INTRODUÇÃO
As paralisias faciais traumáticas são a segunda causa mais freqüente de suas etiologias, somente ficando atrás dos casos ditos idiopáticos. Dentre as causas de traumas mais comuns estão os provocados por traumatismos cranianos, por projéteis de arma de fogo, por ferimentos cortantes da face e por lesões iatrogênicas em diversas regiões do nervo e em diversas situações previstas e imprevistas.
Os traumatismos fechados da cabeça freqüentemente fraturam a pirâmide petrosa e a paralisia facial ocorre em aproximadamente 40% das lesões transversais e em 20% das longitudinais1. As fraturas longitudinais são mais freqüentes que as transversais e produzem geralmente sintomas e sinais clínicos menos severos2.
Os ferimentos por projéteis de arma de fogo (FAF) do osso temporal são também muito comuns em nosso meio e com muita freqüência provocam otorréia, surdez e paralisias faciais, além de complicações endocranianas3.
As lesões iatrogênicas do nervo facial são uma das mais temíveis complicações da cirurgia otológica. A grande maioria dos casos ocorre durante as mastoidectomias. Vários fatores podem colaborar para tal acontecimento, como: doença avançada da orelha média e mastóide, cirurgias anteriores, trajeto anormal do nervo facial e inexperiência ou inabilidade do cirurgião.
A avaliação dos pacientes com paralisia facial traumática deve incluir estudo radiológico do osso temporal, avaliação audiógica, testes topográficos e de prognóstico elétrico1,4.
Seu tratamento por muitos anos foi conservador, mas já foram descritos procedimentos cirúrgicos desde o século X5.
Todos os casos de paralisias faciais traumáticas devem ser submetidos a tratamento cirúrgico quando: 1) a paralisia facial for total ou imediata; 2) os testes elétricos forem inexcitáveis até o quinto dia da paralisia; 3) exista evidente disjunção óssea; 4) exista seção completa do nervo. Outros autores também referem que se em 6 a 8 semanas não houver regeneração das paralisias, a exploração cirúrgica deve ser realizada6-8.
OBJETIVO
Estudar a incidência e a evolução de paralisias faciais traumáticas.
MATERIAL E MÉTODO
Foi realizado um estudo retrospectivo com 82 pacientes com paralisias faciais traumáticas atendidas no período de janeiro de 1990 a janeiro de 1999 no ambulatório de distúrbios do nervo facial do Hospital São Paulo - UNIFESP. O ambulatório é composto por uma equipe multidisciplinar de médicos, uma fisioterapeuta e uma fonoaudióloga. São atendidos cerca de 150 casos novos por ano e, destes, 6% são de origem traumática. Todos os pacientes foram avaliados com exame físico, testes auditivos, testes de localização topográfica da lesão, testes prognósticos e exames de imagem. Os controles foram graduados pela classificação de House-Brackmann9,10. Deste grupo, 54 pacientes eram do sexo masculino (65.8%) e 28 do sexo feminino (34.2%). A idade média foi de 30.9 anos (variando de 2 a 75 anos). A distribuição racial foi de 60 brancos (73.2%), 21 negros (25.6%) e 1 asiático (1.2%). A distribuição dos lados foi de 40 à direita (48.7%), 36 à esquerda (43.9%) e 2 bilaterais (2.4%). Foram estudadas as seguintes variáveis: forma de aparecimento, tipo de trauma, testes elétricos iniciais, grau inicial e grau final através da classificação de House-Brackmann9,10, tipo de tratamento (clínico ou cirúrgico) e achados radiológicos e cirúrgicos nos casos de TCE.
RESULTADOS
Quanto ao tipo de aparecimento, observamos 71 (86.5%) casos de início súbito, 10 (12.3%) casos progressivos e 1 (1.2%) caso ao nascimento.
Quanto ao tipo de trauma, obtivemos: 15 (18.22%) casos iatrogênicos, 2 (2.44%) casos por ferimentos cortantes da face, 50 (60.97%) casos pós-traumas crânio-cefálicos, 14 (17.07%) casos pós-ferimentos por projéteis de arma de fogo e 1 (1.22%) caso ao nascimento.
Quanto aos testes elétricos iniciais (realizados em 73 casos, os outros 9 casos não puderam ser avaliados nos primeiros dias pós-início do quadro de paralisia) observamos: 32 (43.84%) pacientes com exames que foram simétricos e 41 (56.16%) pacientes com exames inexcitáveis, sendo que dos 32 casos com simetria observamos 24 casos de recuperação total, 6 casos com recuperação de 80 % e 2 casos com 60%; já nos casos inexcitáveis dos 41 casos, apenas 5 casos evoluíram para a recuperação total.
Quanto ao grau inicial, observamos: 31.70% de comprometimento facial inicial sendo: 8 (9.75%) casos de grau II, 8 (9.75%) casos de grau III, 21 (25.60%) casos de grau IV, 32 (39.02%) casos de grau V, 13 (15.85%) casos de grau VI. Nos casos de trauma crânio-encefálico (TCE) observamos média inicial de 41.6% de função facial; nos casos de lesões iatrogênicas, 22.6%; nos ferimentos cortantes da face (FCC), 10%; nos casos de ferimentos por projéteis de arma de fogo (FAF), 11.4% e no caso ao nascimento com 0%. Quanto ao grau final observamos média de 82.73% de função facial, sendo 30 (36.58%) casos de grau I, 28 (34.15%) casos de grau II, 21 (25.60%) casos de grau III e 3 (3.65%) casos de grau IV. Nos casos de TCE, a média final foi de 90% de função facial, nos iatrogênicos de 72%, nos FCC de 70%, nos FAF de 57.1% e no indivíduo ao nascimento de 40%.
Quanto ao tipo de tratamento, observamos: nos casos dos TCE, dos 50 casos, 19 (38%) necessitaram de tratamento cirúrgico (16 descompressões e 3 enxertos), e 31 (62%) casos não necessitaram de cirurgia corretiva. Nos casos cirúrgicos, a Tomografia evidenciou 13 fraturas longitudinais, 3 transversas e 3 sem. Os achados cirúrgicos foram: 11 com edema; 5 com fragmentos ósseos; 3 com laceração completa do nervo. Desses 19 casos cirúrgicos, 5 evoluíram para G1 e 14 para G2 na classificação de House-Brackman; já nos 14 casos de FAF foram realizados 8 (57.1%) enxertos, 3 (21.5%) anastomoses, 2 (14.3%) descompressões e somente 1 caso não necessitou de cirurgia e teve uma recuperação espontânea; nos 15 casos iatrogênicos houve necessidade de abordagem cirúrgica sendo 13 (86.66%) descompressões e 2 (13.34%) enxertos; nos 2 casos de FCC foi necessária a exploração cirúrgica e anastomoses e no casos ao nascimento foi apenas observado com fonoterapia e fisioterapia.
DISCUSSÃO
Existem muitas controvérsias sobre a necessidade de cirurgias no tratamento de lesões do nervo facial. Mas nos casos traumáticos, estas dúvidas são menos importantes, principalmente nos casos de ferimentos cortantes, ferimentos por projéteis de arma de fogo ou lesões iatrogênicas11-13.
Vários autores1,2,6,7,8,11,12,15,16 relatam que existe uma predominância de lesões em indivíduos do sexo masculino e em adultos jovens que implicam em limitação da capacidade de trabalho e provoca severas alterações nas suas rotinas diárias. Em nossa amostra também observamos estes eventos.
A grande maioria dos casos foi unilateral, mas existiram nesta amostra dois casos de TCE com fraturas e paralisias bilaterais que devem ser tratados da mesma maneira dos outros casos, dando-se preferência quando em casos cirúrgicos ao lado pior ou com pior audição, como também relatado por outros autores2,6,8,11,14.
Quanto ao tipo de aparecimento, a grande maioria foi súbita e neste grupo estavam os casos mais graves, de pior evolução e muitos que precisaram de tratamento cirúrgico. Também observaram eventos semelhantes vários outros autores1,11,16.
Não foi possível estabelecer o tempo transcorrido entre o diagnóstico e o tratamento. A demora para o início da terapêutica piora muito o prognóstico. Bogar e Bento salientam que é importante intervir nos casos de paralisia facial traumática, mesmo passados meses, pois a maioria dos pacientes apresenta melhora17.
A causa mais freqüente de trauma foi de casos de TCE onde se observou mais indivíduos com quadros leves, alguns casos progressivos de boa evolução e que evoluíram para cura sem a necessidade de cirurgia. Testa e Antunes encontraram como principal causa de TCE os acidentes automobilísticos.18 A grande maioria dos casos de ferimentos por projéteis de arma de fogo, ferimentos cortantes da face e iatrogênicos necessitaram de abordagem cirúrgica, principalmente com uso de enxertos nervosos1,8,11,13,16.
Os testes elétricos mostraram que nos indivíduos com bom prognóstico a evolução foi favorável, com uma grande maioria de casos com recuperação de 100 ou 80%. O teste com estimulador de Hilger provou ser confiável e seguro como método de triagem na análise de prognóstico de evolução das paralisias faciais4,14.
Os exames elétricos têm fundamental importância na conduta e prognóstico da patologia. A eletroneurografia é o teste méis fidedigno, pois fornece o percentual da lesão19. Havendo lesão de mais de 90% das fibras, há indicação de descompressão cirúrgica. A eletroneurografia tem valor até 3 semanas; após este período, podemos recorrer à eletromiografia.
A tomografia computadorizada tem grande valor nos casos de paralisia traumática, mas não é essencial como o topodiagnóstico ou os testes elétricos. Devemos ter em mente que havendo um trauma no nervo facial, ele sofre uma degeneração retrógrada de até 5 mm.19
Brodie e Thompson, em 1997, em estudo retrospectivo de 820 fraturas do osso temporal, concluíram que os fatores prognósticos mais importantes na recuperação da função do nervo facial foram a severidade e o tempo entre a paralisia e o trauma. No nosso estudo, observamos um melhor prognóstico nos pacientes com paralisia incompleta, com testes elétricos favoráveis e nos casos operados, uma melhor recuperação nos pacientes submetidos à descompressão total do nervo.
Através da classificação de House-Brackmann9,10 podemos classificar os graus de comprometimento inicial e final e averiguar a evolução de cada tipo de trauma. Nos ferimentos por projéteis de arma de fogo, observamos os piores índices iniciais, pela perda de continuidade do nervo e pelas lesões associadas. Os melhores resultados foram observados nos casos de TCE menos graves.
CONCLUSÕES
Frente aos resultados concluímos que:
1. Houve predomínio da incidência no sexo masculino;
2. Houve predomínio dos casos súbitos e estes evoluíram proporcionalmente melhor que os progressivos;
3. Houve predomínio dos casos de etiologia por TCE e estes evoluíram proporcionalmente melhor que as outras etiologias;
4. Os testes elétricos realizados puderam prever com bom grau de acerto a evolução dos pacientes;
5. O tipo de tratamento realizado foi proporcionalmente mais agressivo quanto mais intensa era a paralisia com bons resultados;
6. Nos casos cirúrgicos estudados houve predomínio de fratura longitudinal e esses tiveram melhores resultados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 Estagiário em ORL UNIFESP - EPM. 2 Professor da Disciplina de ORL Pediátrica da UNIFESP - EPM. 3 Professor Adjunto da disciplina de ORL - UNIFESP - EPM. Instituição: Setor de distúrbios do nervo facial da Disciplina de ORL da UNIFESP - EPM. São Paulo SP Endereço para Correspondência: Rua Abílio Soares 666/81-a Paraíso 04005-002 Tel (0xx11) 3884-0010 - E-mail-pinna@osite.com.br
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