditiva, os grupos se comportaram da mesma maneira, demonstrando que a perda auditiva tem um efeito menor para o IRF com este tipo de ruído. A única situação em que apareceu diferença estatisticamente significante em desempenho foi no grupo de idosos, que apresentou maior número de erros quando comparado ao grupo de adultos sem perda na primeira orelha testada.
Destaca-se dentre estes resultados também o grande número de erros no grupo com audição normal. Estes valores diferiram de outros estudos nos quais foram utilizados o ruído de próprio audiômetro10,16,19. Essa diferença se deu, provavelmente, pelo ruído branco utilizado neste estudo.
O ruído branco é um ruído de banda larga, que contém energia na faixa de 100 a 10.000 Hz, sendo a área mais efetiva até 6000 Hz, decrescendo rapidamente após esta31. Entretanto, o ruído branco utilizado neste trabalho foi reproduzido de uma faixa de um "Compact Disc" e sua análise acústica, realizada posteriormente, mostraram uma energia de banda larga concentrada fortemente até 10.000 Hz, decrescendo rapidamente após esta. De acordo com estes dados, pode-se sugerir que a diferença de desempenho neste estudo comparado a estudos anteriores em sujeitos adultos com audição normal seja em virtude do espectro do ruído ser mais agudo e, portanto, tenha mascarado alguns fonemas como os fricativos e plosivos nos três grupos, fazendo com que a previsibilidade das palavras caíssem, ou seja, a redundância lingüística fosse prejudicada em todos os grupos e interferido mais no reconhecimento de fala.
Se os testes de fala com ruído branco medem a habilidade de fechamento auditivo32, os grupos mostraram semelhantes habilidades de fechamento auditivo nesta tarefa.
Já os resultados do reconhecimento de fala com o ruído "cocktail party" demonstraram diferença significante de desempenho nos três grupos para ambas as orelhas. Entretanto, houve uma diferença maior entre o desempenho do grupo com audição normal quando comparado aos outros dois grupos com perda, evidenciada pela ANOVA.
O número de erros encontrado no grupo com audição normal (8,55) não diferiu do resultado encontrado por Mantelatto (1998)19 em condições semelhantes de teste (9,45).
De fato o índice de reconhecimento de fala na presença de ruído é pior para os portadores de perda auditiva, quando comparados a ouvintes normais12. Sujeitos com perda auditiva neurossensorial têm problemas de reconhecer a fala numa relação sinal/ruído entre - 3 dB e + 6 dB, mesmo quando o nível de fala está bem acima de seus limiares auditivos13.
Observou-se também que, além do número de erros ser maior para o ruído "cocktail party", os desvios-padrão também são altos, indicando que nos três grupos, para algumas pessoas, esse ruído teve um efeito mais prejudicial na percepção de fala.
Os testes que utilizam ruído competitivo de fala, como é o caso do "cocktail party", investigam habilidades de figura fundo auditiva, pois o sujeito tem que separar a informação principal do conteúdo ouvido. Desta forma, os ruídos competitivos de fala têm sido os mais utilizados nas pesquisas de reconhecimento de fala no ruído12,18,19-21.
O ruído "cocktail party", em comparação com o ruído branco de espectro ampliado, parece ter sido mais sensível para os pacientes com perda auditiva, já que a performance desses sujeitos foi pior com esse tipo de ruído. Isso confirma a hipótese de que este tipo de ruído tem um efeito perturbador para a inteligibilidade de fala, contribuindo inclusive para diminuir as redundâncias extrínsecas da mensagem.
Além disso, o reconhecimento de fala obtido com ruído "cocktail party" permitiu não só diferenciar o grupo com audição normal dos grupos com perda, como também evidenciou a diferença de desempenho entre o grupo de adultos e idosos com perda. A análise de variância - ANOVA apontou uma relação de dependência entre o ruído e o grupo, indicando que o desempenho do grupo é afetado pelo ruído, ou seja, o ruído exerce um maior efeito para os grupos com perda auditiva e que o fator idade também interfere.
Outro estudo também comparou o desempenho de jovens e idosos com semelhantes configurações audiométricas no reconhecimento de fala no ruído na relação sinal/ruído zero e encontrou pior desempenho dos idosos33. Esses achados confirmam que a idade influencia no reconhecimento de fala de sinais distorcidos. Quanto maior a distorção, maior o efeito observado da idade.
Estes resultados sustentam a idéia de que o desempenho do idoso é inferior ao de jovens com mesma sensitividade auditiva, indicando que outros fatores estão envolvidos no reconhecimento de fala no ruído, além da sensitividade auditiva do órgão periférico (orelha interna).
O reconhecimento de fala no ruído pode ser também visto como uma tarefa que demanda tanto o uso de memória, como o da atenção seletiva, porque o ouvinte precisa focar a atenção na mensagem e recordar a informação de fala na memória, enquanto ignora a informação não relevante. O processamento auditivo do idoso é afetado não somente pela perda da sensitividade auditiva, mas por processos cognitivos de memória e decisão26,28.
Outro achado importante deste estudo foi a diferença, entre a primeira e a segunda orelhas testadas, encontrada em todos os grupos para as tarefas de reconhecimento de fala. Estes resultados são compatíveis com outros estudos, que também encontraram diferença com relação primeira e segunda orelhas, independente de qual orelha se iniciam o teste. Este resultado confirma o efeito de aprendizagem10,16. Embora os monossílabos tenham sido apresentados em ordens aleatórias, os sujeitos podem ter-se habituado a ouvir a fala na presença de ruído e na segunda apresentação tenham melhorado sua performance. Outra explicação plausível é que a performance dos sujeitos melhora porque os mesmos se habituam a ouvir as palavras no ruído. Provavelmente, outros mecanismos centrais favoreçam a melhora de desempenho dos mesmos, como processos de atenção seletiva, requeridos na tarefa de ruído competitivo.
CONCLUSÃOOs achados deste estudo apontam que o índice de reconhecimento de fala sem ruído embora importante instrumento de avaliação não deve ser o único utilizado na logoaudiometria. Considerando-se que a comunicação ocorre em ambiente social, com outros estímulos competitivos, também deve ser realizado o reconhecimento de fala com ruído a fim de que se possa pesquisar a extensão do problema de comunicação ocasionado pela perda auditiva.
Os índices de reconhecimento de fala obtidos com ruído evidenciaram um decréscimo do número de acertos. Entretanto, os resultados obtidos com ruído branco de espectro ampliado não diferenciaram os grupos.
De acordo com os resultados obtidos neste estudo o ruído competitivo, como é o caso do "cocktail party", foi mais efetivo para mostrar os efeitos da perda auditiva e da idade para a percepção de fala.
O pior desempenho dos idosos com perda auditiva no IRF com ruído "cocktail party", evidenciou a dificuldade dos idosos na tarefa de figura- fundo auditiva, quando comparados a jovens com equivalente perda. Tais resultados também podem estar relacionados com a redução da relação sinal/ruído funcional que ocorre com o idoso.
Embora os resultados obtidos com ruído "cocktail party" neste estudo sejam bastante pertinentes, mais estudos se fazem necessários, inclusive para sua padronização em amplas populações, antes de sua utilização na prática clínica.
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1 Doutora em Ciências pela FFCLRP/USP. Curso de Fonoaudiologia da UNIMEP (Graduação e Mestrado).
2 Livre Docente - FFCLRP/USP - Laboratório de Psicobiologia - FFCLRP/USP.
Endereço para Correspondência: Rua Tiradentes, 537 apto 62 Centro Piracicaba SP 13400-760
Tel (0xx19) 3422-1195/ 3432-1944 - E-mail: sacapora@unimep.br
A pesquisa foi desenvolvida na Clínica de Fonoaudiologia da UNIMEP/ Laboratório de
Percepção do Programa de Pós graduação em Psicobiologia - FFCLRP/USP.
Artigo recebido em 27 de fevereiro de 2004. Artigo aceito em 01 de julho de 2004.