INTRODUÇÃO
Muitos são os sintomas que podem estar associados às queixas de vertigem e a outros tipos de tontura. Dentre eles, os sintomas otoneurológicos (zumbido, hipoacusia, otalgia, cefaléia e náusea, por exemplo) e psicológicos (ansiedade, depressão e medo). Quaisquer alterações clínicas concomitantes devem ser consideradas como possíveis causas da vestibulopatia e, havendo diversas afecções simultâneas, todas devem estar implicadas como possíveis fatores etiológicos1,2,3. Alguns sintomas psicológicos podem ser causa, conseqüência ou coexistirem com as crises de vertigem, sob quatro aspectos: a) um transtorno psíquico (ansiedade, por exemplo) pode provocar uma crise; b) um transtorno psíquico, usualmente a depressão ou o transtorno do pânico, pode ser provocado ou causado por uma crise; c) um transtorno psíquico pode agravar uma crise e d) um transtorno psíquico pode estar representado por uma crise4.
Dentre os fatores psicológicos, a depressão, o medo, o pânico e a ansiedade são apontados pela literatura como os principais sintomas concomitantes à vertigem. Em estudo realizado com 75 pacientes vertiginosos, a depressão e o pânico foram descritos como parte do diagnóstico diferencial, salientando que esses apresentaram também índices mais elevados para transtornos psicológicos, bem como episódios depressivos recorrentes5.
A influência de fatores psicológicos nas disfunções vestibulares tem sido considerada no diagnóstico de pacientes vertiginosos. De 206 pacientes com queixa de vertigem, o grau de ansiedade, depressão e medo, especialmente para o sexo feminino, foi significativamente mais elevado6. A ansiedade foi descrita como sintoma comórbido da vertigem, cuja influência pode tornar o prognóstico menos positivo, com declínio na qualidade de vida de pacientes otoneurológicos7. A associação da ansiedade e da depressão aos distúrbios otoneurológicos foi apontada em um grupo de 91 pacientes com disfunções labirínticas e vestibulares, salientando a importância em detectar quais as implicações psicológicas concomitantes8. A ansiedade e o medo, bem como os distúrbios de memória, são descritos como fatores que podem tanto agravar as crises, quanto retardar a recuperação em pacientes otoneurológicos com queixa de vertigem9.
As crenças subjetivas (psíquicas) aos sintomas otoneurológicos podem contribuir negativamente para a recuperação de pacientes vertiginosos, como salienta o estudo realizado em 101 pacientes com disfunções vestibulares, em que foram identificados três grupos de crença: preocupação com a perda de controle (fator desencadeante de ansiedade e depressão), medo e antecipação de uma crise10. A relação entre estabilidade emocional (ansiedade e medo) e manutenção do equilíbrio corporal foi demonstrada em estudo comparativo entre três grupos: a) com queixa de vertigem/desequilíbrio; b) com relato de episódios vertiginosos, mas sem queixa; c) sem queixas e/ou episódios vertiginosos11. A influência da agorafobia na eficácia da reabilitação vestibular em pacientes vertiginosos apontou para a concomitância e comorbidade de sintomas12.
A otoneuropsicologia considera a vertigem como uma das principais manifestações da angústia, como seu equivalente somático. As manifestações de angústia, bem como de ansiedade, fobia, depressão e medo merecem especial atenção no diagnóstico, terapêutica e prognóstico otoneurológico13. As crises de vertigem são acompanhadas de angústia e as manifestações vertiginosas têm estreita ligação com as neuroses e sua natureza, apontando íntima correlação entre angústia e suas implicações no processo somático14. O limite entre a angústia e a ansiedade é tênue. Enquanto a ansiedade refere-se à vivência de sofrimento psiquico, a angústia é entendida como um estado afetivo abrangente que engloba a ansiedade e as manifestações somáticas (alterações neurovegetativas) decorrentes desse sofrimento. As alterações neurovegetativas decorrentes do desequilíbrio corporal são nitidamente semelhantes às das crises de angústia e de pânico13,15.
Os sintomas psicológicos - depressão, ansiedade e medo - são apontados pela literatura como sintomas comórbidos da vertigem, cuja influência pode tornar o prognóstico menos positivo, com declínio na qualidade de vida de pacientes. Esta comorbidade sugere que estudos sejam feitos no sentido de determinar quais os principais quadros psicológicos concomitantes à queixa de vertigem em pacientes oteneurológicos. A angústia, como o equivalente psíquico da vertigem, merece ser, bem como a ansiedade, a depressão e o medo, investigada como possível sintoma psicológico concomitante à vertigem e considerada no diagnóstico, prognóstico e terapêutica de pacientes otoneurológicos.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo foi o de verificar os sintomas psicológicos mais freqüentemente associados à queixa de vertigem em 846 prontuários de pacientes otoneurológicos, atendidos pelo Setor de Triagem do Ambulatório da Disciplina de Otoneurologia e do Setor de Otoneuropsicologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, nos períodos de 1999 a 2001.
MÉTODO
Foram utilizados 846 prontuários - 322 de janeiro a dezembro de 1999, 238 de janeiro a dezembro de 2000 e 286 de janeiro a outubro de 2001 - de pacientes com queixa de vertigem, do Setor de Triagem do Ambulatório da Disciplina de Otoneurologia e do Setor de Otoneuropsicologia do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. As queixas foram registradas de acordo com o relato dos pacientes. Os prontuários foram preenchidos por equipe multidisciplinar, composta por profissionais da Otorrinolaringologia, Otoneurologia, Fonoaudiologia e Psicologia, em conformidade com o regulamento de conduta ética do Comité de Ética da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
A seleção, os critérios de inclusão, exclusão e a quantificação dos dados registrados nos prontuários foram efetuadas em quatro etapas: triagem, agrupamento, inclusão/exclusão e quantificação. Na primeira etapa, foram qualificadas todas as informações registradas nos prontuários. Na segunda etapa, essas informações foram agrupadas em nove categorias: 1) sexo, 2) idade, 3) queixas otoneurológicas (associadas e/ou não à queixa de vertigem), 4) doenças associadas, concomitantes e/ou anteriores, 5) medicação em uso, 6) histórico de cirurgias anteriores, 7) hábitos alimentares, 8) prática de tabagismo e 9) queixas associadas (psicológicas, cardiovasculares, metabólicas e hormonais). Na terceira etapa, foram excluídos os prontuários de pacientes otoneurológicos sem queixa de vertigem. Do total de 1041 prontuários, foram selecionados e incluídos 846 em que a vertigem foi registrada como queixa principal (associada e/ou não a outras sintomas otoneurológicos). Na etapa final, foram quantificados, em valores absolutos e relativos, somente os dados obtidos das categorias 1, 2, 3 e 9. Da categoria 9, foram incluídos somente os sintomas psicológicos associados, excluindo-se quaisquer outros (cardiovasculares, metabólicos e hormonais). Foram incluídos na categoria 9 somente os prontuários em que foram registradas queixas psicológicas e excluídos aqueles em que não houve o registro, o que não significa que esses pacientes não apresentaram queixas psicológicas, mas somente que essas queixas não foram registradas nos respectivos prontuários.
Do total de 846 prontuários selecionados, em 8 não foram encontrados registros de idade. Os dados relativos à idade foram agrupados por faixas etárias, em função de sua amplitude, considerando-se como categoria "não consta", os registros não encontrados. Na categoria de "sintomas psicológicos" foram considerados: a) angústia, b) ansiedade, c) depressão, d) medo e e) distúrbios de memória. Os critérios de inclusão para "angústia" e "ansiedade" foram definidos de acordo com a teoria psicanalítica.
RESULTADOS
Do total de 846 prontuários com queixa de vertigem, 612 (72,34%) foram do sexo feminino e 234 (27,66%) do masculino, com idades entre 20 e 80 anos. A faixa etária de menor prevalência foi a de 20 a 30 anos (11%), sendo 69 (74,2%) prontuários do sexo feminino e 24 (25,8%) do masculino. De 31 a 40 anos, foram registrados 120 (14,2%) prontuários, sendo 85 (70,9%) do sexo feminino e 35 (29,1%) do masculino. O total de prontuários na faixa etária de 41 a 50 anos foi de 207 (24,47%), sendo 145 (70,1%) do sexo feminino e 62 (29,9%) do masculino. A faixa etária de maior prevalência foi de 51 a 60 anos (25,3%), com 150 (70%) prontuários do sexo feminino e 64 (30%) do masculino. Na faixa de 61 a 70 anos, foram registrados, respectivamente, 112 (77,8%) e 32 (22,2%) prontuários do sexo feminino e masculino, totalizando 144 (17,02%). Por fim, foram encontrados 44 (73,3%) do sexo feminino e 16 (26,7%) do masculino, totalizando 60 (7,1%) prontuários na faixa etária de 71 a 80 anos. Na categoria "não consta", foram encontrados 8 (0,9%) prontuários, sendo 7 (87,5%) do sexo masculino e apenas 1 (12,5%) do masculino.
A concomitância de sintomas psicológicos à queixa de vertigem foi verificada em 477 (56,38%), de um total de 846 prontuários. Desse total, 362 (75,9%) prontuários foram de pacientes do sexo feminino, na faixa etária de 51 a 60 anos e 115 (24,1%) do sexo masculino, na mesma faixa etária. Dentre os sintomas psicológicos relatados (angústia, ansiedade, medo, depressão e distúrbios de memória), a angústia foi o de maior prevalência, relatada em 226 (47,38%) do total de 477 prontuários, sendo 169 (35,43%) de pacientes do sexo feminino e 57 (11,95%) do masculino. A ansiedade foi o segundo sintoma mais freqüentemente associado à queixa de vertigem, registrada em 94 (19,71%) prontuários, sendo 73 (15,3%) de pacientes do sexo feminino e 21 (4,40%) do masculino. O medo foi relatado por 46 (9,64%) pacientes do sexo feminino e por 18 (3,77%) do masculino, perfazendo 64 (13,42%) do total de 477 prontuários. A depressão associada à queixa de vertigem foi registrada em 60 (12,58%) prontuários, sendo 49 (10,27%) de pacientes do sexo feminino e 11 (2,3%) do masculino. Por último, os distúrbios de memória, constatados em 33 (6,92%) prontuários, sendo 25 (5,24%) de pacientes do sexo feminino e 8 (1,68%) do masculino.
DISCUSSÃO
Os resultados obtidos apontam para a associação entre a queixa de vertigem e sintomas psicológicos em 56,38% dos casos, enquanto a literatura aponta para esta associação em 46,5%, com a prevalência da depressão (14,1%), ansiedade e medo (10,3%)1. A presença da ansiedade, da depressão e do medo como sintomas psicológicos concomitantes à vertigem foi devidamente salientada pela literatura1,5-12. A angústia, porém, surge como novo fator a ser considerado no diagnóstico de pacientes otoneurológicos com queixa de vertigem.
A otoneuropsicologia considera a vertigem como uma das principais manifestações da angústia e como seu equivalente somático14. A angústia, bem como a ansiedade, se originam do ódio, mas do ponto de vista evolutivo, a angústia é anterior à ansiedade13. É nesta perspectiva que a angústia, bem como a ansiedade, a depressão e o medo deve ser considerada como manifestação concomitante à vertigem, no diagnóstico, prognóstico e terapêutica dos distúrbios do equilíbrio. Deste modo, o sintoma psíquico é a representação atual de conflitos do passado, vivenciados de forma traumática e podendo ser reativados, explicando o aparecimento da vertigem13. Se um transtorno psíquico pode ser representado por uma crise vertiginosa4, coloca-se a questão: a angústia não poderia ser o representante psíquico da vertigem?
CONCLUSÃO
Os sintomas psicológicos concomitantes à queixa de vertigem em prontuários de pacientes otoneurológicos foram, em ordem decrescente, a angústia, a ansiedade, o medo, a depressão e os distúrbios de memória. Dentre estes, a angústia foi o sintoma psicológico de maior prevalência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 Psicóloga, Psicoterapeuta, Mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Otoneuropsicologia pela Universidade Federal de São Paulo. 2 Psicóloga, Psicanalista, Professor Associado Livre-Docente, Chefe do Setor de Otoneuropsicologia Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Endereço para correspondência: Ângela Daou Paiva - Rua Alberto Faria, 1349 Alto de Pinheiros 05459-001 São Paulo SP. Tel (0xx11) 5581-2140/ 9338-3595 - E-mail: a.daou@uol.com.br Artigo recebido em 16 de junho de 2004. Artigo aceito em 01 de julho de 2004.
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