ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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303 - Vol. 3 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 1935
Seção: Progressos da O. R. L. Páginas: 464 a 468
VIIIº Congresso das Sociedades Francesas de Oto-Neuro-Oftalmologia, reunido em Nice, de 15 a 18 de Abril de 1955.
Autor(es):
H. C.

Resumo do têma - Os abcessos do cerebelo - relatado por J. REMADIER e R. CAUSSE (Otología), ANDRÉ-THOMAS e J. A. BARRÉ (Neurología) e E. VELTER (Oftalmología) (1)

O abcesso do cerebelo, a mais rara de todas as complicações endocrâneanas das otites, aparece geralmente no decurso de uma otite cronica.

Sua sintomatología pode ser extremamente rica e dentre os sintomas, uns são identicos aos encontrados em todo abcesso encefálico, outros, ao contrario, só têm valôr sob o ponto de vista da sua localisação.

Se ha sinais, comuns á todos os abcessos encefálicos, sem particularidade com relação a séde da colecção, como temperatura, estado geral, formula sanguinea etc., os ha tambem bastante interessantes, sob o ponto de vista do diagnostico diferencial, como modificações do pulso, do fundo do olho, caractéres -da cefaléa e do sindrome meningeano. A bradicardía, por exemplo, pó-de atingir, no abcesso do cerebelo, um tal gráu nunca observado em outros abcessos do cerebro; a cefaléa tem uma localisação occipital; a rigidez da nuca contrasta sempre com uma ausencia completa do sinal de Kernig; a estáse papilar é mais frequente no abcesso do cerebelo que a nevrite ótica, dando-se o inverso nos abcessos cerebrais.

A presença de um abcesso do cerebelo é acompanhada de uma serie de sintomas, que se manifestam sobre a musculatura do corpo do mesmo lado, constituidos por perturbações dos movimentos atívos e das atitudes e pelas perturbações do tonus, do lado oposto. A dismetría, a hipermetría, a asinergía e, de um modo geral, todas as perturbações cerebelares, não devem ser pesquizadas por uma só prova, mas por uma serie completa de provas classicas. Deve-se assinalar a importancia toda particular das perturbações do tonus, pois que dado a precocidade
delas, tendo em vista o estado do paciente, são por vezes, o unico fenomeno, de ordem cerebelosa, que se póde pesquizar. E pelo estudo da passividade e da diminuição da resistencia dos antagonistas, que se poderá caracterisar a perturbação funccional cerebelosa. Ao contrario, as modificações da extensibilidade, não pertencem ás perturbações desta série (André-Thomas).

Os sinais de comprometimento do tronco cerebral e, em parcular, os sinais vestibulares, têm, na sintomatología localisadora do abcesso do cerebelo, um valôr quasi igual aos dos sintomas cerebelosos propriamente ditos. O conjunto de fenomenos vestribulares reveste, frequentemente, um aspecto desharmonioso (Barre). O nistagmo espontaneo é particularmente observado e quasi sempre voltado para o lado do abcesso, mas pode mudar de direcção, quer espontaneamente, quér depois de uma intervenção. O desvio do index, que ja perdeu a significação que lhe quiz dar Bárány, é notado geralmente no lado do abcesso. O exame pelas reações experimentais, mostra uma inexcitabilidade calorica ligada a labirintite que, frequentemente, precede o abcesso.

Parece que o desvio conjugado dos olhos para o lado oposto á lesão, acompanhada de uma paralisia do olhar no sentido inverso e, ás vezes tambem, de uma posição particular da cabeça, seja um quadro sintomatico característico do abcesso do cerebelo.

As perturbações respiatorias são frequentes e notadamente a morte por síncope respiratoria. Com relação aos pares crâneanos, excetuando o nervo facial, que é atingido na parte periférica e raramente na central, observa-se mais romumente a paralisia do VIº e do IIIº. As perturbações piramidais e da sensibilidade, são muito inconstantes.

O diagnostico diferencial de um abcesso do cerebelo encontra, na pratica numerosas dificuldades que, de certo modo, explicam o porque de muitos deles ainda hoje passarem desapercebidos. Ha casos, e estes menos numerosos, onde, muito embora a sintomatología rica e objectiva, não se póde, de um modo absoluto, afirmar a presença do abcesso, porque numerosos processos patologicos da fóssa posterior têm sintomas clínicos identicos: assim os abcessos para-durais, a meningo-encefalite colateral, a meningite hipertensiva etc. De um outro lado torna-se necessaria a diferenciação diagnostica entre o abcesso do cerebro e o do cerebelo que, frequentemente se confundem ou não ficam bem esclarecidos. Mais difíceis são os casos onde não se sabe se a complicação é unica ou se atraz dela se esconde um abcesso do cerebelo ou meningite difusa, trombo-flebite, labirintite, sobretudo quando do indivíduo em estado comatoso. Abcessos "mudos" têm sido observados. Cumpre entretanto assinalar a possibilidade da co-existencia de um abcesso e de um sindrome neurologico independente.

As dificuldades de diagnostico de um abcesso do cerebelo são, ás vezes, de tal ordem, que só sobre a mesa de operação poderá ser comprovado.

Para chegar ao cerebelo, o pus póde seguir três vias: a) labirintica; b) a do triangulo de Trautmann; c) a do sinus. Conforme a via seguida, pode-se distinguir três etapas no processo: petrosa, meningéa e encefálica. Quando o abcesso estivér situado na vizinhança das lesões que lhe deram origem, será sempre encontrado na parte antero-interna do cerebelo, em plena substancia branca, como todo abcesso encefálico, a 1 ou 2 cm. de profundidade. Uma forma particular do abcesso cerebear, é a chamada fissurada ou lamelada. O abcesso póde apresentar-se encapsulado, simplesmente colectado ou difluente. Todo abcesso passa primeiramente por uma fase de encefalite antes de chegar á abcedação franca A intervenção cirurgica nessa fase de encefalite será desastrosa, devendo-se esperar o aparecimento de uma sinal clinico que mostre já ter havido a sua transformação em abcesso.

A intervenção tem dois tempos: um ósseo, oto-mastoidêo, e outro, meningo-encefálico. O tempo ósseo, abrange as zonas sinusal, peri-sinusal e retro-sinusal, permitindo tambem a exploração da superficie da dura-mater, e fornecendo dados informativos de primeira ordem (fistula da dura-mater, paquimeningite externa, abcesso extra-dural etc.). Em seguida a essas constatações, passa-se imediatamente a exccusão do segundo tempo, ou deixa-se decorrer um intervalo de 24 ou 48 horas. São as lesões encontradas no decurso da intervenção oto-mastoideana que servirão de guia na escolha da via a seguir para se abordar o abcesso: via pre-sinusal, retro-sinusal e trans-sinusal. Cada uma dessas vias tem seus incovenientes. Antes de pesquizar o pus, procura-se crear aderencias que preservarão os espaços sub-araquinoidêos (processos quimicos ou diatermicos).

Classicamente, a incisão das meninges precede a puncção exploradora. Encontrado o pus, a sua drenagem, sempre dificil no abcesso do cerebelo, deve ser bem assegurada. Durante os curativos, a posição de Muck (posição sentada, a cabeça recta) facilita muito a saída do pus. No processo de Lemaítre, processo de exclusão dos espaços meningêos, as meninges não são incisadas, mas punccionadas com uma agulha de Pravaz e, encontrado o pus, um dreno filiforme é colocado e cada dia substituido por outro de maior calibre.

A resecção do involucro da bolsa ou sua extirpação, são pocessos ainda discutidos.

Nos casos favoraveis a cura é obtida não isenta de incidentes, dos quais a retenção é o mais comum. Outros, como a hernia cerebral, tornam os casos de dificil solução.

O abcesso do cerebelo, numa proporção que varia de 70 a 75% dos casos, terminam com a morte, seja porque a evacuação não conseguiu impedir a encefalite ou meningite, seja porque não fôra reconhecido, ou porque não fôra possivel ser encontrado.

DISCUSSÃO DESSE RELATORIO:

Malan (Turim) : Observou 11 casos de abcesso do cerebelo. Insite sobre o facto do abcesso do cerebelo, oriundo de uma otite aguda, poder se apresentar sem lesões da dura-mater. Chama a atenção para a frequencia das crises vaso-motoras da face. Pensa ser a via peri-sinusal a preferida para se atingir o abcesso.

Soria (Barcelona) : Insiste sobre as dificuldades de diagnostico dos abcessos cerebelares. Apresenta a observação de um doente, cuja unica sintomatología era uma hipertensão intra-crâneana com estáse, abalos nistagmiformes e paralisía do VI°, a direita, e sem outro sinal de localisação. A autopsia mostrou que se tratava de um enorme abcesso do cerebelo.

Dereux (Lille) : Traz a observação de um abcesso do cerebelo de origem estafilocócica. Eram três micro-abcessos com encefalite difusa. Ora, a sintomatología era de um abcesso cerebeloso colectado.

Moriez (Nice) : Viu um abcesso do lobo esq. do cerebelo, de origem pneumocócica, associado á lesões de encefalite difusa, dar uma sintomatología psiquica confusa, com alternativas de onirismo e de estupor, terminando por um estado ataxo-adinamico. No ponto de vista neurologico, havia um hemi-sindrome cerebeloso diréto larvado, complicado de sinais piramidais bilaterais, mas com predominancia alterna com cefaléa homolateral.

Sune y Medan (Barcelona) : Em um doente, com supuração cronica dos dois ouvidos com colesteatoma, apareceram sinais neurologicos que o conduziram a operar do lado direito para procurar um abcesso, que não foi encontrado. Alguns dias mais tarde, uma paralisía do V°, esquerdo com esta do comatoso, fê-lo operar o lado esquerdo e encontrou então, um grande abcesso da cerebelo, que foi drenado por meio de um tubo de vidro. Cura.

Medea (Milão): Insiste sobre as dificuldades no diagnostico diferencial entre abcesso da cerebelo, meningite serosa e abcesso do cerebro. Em seis casos de abcesso cerebral, encontrou três vezes nevrite optica, duas vezes derrames papilares.

Halphen (Paris) : Insiste tambem sobre as dificuldades de diagnostico e apresenta duas observações. Na primeira, tratava-se de um individuo com meningite especifica que durante algum tempo foi tida como abcesso do cerebelo. Na segunda, depois de uma antrotomia, apareceram sintomas que conduziram á operação. Retirada de uma bolsa cistica. Após morte do paciente, foi encontrado um abcesso cerebeloso visinho, que não fôra encontrado durante a intervencão.

Khayel-Arslan (Padua) : Insiste sobre a necessidade da unificação dos metodos de exame do labirinto. Sua variabilidade, traz incertezas na interpretação das observações clinicas fornecidas pelos autores.

De Morsier (Genebra) : Fala sobre as dificuldades do diagnostico diferencial entre o sindrome piramidal e o sindrome cerebeloso. Pergunta se existe um meio para diagnosticar os pseudo-sindromes cerebelosos de origem hemisfericas.

Roger (Marselha) : Chama tambem a atenção sobre as dificuldades de diagnotico entre os abcessos cerebelosos e as meningites serosas.

Ody (Genebra) : Descreve um sintoma: "A crise cerebelosa", que é uma crise tonica com desvio da cabeça, rigidez da nuca seguida de hemiplegía, que ele explica por uma especie de decerebração causada pelo aumento de volume do hemisferio cerebeloso, que acarreta uma inibição do feixe piramidal do mesmo lado.

Weil (Paris) : Relata observação de um caso, que durante uma intervenção para abcesso cerebeloso, teve duas sincopes respiratorias: a primeira, logo em seguida as primeiras baforadas do éter, e a segunda, em seguida á abertura da bolsa. Tratava-se de um abcesso cerebeloso do lobo direito. Explica essas duas sincopes por dois mecanismos inversos: o primeiro, compressão bulbar por congestão etérica; o segundo, produzido pela evacuação do abcesso.

Bourguignon (Paris): Apresenta as suas observações sobre a cronaxía nas lesões cerebelosos. Mostra que a adiadococinésia não é mais que a ruptura de equilibrio da cronaxía dos pronadores e do curto supinador, assim como o tremor intencional é explicado pela ruptura de equilibrio da cronaxía dos musculos anteriores e posteriores da espadua.

Quando a lesão cerebelar é pura ou associada somente á lesões piramidais, como na esclerõse em placas, a cronaxía do redondo pronador e a dos musculos anteriores da espadua (grande peitoral) diminuem para a metade, enquanto que as cronaxías do curto supinador e dos musculos posteriores da espadua permanecem normais.

Quando uma lesão sensitiva se associa ás lesões cerebelares, como na doença de Friedreich, dá-se o contrario: as cronaxías do curto supinador e dos musculos posteriores da espadua aumentam e dobram de valôr, enquanto que a cronaxía dos. pronadores e do grande peitoral permanecem normais. A relação das cronaxías é a mesma, donde a identidade do sintoma, mas essa relação patologica é realisada por um mecanismo diferente que as caracterisa.

A cronaxía mostra a possibilidade de se encontrar a adiadococinésia nas lesões piramidais, sem compromentimento do cerebelo.

H. C.
(1) In L'Oto-Rhino-Laryngologie Internationale, n.º 7, Julho de 1935, pg. 499.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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