ISSN 1806-9312  
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3058 - Vol. 70 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 2004
Seção: Relato de Caso Páginas: 423 a 426
Amiloidose localizada laríngea: relato de caso e revisão de literatura
Autor(es):
Fabiana C. P. Valera 1,
Denílson S. Fomin 1,
Gilberto S. Maggioni Jr. 2,
Marcos Grellet 3

Palavras-chave: amiloidose, laringe

Keywords: amyloidosis, larynx

Resumo: A amiloidose localizada laríngea é uma doença rara, correspondendo a menos de 1% dos tumores benignos da laringe. No entanto, a amiloidose localizada acomete principalmente a laringe nas vias aéreas, sendo assim de grande importância para o otorrinolaringologista. Ela está relacionada à produção monoclonal de imunoglobulinas de cadeia leve, principalmente l e k. Este estudo tem como objetivo relatar um caso de amiloidose laríngea atendida no Ambulatório de Laringologia e Voz do Hospital das Clínicas da FMRP - USP, assim como discutir a revisão de literatura.

Abstract: Localized laryngeal amyloidosis is a rare disease, corresponding to less than 1% of benign tumors in larynx. However, localized amyloidosis occurs mostly in larynx, being of great importance its diagnose by Otorhinolaryngologists. It is related to monoclonal production of light chain immunoglobulins, mainly l and k. This study has the purpose of relating a case of laryngeal amyloidosis assisted in Laryngology and Voice Clinics at Clinics Hospital FMRP - USP, and discussing literature as well.

Introdução e Revisão de Literatura

Amiloidose se caracteriza por um grupo de doenças de depósito de proteínas que possuem natureza fibrilar e propriedades tintoriais específicas. Pode ser classificada em localizada ou sistêmica, e de acordo com os precursores protéicos fibrilares mais importantes. A classificação mais aceita atualmente é a da Sociedade Internacional de Amiloidose, em 19901, que divide a amiloidose em:

 tipo AA (ou secundária): composta pela amiloidose sistêmica reativa, associada a doenças inflamatórias crônicas e ocasionalmente a neoplasias, e pela febre de Mediterrâneo familiar. Formada pelo amilóide sérico A.
 tipo AL (ou primária): formada por cadeias monoclonais de imunoglobulina de cadeia leve k ou l. Composta pela amiloidose sistêmica primária, pela amiloidose associada a mieloma, gamopatia monoclonal ou discrasia oculta e pela amiloidose localizada.
 tipo ATTR: composta pela amiloidose sistêmica senil, e pelas polineuropatia e cardiomiopatia amiloidais familiares. Formada pela transtiretina (ou pré-albumina).
 tipo Ab2M: formada pela microglobulina b2. Composta pela amiloidose periarticular e pela amiloidose sistêmica associada a insuficiência renal e diálise por período prolongado.
 tipo Ab: formada pela precursora protéica b. Composta pela doença de Alkheimer e alguns casos de Síndrome de Down.

A amiloidose localizada é uma doença rara (correspondendo a menos de 1% dos tumores benignos de laringe2) e de causa desconhecida. Localiza-se principalmente em vias aerodigestivas3,4 (sobretudo em laringe) e pele5.

Desde 1875, quando Burow e Neumann primeiro descreveram a amiloidose laríngea, pouco mais de 300 casos foram relatados em literatura6. Apesar da amiloidose laríngea ser rara, a laringe é o local mais comumente acometido pela amiloidose localizada, sobretudo em região supraglótica7.

Apresentação de Caso Clínico

UMPC, 33 anos, sexo feminino, procurou o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto com história de disfonia há 6 meses, sem dispnéia, apnéias, distúrbios de deglutição ou outros sintomas. Negava história de abuso vocal, tabagismo ou perda rápida de peso neste período.
Ao exame fibroscópico, evidenciava-se lesão subepitelial amarelada nodular pequena em comissura anterior, sem outras alterações em laringe (Figura 1).

Em 1999, a paciente foi submetida à biópsia sob laringoscopia direta, e a biópsia demonstrou um extenso e denso material amorfo eosinofílico, corado para vermelho Congo, o que confere o diagnóstico de amiloidose laríngea (Figuras 2a e 2b).

Foi realizada tomografia computadorizada de pescoço, que evidenciou discreto espessamento a nível de comissura anterior, sem acometimento das demais porções da laringe e terço superior da traquéia, e ausência de adenomegalias.

Foram realizados exames para se descartar amiloidose sistêmica (radiografia de tórax e abdome, ultrassom abdominal, funções hepática e renal, glicemia, proteína C reativa, eletroforese de proteínas, urina rotina e biópsia de gordura umbilical), doenças imunológicas (fator reumatóide, ANCA e ANA) e mieloma múltiplo (proteína de Bence Jones), tendo sido todos considerados dentro da normalidade.

Devido pequeno tamanho residual da lesão após biópsia e ao comportamento benigno da doença na maioria dos casos, optou-se por seguimento clínico mensal da paciente por seis meses a após semestral, com fibroscopias a cada retorno. A paciente permanece atualmente com apenas leve disfonia, mantendo-se sem outros sintomas. A última fibroscopia, três anos e meio após diagnóstico inicial, demonstrou discreta sinéquia em comissura anterior, sem aumento de dimensões da lesão.



Figura 1. Imagem endoscópica da laringe da paciente, evidenciando lesão amilóide em comissura anterior de pregas vocais.



Figuras 2a e 2b. Biópsias de tecido amilóide laríngeo: colorações Hematoxilina-Eosina (Figura 2a) e Vermelho Congo (Figura 2b).



Discussão

A amiloidose localizada laríngea, do tipo AL, tem como precursora a discrasia monoclonal de células plasmáticas, o que leva à formação de subunidades protéicas de fibrilas derivadas de imunoglobulina de cadeia leve (l ou k)5, sendo a cadeia leve l mais propensa e formar amilóides do que a cadeia k.
A amiloidose pode ocorrer pela produção de imunoglobulinas tanto estruturalmente anormais ou em quantidade excessiva pelas células plasmáticas monoclonais. Os depósitos amilóides ocorreriam pela dificuldade em metabolizar as fibrilas produzidas.

A laringe é o local mais comumente acometido pela amiloidose localizada, em especial em pregas vestibulares. A localização múltipla em vias aéreas pode acontecer, sendo mais freqüente o acometimento associado em traquéia8.

O sintoma mais comum é da amiloidose laríngea é a disfonia, raramente sendo observados outros sintomas, como dispnéia, odinofagia, estridor inspiratório aspirações, engasgos ou plenitude faríngea.
O exame da lesão deve compreender os exames endoscópicos, a laringoscopia direta e os exames de imagem (ressonância magnética ou, preferencialmente, a tomografia computadorizada) para se identificar a extensão da lesão. À fibroscopia, o aspecto é de lesão nodular amarelada, não ulcerada, com depósitos subepiteliais.

O diagnóstico é confirmado com biópsia, evidenciando-se depósitos amilóides extracelulares homogêneos, amorfos e eosinofílicos. Durante a coloração de Vermelho Congo, observa-se a típica birrefrigência esverdeada à microscopia de polarização.

A imunohistoquímica evidencia depósitos amilóides monoclonais para imunoglobulinas de cadeias leves k ou l, enquanto as células plasmáticas produtoras das imunoglobulinas possuem padrão policlonal para cadeias tanto k como l8.

Devido à evolução lenta e aos sintomas discretos da amiloidose localizada, o tratamento de escolha é a retirada da lesão via endoscópica (preferencialmente com uso de laser de dióxido de carbono), apenas para os casos sintomáticos5,6,7,8. O objetivo inicial da cirurgia deve ser somente a retirada do amilóide visível, sem ressecções amplas.

Em raros casos, onde a extensão da doença é muito ampla, ou em casos de recidivas freqüentes, indica-se a ressecção cirúrgica externa. Kennedy et al.6 sugerem que a cirurgia externa mais adequada seja a cirurgia externa supraglótica lateral, por ser ela mais conservadora, evitando assim complicações como alterações na deglutição e na voz.

A maioria dos autores em literatura6,8-11 concorda que o tratamento com imunomoduladores (quimioterápicos, corticosteróides e radioterapia) deve ser evitado porque o comprometimento da resposta imune do paciente pode acelerar o processo de depósito amilóide.

Segundo Lewis et al.8, a recorrência da amiloidose localizada é variável, podendo ocorrer até vários anos após a primeira cirurgia. Ela é mais expressiva nos casos em que se observa ao diagnóstico maior extensão da lesão. No entanto, são raros os casos que evoluem a óbito devido obstrução respiratória ou que apresentam amiloidose sistêmica2,6,8.

Comentários Finais

A amiloidose laríngea é uma entidade rara, contudo deve ser pensada como diagnóstico de lesões benignas em laringe. A conduta deve ser sempre a menos agressiva o possível, indicando-se cirurgia para apenas os casos sintomáticos. O seguimento clínico deve ser realizado por longos períodos, pois as recidivas podem ocorrer tardiamente.

Referências Bibliográficas

1. Husby G, Araki S, Benditt EP et al. The 1990 guidelines for nomenclature and classification of amyloid and amyloidosis. In: Natvig JB, Förre Husby G et al, eds. Amyloid and amyloidosis. Vith International Symposium on Amyloidosis. Norway. Dordrecht: Kluwer Acamedic; 1990: 5-11.
2. Godbersen GS, Leh JF, Hansmann ML, Rudert H, Linke RP. Organ-limited laryngeal amyloid deposits: clinical, morphological and immunohistochemical results of five cases. Ann Otol Rhinol Laryngol 1992; 101: 770-5.
3. Simpson GT II, Strong MS, Skinner M, Cohen AS. Localized amyloidosis of the head and neck and upper aerodigestive and lower respiratory tracts. Ann Otol Rhinol Laryngol 1984; 93: 374-9.
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5. Berg AM, Troxler RT, Grillone G, Kanznica J, Kane K et al. Localized amyloidosis of the larynx: evidence for light chain composition. Ann Otol Rhinol Laryngol 1993; 102: 884-9.
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7. Clark JM, Weissler MC. Localized laryngotracheobronchial amyloidosis: case report nd review of the literature. Ear Nose Throat J 2001; 80: 632-7.
8. Lewis JE, Olsen KD, Kurtin PJ, Kyle RA. Laryngeal amyloidosis: a clinicopathologic and immunohistochemical review. Otolaryngol. Head Neck Surg 1992; 106: 372-7.
9. Mitrani M. Biller HF. Laryngeal amyloidosis. Laryngoscope 1985; 95: 1346-7.
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11. Friedman I. Nose, throat and ears. In: Symmers WS, ed. Systemic Pathology. 3rd ed. New York; Edinburgh: Churchill Livingstone; 1987: 203-5.




1 Médicos associados da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
2 Médico associado da Disciplina de Patologia da da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
3 Professor livre-docente e Associado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
Instituição: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- Universidade de São Paulo
Endereço para Correspondência: Av. Bandeirantes, 3900 Bairro Monte Alergre Ribeirão Preto SP
E-mail: facpvalera@uol.com.br
Artigo recebido em 26 de maio de 2003. Artigo aceito em 08 de agosto de 2003.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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