IntroduçãoOs linfomas do trato nasossinusal são neoplasias incomuns, que reconhecidamente causam importantes lesões destrutivas no nariz e terço médio da face1. Os linfomas não-Hodgkin (LNH) correspondem a 1,5% de todos os tumores detectados no organismo. Cerca de 20 a 30% dos linfomas não-Hodgkin são extranodais e apenas 0,44% destes linfomas está localizado no trato nasossinusal, especialmente na Ásia2-4. Sua raridade pode levar os profissionais da área médica a erros no diagnóstico clínico, representando um verdadeiro desafio aos patologistas por sua natureza inflamatória5,6. Os LNH estão crescendo a uma taxa de 3,3% ao ano desde 1970 e não somente o advento da AIDS é responsável por este aumento. Lesões antigamente chamadas de granuloma letal da linha média, reticulose polimórfica, lesões linfoproliferativas angiocêntricas, pseudolinfoma, doença destrutiva idiopática e outras eram usadas para denominar esta entidade, marcada pelo aspecto destrutivo e pela presença de infiltrado inflamatório polimórfico1,4. Com a imuno-histoquímica e técnicas de biologia molecular está sendo possível diagnosticar a verdadeira base histopatológica desta entidade, que se trata de um LNH7,8.
Os linfomas não-Hodgkin podem se apresentar com fenótipos celulares diferentes: ser de linhagem de células B, linhagem de células T e recentemente em linhagem de células Natural Killer (NK)4,7. Os LNH apresentam, de acordo com seu fenótipo, comportamento biológico, distribuição geográfica e implicações terapêuticas diferentes.
Neste estudo iremos determinar os aspectos clínicos e histopatológicos dos LNH do trato nasossinusal, correlacionando sítio tumoral e comportamento biológico com os subtipos do LNH, baseado na experiência da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
Casuística e MétodoFoi realizado um estudo retrospectivo que incluiu 7 pacientes atendidos no ambulatório do serviço de otorrinolaringologia do HCFMUSP, no período de 1985 a 2003. Estes pacientes tinham diagnóstico de LNH de trato nasossinusal, confirmado por estudo anatomopatológico e histoquímico da lesão. Foram correlacionados aspectos epidemiológicos, clínicos, histológicos e evolutivos de cada paciente.
ResultadosA idade variou de 22 a 54 anos, sendo que a média foi de 38,2 anos. Houve predominância do sexo masculino (4:3), com intervalo do início dos sintomas até o diagnóstico, em média de 2,7 meses (Quadro 1).
O quadro clínico foi bastante inespecífico, insidioso e progressivo, mimetizando sintomas nasais comuns (Gráfico 1). Sintomas como edema facial são bastante sugestivos, apesar de sua inespecificidade. Os pacientes foram estadiados segundo a classificação Working Formulation para linfomas e o grau intermediário difuso foi o tipo mais prevalente7,9 (Quadro 2). O tratamento preconizado, individualizando-se segundo o paciente, incluiu quimioterapia, ressecção cirúrgica e radioterapia. A sobrevida em 5 anos foi muito baixa, refletindo o alto grau de malignidade deste tumor. Os pacientes diagnosticados mais recentemente e submetidos a quimioterapia e radioterapia loco-regional combinada apresentaram uma sobrevida maior que os pacientes submetidos apenas à radioterapia. Os pacientes possuíam sorologia negativa para o HIV, com exceção de um paciente que desenvolveu um linfoma em um sítio atípico e muito raro, o seio frontal. Os pacientes não eram tabagistas e nem faziam uso de bebida alcoólica.
Gráfico 1. Distribuição dos sintomas nos pacientes com linfoma não-Hodgkin nasossinusal
Quadro 1. Relação dos pacientes e correlação com dados clínicos, histopatológicos e evolutivos
Quadro 2. Sistema de classificação empregado para classificar os linfomas não-Hodgkin.
DiscussãoSegundo Cleary e Batsakis (1994)4, os linfomas não-Hodgkin nasossinusais são predominantemente da linhagem de células T na Ásia, e no mundo ocidental, são em sua maioria, pertencentes à linhagem B. Os linfomas de células T e NK apresentam comportamento clínico e histológico semelhantes, diferenciando-se apenas no aspecto molecular; assim consideraremos parte do mesmo grupo7,8. Em nosso estudo, a grande maioria dos casos (85%) tinha linhagem de células T/NK. O aumento no diagnóstico de linfomas, com as novas técnicas imuno-histoquímicas, tem mudado este panorama, já que os LNH de células T eram os mais subestimados, pois as áreas de necrose eram bem abundantes, dificultando o diagnóstico1,7. A vasculite, angiocentrismo e presença de grande quantidade de células inflamatórias em detrimento de poucas células linfóides tumorais são fatores que tornam o diagnóstico dos LNH de células T e NK um desafio2,5. Nos tumores de linhagem B, o angiocentrismo e a necrose são bem menos encontradas, sendo um tumor que pouco ulcera e tem geralmente localização subepitelial1,4,7. A presença de marcadores CD56, CD2 e CD7 colaboram para que os LNH de células T/NK tenham um tropismo maior aos vasos, aumentando sua adesão aos vasos e levando a efeitos mais devastadores1,10,11.
O sítio mais comum do LNH do trato nasossinusal encontrado em nossa casuística foi a fossa nasal. Devaney et al. (1999)7, Cleary et al. (1994)4 e Sheahan et al. (2001)6 enfatizam em seus artigos a preferência dos tumores de linhagem T pela fossa nasal e sua agressividade, evoluindo freqüentemente com fistulas oro-antrais e erosão do palato. Os linfomas de células B acometem preferencialmente os seios paranasais, principalmente o maxilar e etmóide3,7,9. Em um dos pacientes, o seio acometido foi o frontal, sendo que esse paciente era HIV positivo. Os linfomas preferencialmente acometem pacientes com faixa etária de 50 anos, porém em nossos pacientes foi mais precoce7. Os tumores NK, por possuírem o marcador CD56, acometem indivíduos mais jovens e são mais agressivos, o que explica a baixa faixa etária envolvida7. O grau intermediário foi o predominante, de acordo com os dados relatados por Fajardo-Dolci et al. (1999)8 e Devaney et al. (1999)7. Os sintomas mais comuns foram obstrução nasal, rinorréia, edema de face e erosão de palato. A presença, quase absoluta, de linfomas T e NK se refletiu em quadros mais agressivos e destrutivos; sendo seu sítio mais comum a fossa nasal. O epiteliotropismo da linhagem T/NK é característico e se manifesta clinicamente com edema e hiperemia de face7,8. Assim sendo, a apresentação clínica deste tumor está evidenciando de forma clara o comportamento mais agressivo dos tumores NK e T.
Os pacientes não eram tabagistas nem etilistas. Não há correlação destes tumores com álcool ou tabagismo1,7. Há uma reconhecida ligação entre os pacientes com LNH de células T/NK e infecção pelo Epstein-Barr vírus, porém não foi possível observar esta correlação em nosso estudo12.
O tratamento combinado de quimioterapia e radioterapia sem dúvida tem melhorado a sobrevida destes pacientes, fato que está sendo observado no seguimento do nosso estudo e está em concordância com diversos autores que apresentam uma casuística maior4,7.
Comentários FinaisOs linfomas não-Hodgkin do trato nasossinusal são uma importante entidade que causa destruição do nariz e terço médio da face. As linhagens de células B e T/NK têm comportamento biológico diferente, assim como, sítio e apresentação clínica, sendo o diagnóstico histopatológico de extrema importância.
O diagnóstico tem sido extremamente difícil já que há presença de necrose isquêmica e poucas células tumorais nas lesões, principalmente nos tumores de células T/NK. Assim, a biópsia realizada adequadamente favorecerá um diagnóstico mais precoce e preciso, instituindo rapidamente a terapêutica adequada e melhorando o prognóstico e a sobrevida destes pacientes.
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1 Médicos Residentes da Divisão de Clinica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2 Médico Pós-Graduando da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3 Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho realizado na Divisão de Clinica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Apresentado no II Congresso de Otorrinolaringologia da USP, realizado de 5 a 7 de agosto de 2001, em São Paulo.
Endereço para Correspondência: Bernardo Cunha Araújo Filho - Av. Dr. Ovídio Pires de Campos, 171 ap. 617 05403-010 São Paulo SP
Tel (0xx11)8146-5405 - E-mail: bcaf @terra.com.br
Artigo recebido em 07 de abril de 2004. Artigo aceito em 20 de maio de 2004.