INTRODUÇÃO
Surdez súbita é a perda brusca da audição, de caráter sensorioneural, geralmente unilateral, que não apresenta um fator etiológico bem definido, ou seja, de causa desconhecida. Simmons (1973), um grande estudioso do tema, é quem sabiamente conceitua a surdez súbita na sua célebre citação: "a surdez súbita é um sintoma a procura de um diagnóstico". É considerada uma urgência médica, devendo ser prontamente diagnosticada e tratada.
A primeira descrição e publicação de um grupo de pacientes "portadores de uma surdez sensorioneural de aparecimento súbito e origem idiopática" foi feita por De Kleyn em 1944. Este autor acreditava que a causa da surdez súbita estava relacionada ao tronco cerebral, sendo devido à deficiência de algum tipo de vitamina desconhecida. Sua publicação foi a precursora e ditadora de um padrão para vários trabalhos que se sucederam. Em todos estes trabalhos basicamente ocorria a apresentação de grupos de pacientes acometidos por surdez súbita e submetidos a diferentes formas de tratamento (Mattox, Simmons, 1977).
A surdez súbita se destaca como um dos temas mais controvertidos dentro da otorrinolaringologia, motivo mesmo de calorosas discussões entre os autores que se dedicam ao tema. Praticamente todos os seus tópicos são controversos, visto que não são bem conhecidos e definidos. Por ainda se desconhecer os verdadeiros mecanismos da surdez súbita, a controvérsia começa na sua própria definição e continua, até principalmente, no seu tratamento.
A grande controvérsia, sempre presente no tema surdez súbita, é sobre a forma de tratamento dos pacientes acometidos. A literatura médica mundial é pródiga em diferentes abordagens terapêuticas nesta afecção. Entre os dois extremos de formas de tratamento, encontramos numerosos esquemas e protocolos de tratamento. Um dos extremos é o proposto por alguns autores que preconizam nenhuma forma de tratamento para a surdez súbita, ou seja, não tratar (Guyot, Thielen, 2000). O outro extremo é o proposto por diferentes autores que indicam tratamentos cirúrgicos (Simmons, 1968).
A controvérsia que existe quanto à forma de tratamento ideal é fruto de uma série de fatores. Por ser uma afecção de baixa incidência populacional, os trabalhos sobre o tema acabam apresentando casuísticas com um número de pacientes relativamente limitado. Por ser também uma afecção que apresenta diferentes aspectos quanto a sua incidência e forma de acometimento, são inúmeras as variáveis presentes nos pacientes em geral. Desta forma, os grupos de pacientes estudados são, geralmente, limitados em número, e heterogêneos nos seus aspectos gerais, o que torna muito difícil comparar resultados de diferentes tratamentos realizados entre os diversos autores estudiosos do tema.
REVISÃO DE LITERATURA
I - Definição e Diagnóstico Debain (1957) é um dos primeiros autores a definir a surdez súbita. Considerou-a como "uma surdez da orelha interna, severa ou total, que aparece de forma repentina ou muito rápida, numa situação de aparente calma, sem sinais acompanhantes, sem causa evidente e sem nenhuma tendência a regressão espontânea".
Os critérios de diagnóstico, mais aceitos e precisos, foram os estabelecidos pelo "Comitê de Estudos em Surdez Súbita do Ministério da Saúde do Japão", em 1973 (Nomura, 1988). O diagnóstico inclui critérios maiores e menores. Os critérios maiores são:
perda abrupta de audição; incerteza da causa da surdez; perda auditiva geralmente severa, não flutuante e unilateral, na maioria das vezes.
Os critérios menores são:
zumbido, que pode estar ausente; tontura, também podendo estar ausente; ausência de sinais neurológicos a não ser o envolvimento do VIII par craniano.
O diagnóstico de surdez súbita é considerado certo quando todos os critérios maiores e menores estiverem presentes; o diagnóstico é considerado provável quando somente os dois primeiros itens dos critérios maiores estiverem presentes.
II - Epidemiologia A surdez súbita é considerada uma afecção de incidência relativamente baixa. Segundo Simmons (1973), sua incidência estaria, provavelmente, subestimada, pelo fato que certos pacientes com surdez súbita se recuperariam espontaneamente e não chegariam ao conhecimento médico; outros pacientes, na persistência do sintoma, procurariam, inicialmente, um clínico geral, não fariam testes audiológicos e seriam tratados com descongestionantes, sendo que somente os pacientes que não se recuperassem é que procurariam um atendimento especializado e seriam devidamente diagnosticados. Byl (1984), realizando levantamentos, relata uma incidência de cinco a 20 casos, com uma média de 10,7 casos, por 100.000 indivíduos, por ano.
O acometimento da surdez súbita é geralmente unilateral. Fetterman et al. (1996), realizando um estudo retrospectivo de dez anos, apresentam 823 pacientes com uma incidência de 1,7% de casos bilaterais.
A incidência por sexo é semelhante entre homens e mulheres. Fetterman et al. (1996), nos seus levantamentos de 823 pacientes, apresentam 53,4% de homens e 46,6% de mulheres. Formigoni et al. (1998) realizam um levantamento de 48 casos, em nosso país, constatando que 58% eram homens e 42%, mulheres.
A idade dos pacientes acometidos é bastante variada. Segundo Mosnier et al. (1997), a maioria dos pacientes tem entre 40 e 60 anos de idade. Fetterman et al. (1996), nos seus levantamentos de 823 pacientes, mostram uma idade média de acometimento de 52,3 anos, com um desvio padrão de 16,1 anos. Formigoni et al. (1998), nos levantamentos de 48 casos, relatam uma média de idades de 43,4 anos, com pacientes entre 15 e 72 anos.
Os sintomas acompanhantes mais freqüentes e mais citados são os zumbidos e as tonturas. Os zumbidos estão presente em 70% a 90% dos casos (Byl, 1984). Fetterman et al. (1996), nos seus levantamentos de 823 casos, relatam uma incidência de 91% de zumbidos. Formigoni et al. (1998), em seus 48 casos, relatam uma incidência de 94% de zumbidos. As tonturas estão presentes em 20% a 40% dos casos (Byl, 1984). Fetterman et al. (1996), nos seus levantamentos de 823 pacientes, mostram um incidência de 43% de sintomas vestibulares presentes. Formigoni et al. (1998), em seus 48 casos, relatam uma incidência de 50% de vertigens.
III - Diagnóstico Diferencial Na procura de um diagnóstico etiológico, diferentes fatores e causas têm sido descritas e relacionadas com a surdez súbita.
III/A - Doenças Infecciosas Katholm et al. (1991) descrevem o caso de uma paciente do sexo feminino, de 18 anos de idade, que apresentou uma perda súbita de audição em orelha direita e, três meses após, uma perda súbita de audição em orelha esquerda. Em ambas as orelhas a perda de audição foi total. Na pesquisa diagnóstica e etiológica, os autores chegam à conclusão de que se tratava de um caso de toxoplasmose aguda. Apesar de ser tratada medicamentosamente, não recuperou a audição. Enfatizam a importância da pesquisa da toxoplasmose nos casos de surdez súbita bilateral.
A relação entre a surdez súbita e a doença de Lyme é estudada por Peltomaa et al. (2000) que pesquisam a prevalência de positividade para anticorpos de Borrelia burgdorferi em 165 pacientes com surdez súbita na Finlândia. Estes autores demonstram que os níveis de anticorpos eram, em média, seis vezes maiores nos 165 casos de surdez súbita, quando comparados com a população geral de seu país. No total quatro pacientes preencheram os critérios completos de diagnóstico para doença de Lyme. Sugerem que, em áreas endêmicas, seja feita a pesquisa de doença de Lyme em todos os casos de surdez súbita, visto que, esta forma de perda súbita de audição apresenta um tratamento específico.
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) tem sido relacionada à surdez súbita por diferentes autores. Em nosso meio, dois trabalhos relatam esta relação: Bohadana et al. (1998) apresentam um paciente masculino de 33 anos com perda súbita de audição e com sorologia HIV positiva sem nenhuma outra manifestação de SIDA; Carvalho et al. (2001) apresentam um paciente masculino de 41 anos também portador assintomático do vírus HIV há 4 anos que desenvolve um quadro de perda súbita de audição.
III/B - Doenças Hematológicas Resende et al. (2000) realizam um levantamento de 16 publicações com 27 descrições de casos clínicos de leucemia mielóide crônica associados a perda súbita de audição. Estes autores apresentam um paciente com hiperleucocitose devida a leucemia mielóide crônica, com perda súbita de audição bilateral. Três pacientes com anemia aplástica que desenvolvem perda súbita de audição unilateral são descritos por Ohinata et al. (1994). Estes pacientes apresentam, além da eritrocitopenia, uma trombocitopenia que, segundo os autores, teria, provavelmente, desencadeado uma hemorragia intracoclear.
III/C - Doenças Neurológicas e Neuro-Vasculares A surdez súbita tem sido descrita como o sintoma inicial em pacientes com esclerose múltipla. Drulovic et al. (1994) relatam dois casos. Os autores chegaram ao diagnóstico de esclerose múltipla pela associação de exames de Potenciais Evocados Auditivos e Ressonância Magnética. Enfatizam a importância destes exames na pesquisa diagnóstica da surdez súbita.
São diversos os relatos de alterações nos territórios da artéria vertebral e da artéria basilar em pacientes com quadros de perda súbita de audição. Schmiz et al. (2000) relatam o caso de um paciente inicialmente diagnosticado como surdez súbita idiopática, sem apresentar nenhum sinal neurológico em sua fase inicial. Devido à presença de sintomas labirínticos severos, foi submetido a uma angio-ressonância que demonstrou uma trombose da artéria basilar. Este paciente foi submetido a tratamento anti-coagulante com heparina, precocemente, obtendo melhora gradual do quadro. Arai, Ishida (2000) descrevem o caso de um paciente com quadro de perda súbita de audição bilateral, associado a vertigem, sem sinais cerebelares ou de tronco cerebral. Ao ser submetido a uma ressonância magnética pode-se demonstrar a presença de pequenos enfartes cerebelares. Reavaliado através de uma angio-ressonância, constatou-se uma oclusão da artéria vertebral direita.
III/D - Schwannoma Vestibular A associação do schwannoma vestibular e a surdez súbita é bastante estudada e relatada na literatura médica.
Ogawa et al. (1991) revendo 132 pacientes com schwannoma vestibular, cirurgicamente comprovados, relatam que 29 pacientes (22%) tinham como história pregressa relatada, um quadro de surdez súbita. Yanagihara, Asai (1993) descrevem uma série de 111 pacientes operados de schwannoma vestibular onde 21 pacientes (18,9%) apresentam quadro clínico de surdez súbita. Nos 21 tumores encontrados, nove foram considerados pequenos, cinco médios e sete grandes tumores. Um total de 284 pacientes com schwannoma vestibular são descritos por Moffat et al. (1994). Neste total, 34 pacientes (12%) apresentam quadro clínico de surdez súbita. Os autores comentam que o tempo médio de duração da sintomatologia destes pacientes foi oito meses, sendo menor do que nos demais pacientes sem quadro clínico de surdez súbita. Não observaram diferença significativa nos grupos de schwannoma vestibular com e sem surdez súbita, com relação ao tamanho do tumor.
A ressonância magnética tem assumido papel de grande importância na avaliação do paciente com surdez súbita. Weber et al. (1997) avaliam 16 pacientes com quadro clínico de surdez súbita, através da ressonância magnética com gadolínio como meio de contraste. Três pacientes apresentaram alterações relevantes neste exame. Um destes três pacientes, cujo tratamento clínico prévio levou a uma recuperação total da audição, demonstrou, pela ressonância, um schwannoma vestibular de 0,5 cm de dimensão. Os autores concluem ser essencial a avaliação pela ressonância magnética com contraste de gadolínio de todos os pacientes com surdez súbita dita idiopática. Esta avaliação deverá ser feita em algum momento do curso do tratamento clínico, independentemente dos resultados obtidos. A utilidade da ressonância magnética no diagnóstico da surdez súbita foi estudada, em nosso meio, por Bittar et al. (1999) ao submeterem a este exame 20 pacientes com diagnóstico clínico de surdez súbita. Em cinco pacientes (25%) foram encontradas alterações significativas na ressonância magnética. Em um destes cinco pacientes foi demonstrado um schwannoma vestibular. Os autores concluem que todos os pacientes com surdez súbita devem ser avaliados pela ressonância magnética com contraste de Gadolínio.
IV - Etiopatogenia Mesmo sendo um dos tópicos mais estudados e pesquisados, a etiopatogenia da surdez súbita continua ainda sendo controversa e discutida. Os acometimentos vasculares e virais são as duas hipóteses etiopatogênicas mais freqüentemente citadas e aceitas; a origem auto-imune e as rupturas de membranas do labirinto membranoso são outras hipóteses que também são objeto de muitos estudos.
IV/A - Hipótese Vascular Perlman et al. (1959) estão entre os primeiros autores a mostrar a sensibilidade da cóclea a anóxia. Realizando experimentos, onde provocam a oclusão da artéria labiríntica, observam que: uma oclusão de 60 segundos é suficiente para provocar uma queda dos potenciais cocleares, os quais se recuperam completamente se esta oclusão for inferior a oito minutos, mas estes potenciais desaparecem definitivamente se o tempo de oclusão for superior a 60 minutos.
A vascularização da orelha interna é do tipo terminal. Qualquer obstrução, completa ou parcial, do fluxo sangüíneo, imediatamente repercute no metabolismo oxidativo da orelha interna. A obstrução acarretará uma hipóxia ou mesmo anóxia celular que leva à uma diminuição da produção de ATP (adenosina-trifosfato), acidose intra celular e acúmulo de radicais livres. Estes três últimos processos alteram o mecanismo enzimático celular levando à necrose e à morte celular (Mosnier et al., 1997).
Um dos mecanismos fisiopatológicos vasculares descritos é o aumento da viscosidade sangüínea. Esta hiperviscosidade acarreta uma diminuição do fluxo sangüíneo capilar que acaba por diminuir o transporte de oxigênio levando a hipóxia tecidual. Estudos de viscosidade sangüínea e plasmática realizados em grupos de pacientes com surdez súbita, comparados com a viscosidade de grupos controles normais, demonstram valores significativamente maiores nos portadores de surdez súbita (Ohinata et al., 1994). Outro mecanismo fisiopatológico vascular, relacionado à surdez súbita, é a ocorrência de tromboses e embolias que propiciam a isquemia coclear. A migração de êmbolos para a artéria labiríntica é discutida e comentada por Plasse et al. (1981) ao apresentar sete casos de surdez súbita unilateral ocorridos após a realização de "cirurgia cardíaca a céu aberto". Numerosos estudos têm sugerido a existência de um espasmo vascular coclear isolado ou associado a outros eventos vasculares para explicar o origem da surdez súbita em alguns pacientes. Esta mesma teoria justificaria a recuperação auditiva, que muitos pacientes apresentam, em função de uma reversão do provável espasmo vascular ocorrido. Cox et al. (1997) são partidários da hipótese do espasmo vascular para justificar a ocorrência de surdez súbita em três pacientes, por eles acompanhados, e por outros 20 casos descritos na literatura mundial; em todos estes pacientes a surdez súbita teria ocorrido imediatamente após a realização de cirurgias não otológicas e não cardiopulmonares, sob anestesia geral.
A realização de procedimentos diagnósticos neuro vasculares nos pacientes portadores de surdez súbita são recomendados por Guiral et al. (1997). Os exames por eles realizados são: Eco Doppler colorido transcraniano para a medida do fluxo sangüíneo no território da artéria labiríntica e Angio Ressonância Magnética Nuclear. Afirmam que, embora sejam métodos diagnósticos sofisticados, não apresentam uma maior invasividade. Numa série de 13 pacientes com surdez súbita submetidos a estes exames, encontraram alterações em quatro pacientes os quais apresentavam um relevante comprometimento do fluxo arterial vértebro basilar e também mostravam uma estenose ou bloqueio da artéria labiríntica.
IV/B - Hipótese Viral A hipótese de um processo viral como desencadeante da surdez súbita é bastante aceita e discutida na literatura mundial. Os vírus da caxumba, da rubéola e do grupo herpes são bem conhecidos como causadores de casos de surdez congênitas e de surdez sensorioneural de acometimento abrupto. A idéia de que formas subclínicas de infecções virais sejam a origem de perdas súbitas de audição é, portanto, bastante sedutora (Mosnier et al., 1997).
Van Dishoeck, Bierman (1957) relatam que entre um terço a um quarto dos pacientes que apresentam surdez súbita foram acometidos de sintomas de infecções de vias aéreas superiores no mês precedente ao quadro de surdez súbita. Por outro lado, outros estudos tentam demonstrar que a incidência de sintomas de vias aéreas superiores prévios ao acometimento da surdez súbita é semelhante quando se compara grupos de pacientes de surdez súbita com a população geral (Simmons, 1973).
Pesquisas sorológicas virais em populações de pacientes acometidos por surdez súbita têm demonstrado resultados bastante contraditórios quanto a possibilidade de acometimento viral nestes pacientes. A relação entre a surdez súbita e a caxumba assintomática é estudada por Okamoto et al. (1994). Estes autores realizam pesquisas de anticorpos IgM, que sinalizam uma infecção recente por caxumba, em 130 pacientes portadores de surdez súbita. Obtêm positividade em nove pacientes (6,9%). Concluem que a infecção assintomática por caxumba parece estar diretamente relacionada a alguns casos de surdez súbita. Yoshida et al. (1996), estudando um grupo de 33 pacientes com surdez súbita e outro grupo controle de 11 indivíduos normais, realizam sorologia para a titulação dos seguintes agentes infecciosos: vírus da caxumba; adenovirus; vírus da rubéola; vírus do sarampo; Herpes simples; Variccella zoster; vírus rinosincicial; citomegalovirus e Mycoplasma pneumoniae. Concluem que a titulação não apresenta nenhuma diferença significativa entre o grupo controle e os portadores de surdez súbita.
Pitkaranta, Julkunen (1998) realizam um estudo de 20 pacientes com surdez súbita e 12 indivíduos controles. Nestes dois grupos são medidos os níveis de uma proteína existente nos leucócitos, denominada MXA, que é considerada uma eficiente marcadora de infecções virais sistêmicas. Demonstram não haver diferenças significativas dos níveis desta proteína entre os grupos comparados. Concluem dizendo que "estes achados sugerem que a surdez súbita não esta habitualmente associada a uma infecção viral sistêmica".
IV/C - Hipótese Auto Imune Nos anos mais recentes foram surgindo evidências de um comprometimento auto-imune da orelha interna, em alguns casos de surdez súbita.
Para determinar a possível participação de fatores auto imunes na surdez súbita, Garcia-Berrocal et al. (1997) avaliam um grupo de 22 pacientes com surdez súbita e um grupo controle de 14 indivíduos normais. Foram aplicados testes para se identificar as subpopulações de linfócitos no sangue periférico de pacientes com surdez súbita, antes e após o tratamento com corticóides. Observam a ocorrência de uma diminuição significativa do número de linfócitos CD4+ e CD8+ no grupo com surdez súbita. Estes pacientes são então submetidos a tratamento com corticóides; nos casos em que ocorre uma boa recuperação auditiva, observa-se uma tendência a normalização destes linfócitos; nos casos com má recuperação auditiva não se constata esta tendência de normalização dos linfócitos. Os autores concluem seu trabalho comentando que "tais anormalidades nas subpopulações de linfócitos de pacientes com surdez súbita sugerem a existência de processos auto-imunes na orelha interna como possível fator etiopatogênico desta afecção".
Com o objetivo de testar a ativação do complemento na surdez súbita, Nordang et al. (1998) analisam 25 pacientes com surdez súbita. Os resultados demonstram níveis significativamente aumentados do componente C3 do complemento em relação ao grupo controle. Os autores concluem que os níveis elevados do componente C3 do complemento nos pacientes com surdez súbita indicariam uma ativação da porção inicial da cascata do complemento, o que implicaria na existência de fatores inflamatórios nestes pacientes. Os autores recomendam a pesquisa rotineira do componente C3 do complemento em pacientes com surdez súbita, com o objetivo de se identificar quais pacientes seriam mais beneficiados por tratamentos com drogas anti-inflamatórias.
Heller et al. (1998) realizam testes imunosorológicos em 55 pacientes com surdez súbita. Anticorpos fosfolipídicos foram demonstrados em 49% destes pacientes. Anticorpos serotonínicos e gangliosídicos foram encontrados em 53% destes pacientes. Os autores comentam que estes três anticorpos são habitualmente encontrados em pacientes com fibromialgia e fadiga crônica. Recomendam que os pacientes com surdez súbita sejam questionados sobre sintomas relacionados a estas doenças. Se os sintomas estiverem presentes, testes de anticorpos para fosfolípides, serotonina e gangliosídeos devem ser solicitados, uma vez que o comprometimento da orelha interna pode estar relacionado a síndromes auto-imunes de fibromialgia e fadiga crônica.
IV/C - Hipótese da Ruptura de Membranas A hipótese da ruptura de membranas da orelha interna foi defendida e demonstrada por diferentes autores para justificar a etiopatogenia de diversos casos de surdez súbita.
Simmons (1968 e 1979) propôs a teoria da dupla ruptura de membranas do labirinto membranoso. Este autor sugere que a ruptura de uma das janelas labirínticas ocasionaria uma perda abrupta de perilinfa da orelha interna para a orelha média provocando uma grande descompensação da pressão entre os compartimentos endolinfático e perilinfático, acarretando, desta forma, uma ruptura da membrana de Reissner. Esta segunda ruptura provocaria uma mistura da perilinfa com a endolinfa prejudicando, de forma considerável, a fisiologia coclear, o que acarretaria o quadro de perda auditiva. A cicatrização destas membranas, se ocorrer, levaria ao restabelecimento das estruturas cocleares, com a conseqüente recuperação auditiva.
Logo após a descrição de Simmons (1968), diversos relatos de surdez súbita e fístula perilinfática surgem na literatura médica com descrições de pacientes com surdez súbita e barotrauma. Gussen (1981) relata o caso de uma paciente com quadro de surdez súbita unilateral após uma viagem de avião; anos mais tarde, com o falecimento da paciente, pode estudar o seu osso temporal e demonstrar uma ruptura da membrana de Reissner.
V- Fatores Prognósticos Diferentes fatores são analisados na literatura como parâmetros de prognóstico na recuperação da surdez súbita. Os principais fatores prognósticos foram estudados por Simmons (1973) ao realizarem um estudo prospectivo de 89 pacientes. Estes autores observaram uma série de parâmetros que serviram de base para definir o prognóstico de recuperação auditiva final de um paciente com surdez súbita:
1. Tempo decorrido entre o início da surdez súbita e o estabelecimento do diagnóstico (início do tratamento) - em todos os casos com boa recuperação auditiva, o diagnóstico e o tratamento foi estabelecido nos primeiros 14 dias; 2. Tipo de curva audiométrica tonal - perdas auditivas em freqüências graves tiveram melhor recuperação que perdas auditivas em freqüências agudas; 3. Severidade da surdez inicial - considerando-se o limiar auditivo, na audiometria tonal, na média das freqüências: 500, 1000 e 2000 Hz, observaram que, quanto maior este limiar, pior a recuperação auditiva; 4. Velocidade de hemossedimentação - pacientes que apresentaram valores elevados neste teste tiveram piores recuperações auditivas; 5. Presença de tonturas severas - este sintoma foi relacionado a piores recuperações auditivas; 6. Exame vestibular com hiporreflexia nas provas calóricas - também foram associadas a piores recuperações auditivas.
Formigoni et al. (1994), em nosso meio, realizam um estudo de 150 pacientes com surdez súbita, tendo como objetivo avaliar fatores preditivos de prognóstico auditivo final. Concluem como fatores de bom prognóstico: a precocidade da instituição do tratamento (até dez dias) e a idade do paciente inferior a 40 anos. Fatores de mau prognóstico relatados por estes autores foram: perdas auditivas severas na avaliação inicial (maior que 45 dB) e a presença de vertigem associada a surdez. Afirmam, também, que o tipo de curva audiométrica obtida na avaliação inicial não mostrou relação com o resultado auditivo final.
As emissões otoacústicas também foram aplicadas, mais recentemente, como um teste prognóstico da recuperação da surdez súbita. Sakashita et al. (1991) submetem ao teste de emissões otoacústicas evocadas, pacientes com surdez súbita em sua fase inicial. Os autores relatam que, apesar do limiar auditivo da média das freqüências 500, 1000, 2000 e 4000 Hz dos pacientes com surdez súbita ser superior a 35 dB, as emissões otoacústicas puderam ser detectadas na metade destes pacientes. Nestes casos de surdez súbita com emissões otoacústicas presentes, o resultado auditivo final foi significativamente melhor que nos demais pacientes, independentemente do grau de perda auditiva inicial.
VI- Tratamento São inúmeras as propostas de tratamentos para a surdez súbita descritas na literatura médica mundial. A controvérsia, nesta aspecto, começa no próprio questionamento da validade do tratamento. Alguns autores são categóricos em afirmar que não existem evidências de que algum tipo de tratamento, para a surdez súbita, acarrete um melhor resultado que aquele obtido na evolução natural do quadro (Byl, 1984).
Guyot, Thielen (2000) analisam 59 pacientes, portadores de surdez súbita, atendidos no período de 1983 a 1997. Estes pacientes recusaram-se, deliberadamente, a se submeterem ao tratamento proposto. Os autores comentam que os resultados audiológicos finais destes 59 pacientes foram similares aos resultados obtidos por diferentes formas de tratamento descritas. Os autores concluem que a surdez súbita não necessita tratamento.
Louhran (2000) envia um questionário para 100 médicos otorrinolaringologistas de diferentes regiões da Inglaterra. Neste questionário, pergunta-se como os médicos conduzem seus pacientes portadores de surdez súbita. O autor obtém respostas em 76 questionários médicos. A grande maioria dos otorrinos consultados (89%) respondem que sempre tratam seus pacientes com surdez súbita embora exista uma grande variabilidade de tratamentos descritos pelos médicos.
VI/A- Corticóides Wilson et al. (1980) descrevem um estudo duplo cego onde 33 pacientes com surdez súbita são tratados somente com corticóides orais, enquanto que 34 pacientes, também portadores de surdez súbita, recebem placebo como única forma de tratamento. Os controles audiométricos pós tratamento são realizados com quatro semanas e com três meses. Os autores concluem que o grupo de pacientes tratados com corticóides obteve um resultado estatisticamente superior ao grupo placebo nas perdas auditivas moderadas. Na surdez súbita, com perda auditiva severa, não observaram diferenças significativas na recuperação dos dois grupos estudados.
Os corticóides são, provavelmente, as drogas mais utilizadas isoladamente ou em associação com outras formas de terapia, para o tratamento da surdez súbita. Esta ampla utilização dos corticóides se fundamenta nas propriedades anti-inflamatórias desta medicação. Haveria, portanto, uma grande utilidade deste tipo de medicação ao se basear nas hipóteses etiopatogênicas virais ou mesmo nas auto-imunes (Mosnier et al., 1997).
VI/B- Vasodilatadores O carbogênio, que consiste numa mistura de 95% de oxigênio e 5% de gás carbônico tem sido preconizado no tratamento da surdez súbita em diferentes trabalhos. Nagahara et al. (1983) demonstram, em estudos experimentais, um aumento significativo da pressão parcial de oxigênio na perilinfa durante a inalação de carbogênio. Segundo estes autores, o carbogênio possui um efeito vasodilatador intenso na circulação coclear por ação direta e por intermédio do sistema simpático. Fisch (1983) preconiza o tratamento da surdez súbita com inalações de carbogênio e demonstra resultados superiores desta forma de tratamento, quando comparada com outros esquemas terapêuticos que utilizam outras drogas vasodilatadoras.
Um levantamento de algumas drogas vasodilatadoras utilizadas no tratamento da surdez súbita foi realizado por Mosnier et al. (1997). Estes autores citam inicialmente o carbogênio, tido como um potente vasodilatador a nível coclear. A seguir, Mosnier et al. (1997) citam dois grupos de drogas vasodilatadoras que consideram relevantes no tratamento da surdez súbita. O primeiro grupo é formado por drogas de ação alfa bloqueadora, ditas neurotrópicas, com ação sobre as fibras simpáticas. Estas drogas agiriam sobre o vaso sangüíneo com espasmo, promovendo a sua dilatação e favorecendo o aporte de sangue no território isquêmico. O segundo grupo de drogas vasodilatadoras, destacado por estes autores, são os antagonistas do cálcio. Estas drogas previnem uma vasoconstrição, provocada por substâncias vasoativas, ao promoverem uma estabilização das membranas celulares vasculares.
VI/C- Dextran 40 O Dextran 40 é uma macromolécula cuja ação na microcirculação promove um incremento do fluxo sangüíneo ao reduzir o empilhamento de hemácias nos capilares sangüíneos.
Poser et al. (1992) descrevem um grupo de 80 pacientes com surdez súbita, tratados durante dez dias com infusões diárias de Dextran 40, associadas ao vasodilatador Naftidrofuryl. Os autores relatam que obtiveram significativas melhoras dos níveis de audição com o tratamento preconizado.
Formigoni et al. (1998), em nosso meio, apresentam um grupo de 48 pacientes com surdez súbita, tratados com infusões diárias de Dextran 40 + ácido nicotínico + papaverina + vitamina A. Os autores relatam que 60,41% dos pacientes submetidos a este esquema terapêutico, apresentaram melhora audiométrica relevante ao final do tratamento.
VI/D- Hemodiluição Normovolêmica A Hemodiluição Normovolêmica no tratamento da surdez súbita foi idealizada e preconizada por Dauman et al. (1983). Os autores descrevem a técnica de realização do procedimento: paciente deitado sob monitorização cardíaca, retira-se aproximadamente 10% do volume sangüíneo total, através de uma veia periférica de um braço; simultaneamente é realizada a perfusão, no outro braço, de igual volume de Dextran. Os autores comentam que ao final da hemodiluição obtém-se um hematócrito entre 30% a 35%. Com esta queda obtida no hematócrito, diminui-se a viscosidade sangüínea e, conseqüentemente, aumenta-se o fluxo sangüíneo, particularmente no território cerebral. O resultado final é um incremento na oxigenação do cérebro. Dauman et al. (1983) realizam um estudo comparativo de diferentes formas de tratamento em 36 pacientes acometidos de surdez súbita. Os autores concluem que a hemodiluição normovolêmica, por ter obtido resultados semelhantes as outras formas de tratamento, merece ser colocada em destaque, visto que é um método simples, rápido e sem complicações evidentes.
VI/E- Oxigenioterapia hiperbárica A oxigenioterapia hiperbárica é também utilizada no tratamento da surdez súbita. Com esta forma de tratamento promove-se um aumento do nível de oxigênio sangüíneo. Mesmo que ocorra um baixo fluxo sangüíneo, haverá uma maior oferta de oxigênio para os tecidos, inclusive a nível coclear.
Murakawa et al. (2000) realizam um levantamento de dez anos com 522 pacientes portadores de surdez súbita, tratados com oxigenioterapia hiperbárica. O oxigênio é administrado na pressão de 2,5 atmosferas, durante 80 minutos por dia, em dez a 15 sessões. Os autores relatam que 161 pacientes, do total de 522, vieram por encaminhamento de outros centros hospitalares, após uma tentativa inicial, com outros tipos de tratamento, ter fracassado. Os resultados obtidos mostram que: 19,7% dos casos obtiveram recuperação total; 34,9% obtiveram melhora parcial; 45,4% não obtiveram resultados satisfatórios. Os autores comentam também que 40% dos pacientes, já previamente tratados, com outras formas de tratamento, sem resultados satisfatórios, obtiveram alguma melhora após a oxigenioterapia hiperbárica. Os autores concluem que esta terapia deve, idealmente, ser realizada nos primeiros 14 dias do início da surdez súbita. Outra conclusão destes autores é que mesmo nos pacientes que não responderam satisfatoriamente a tratamentos anteriores, a oxigenioterapia hiperbárica trouxe benefícios relevantes em um número expressivo de casos.
VI/F- Amidotrizoate Morimitsu, Ushisako (1988) descrevem o tratamento da surdez súbita com o uso endovenoso do amidotrizoate (Hypaque®), droga utilizada como contraste angiográfico. Os autores iniciam seus estudos em 1973, quando realizando um exame diagnóstico de angiografia vertebral em um paciente com surdez súbita, observaram a recuperação auditiva deste paciente após a utilização do amidotrizoate. A partir de então, descrevem uma série de 47 pacientes, portadores de surdez súbita, tratados exclusivamente com amidotrizoate. A medicação era administrada na dose de 20 ml endovenoso, em aplicações diárias, por um número de dias variáveis, até se constatar que o processo de recuperação auditiva estava estabilizado. Os autores descrevem uma recuperação total em 43% dos casos, uma recuperação parcial em 21% dos casos e nenhuma recuperação em 36% dos casos.
VI/G- Ginkgo biloba Hoffman et al. (1994) descrevem um grupo de 80 pacientes com surdez súbita, tratados com extrato de Ginkgo biloba EGB 761, medicação vasorreguladora que promove um incremento do fluxo sangüíneo. O objetivo do trabalho é comparar os resultados auditivos do grupo de pacientes tratados com Ginkgo biloba com um outro grupo de pacientes tratados com naftidrofuryl, droga de ação vasodilatadora. A análise estatística da recuperação audiométrica de ambos os grupos mostra resultados semelhantes nas duas formas de tratamento propostas. Os autores comentam que não observaram nenhum efeito colateral medicamentoso nos pacientes tratados com Ginkgo biloba, enquanto que no grupo tratado com naftidrofuryl foram relatados alguns efeitos colaterais decorrentes da medicação. Em vista destes resultados, os autores recomendam o tratamento da surdez súbita com Ginkgo biloba EGB 761.
VI/H- Pentoxifilina Leunig et al. (1995) apresentam um estudo retrospectivo de 118 pacientes com surdez súbita, tratados com infusões venosas de hydroxyethyl em associação com a pentoxifilina. Os autores comentam que o hydroxyethyl é uma droga alternativa para o Dextran que, em associação com a pentoxifilina, promove uma ação sinérgica reológica, acarretando um incremento na perfusão microvascular. Os autores relatam que nos 118 pacientes tratados com este esquema terapêutico, obtiveram melhora auditiva em 75% dos casos.
VI/I- Terapia H.E.L.P. Walch et al. (1996) apresentam uma nova forma de tratamento da surdez súbita com a sigla H.E.L.P. (Heparin-Induced Extracorporeal LDL Precipitation). A terapia H.E.L.P. é um sistema que, por meio de circulação extra-corpórea, elimina seletivamente do plasma: fibrinogênio; LDL (low-density lipoprotein); colesterol; triglicérides; lipoproteínas. O resultado desta "filtragem" plasmática é uma redução das macromoléculas descritas, acarretando uma diminuição da viscosidade plasmática e um incremento do fluxo sangüíneo na microcirculação. Os autores relatam que esta forma de terapia foi utilizada em pacientes com surdez súbita que, após duas semanas de tratamento com vasodilatadores e corticóides, não apresentaram melhora auditiva. Este protocolo de tratamento foi aplicado em cinco pacientes que, após a terapia H.E.L.P., apresentaram evidente melhora auditiva segundo o relato dos autores.
DISCUSSÃO
A surdez súbita é uma afecção bastante conhecida e estudada pelos médicos otorrinolaringologistas há longa data. Apesar de seus primeiros relatos terem sido feitos por De Kleyn em 1944, suas controvérsias e principais questionamentos continuam presentes até os dias de hoje. A etiopatogenia e o tratamento da surdez súbita talvez sejam as duas grandes indagações ainda presentes.
A - Etiopatogenia Os inúmeros trabalhos a respeito da provável etiopatogenia da surdez súbita apontam em diferentes direções. A literatura mostra que são quatro as hipóteses etiopatogênicas mais aceitas e discutidas.
A hipótese do comprometimento vascular da orelha interna é sempre considerada com ênfase significativo. Desde os primeiros trabalhos de Perlman et al., em 1959, provocando a oclusão da artéria labiríntica e observando seus reflexos nos potenciais cocleares, até os trabalhos mais recentes de Guiral et al., em 1997, utilizando a Angio Ressonância Magnética Nuclear em pacientes portadores de surdez súbita e verificando alterações vasculares, em muitos destes pacientes, tornou-se evidente a participação de fenômenos vasculares em inúmeros pacientes com surdez súbita.
A hipótese etiopatogênica do comprometimento viral da orelha interna também conta com muitos relatos e estudos na literatura. A relação entre o vírus da caxumba e a surdez súbita, conhecida pelos otorrinolaringologistas, é estudada e demonstrada em alguns pacientes por Okamoto et al., em 1994. Porém, o grande revés da hipótese da teoria viral na surdez súbita é a impossibilidade de se comprovar a presença de titulações sorológicas virais significativas nas populações de pacientes com surdez súbita quando comparadas com a população controle normal (Yoshida et al., 1996; Pitkaranta, Julkunen, 1998).
A hipótese etiopatogênica da ruptura de membranas do labirinto membranoso, também conhecida como "teoria da fístula", teve grande aceitação mundial após os trabalhos de Simmons em 1968. Nos últimos anos, poucos trabalhos surgiram na literatura embasados nesta hipótese, que, com isso, vem deixando de ter uma aceitação mais ampla.
A hipótese etiopatogênica mais discutida, nos últimos anos, na literatura, é a auto imune. Já há vários anos se conhece a possibilidade de comprometimento auto imune da orelha interna. Com o desenvolvimento de novos exames diagnósticos mais sensíveis e, melhor elaborados, diversos autores têm aplicado testes imunológicos em pacientes com surdez súbita. Os resultados demonstram alterações significativas na população com surdez súbita quando comparada com a população controle normal. Estes autores são cautelosos em suas conclusões, mas finalizam sempre sugerindo a existência de processos auto imunes na orelha interna de muitos dos pacientes portadores de surdez súbita (Nordang et al., 1998; Heller et al., 1998).
A conclusão que se chega ao estudar as diferentes hipóteses etiopatogênicas para a surdez súbita é que se trata, certamente, de uma afecção multi-fatorial. Uma multiplicidade de mecanismos etiopatogênicos devem estar envolvidos. Para cada caso de surdez súbita, uma determinada etiopatogenia estará presente, sendo que sua comprovação continuará sendo muito difícil.
B - Tratamento Visto que os mecanismos etiopatogênicos da surdez súbita são variados e estão envolvidos de forma diferenciada em cada caso, qual seria a forma ideal de tratar um paciente portador de surdez súbita? As controvérsias e as múltiplas formas de tratamento presentes na literatura são comprovações evidentes das dúvidas existentes sobre o tratamento ideal para a surdez súbita. Segundo relatam Mosnier et al. em 1997, a maioria das formas de tratamento descritas são dirigidas contra os dois principais fatores etiopatogênicos supostos: hipótese viral e hipótese vascular.
A atitude de não tratar a surdez súbita, proposta por Guyot et al. em 2000, ao observarem que o resultado audiológico final de pacientes tratados era igual ao de pacientes que se recusaram a receber tratamento, encontra resistência entre a maioria dos otorrinolaringologistas. Provavelmente estes médicos se sentem numa posição desconfortável ao não tratar uma afecção considerada grave e, freqüentemente, irreversível. Esta situação foi muito bem demonstrada por Louhran em 2000, ao receber respostas afirmativas de 89% dos médicos otorrinolaringologistas consultados por questionários sobre sua posição com relação ao tratamento da surdez súbita.
Os corticóides, como bem citam em seus trabalhos Mosnier et al. em 1997, são as drogas mais amplamente utilizadas, de forma isolada, ou em associações com outras formas de terapia. O seu fácil conhecimento de manuseio, pela maioria dos médicos otorrinolaringologistas, associado ao baixo custo e possibilidade de tratamento domiciliar, torna simples e prática a sua prescrição. Certamente continuarão a ocupar, por muito tempo ainda, posição de destaque entre as drogas preconizadas no tratamento da surdez súbita.
As drogas e terapias vasodilatadoras, muitas vezes associadas aos corticóides, são também muito citadas na literatura médica mundial. O uso do carbogênio, preconizado por Fisch em 1983, encontrou grande aceitação mundial a partir dos trabalhos de Nagahara et al. em 1983, que demonstrou, experimentalmente, um intenso efeito vasodilatador desta terapia na circulação coclear. Diferentes drogas vasodilatadoras são também citadas por diversos autores em numerosos trabalhos. À semelhança dos corticóides, as drogas vasodilatadoras, por serem medicamentos de fácil utilização pelos otorrinolaringologistas, ganharam ampla aceitação na prática médica. A justificativa do tratamento vasodilatador é baseada não só na hipótese etiopatogênica vascular, como, também, em qualquer outro tipo de acometimento da orelha interna pela surdez súbita; ao se melhorar a perfusão sangüínea da cóclea, pretende-se também melhorar as condições metabólicas e a capacidade de regeneração do órgão em sofrimento.
A utilização do Dextran 40 no tratamento da surdez súbita é bastante conhecida e utilizada por diferentes autores (Formigoni et al., 1998; Poser et al., 1992). O mecanismo de ação do Dextran 40 seria responsável por um incremento da perfusão sangüínea na microcirculação coclear, melhorando, portanto, a perfusão tecidual. Esta ação acarretaria benefícios semelhantes aos de terapias vasodilatadoras para a orelha interna.
A hemodiluição normovolêmica no tratamento da surdez súbita foi idealizada e inicialmente descrita por Dauman et al. em 1983. O mecanismo hemodinâmico desta forma de terapia é de fácil entendimento e aplicabilidade na surdez súbita. O paciente é submetido a uma sangria monitorizada, na qual, pela infusão simultânea de Dextran 40, é mantida a volemia normal. Desta maneira, obtém-se uma redução imediata e expressiva do hematócrito. Com um hematócrito baixo, diminue-se a viscosidade sangüínea e, conseqüentemente, aumenta-se o fluxo de sangue em geral. Este maior fluxo sangüíneo na microcirculação coclear acarreta uma melhor perfusão e oxigenação da cóclea. Os resultados descritos por Dauman et al., em 1983, são bastantes promissores. A partir destes estudos, a hemodiluição normovolêmica passou a ser utilizada, principalmente, em associações de tratamentos.
A oxigenioterapia hiperbárica, como tratamento para a surdez súbita, baseia-se na lógica de promover um aumento do nível de oxigênio sangüíneo, inclusive na circulação coclear. A partir de diferentes estudos, a oxigenioterapia hiperbárica passa a ser utilizada isoladamente ou em associações de tratamento. Uma aplicação interessante da oxigenioterapia hiperbárica, descrita por Murakawa et al. em 2000, é o tratamento de pacientes portadores de surdez súbita já submetidos a outras formas de tratamento sem sucesso; estes autores argumentam que, mesmo em fases mais tardias, em que os tratamentos em geral são bastante questionados, a oxigenioterapia hiperbárica poderia ter uma utilidade relevante.
O tratamento com o Amidotrizoate (Hypaque®) descrito por Morimitsu, Ushisako (1988), talvez pela falta de uma teoria fisiopatológica convincente que justifique a sua utilização, não encontra relatos mais recentes na literatura médica mundial de seu emprego no tratamento da surdez súbita.
A utilização da Ginkgo biloba (Hoffmann, 1994) e da Pentoxifilina (Leunig, 1995) foram propostas mais recentemente no tratamento da surdez súbita. Seu emprego em protocolos de tratamento, em associações com outras terapias, parece ser o caminho mais adequado para estas drogas.
A mais recente "novidade" no tratamento da surdez súbita é a chamada terapia H.E.L.P.. Seu mecanismo de ação torna lógica e interessante a sua utilização. Talvez seu emprego para casos selecionados, como por exemplo, em pacientes hipercolesterolenêmicos possa ser o maior trunfo desta terapia.
COMENTÁRIOS FINAIS
A surdez súbita está bem definida e conceituada como uma surdez sensorioneural de instalação abrupta com etiologia não definida. Seu diagnóstico apesar de parecer fácil, deve ser cuidadosamente investigado. Uma série de afecções, com etiologias bem específicas, podem desencadear um quadro de perda súbita de audição. Ao simularem um quadro de surdez idiopática, mascaram o diagnóstico preciso e, retardam, desta forma, o tratamento adequado. O exemplo clássico desta situação é o schwannoma do vestibular, que desencadeia, em cerca de 12% a 22% dos pacientes com o tumor, uma perda súbita de audição. A ressonância magnética, ou mesmo a angio ressonância se impõem como exames cada vez mais indispensáveis, na pesquisa do diagnóstico diferencial de um paciente acometido pela surdez súbita.
É inegável a preocupação e insegurança que o médico otorrinolaringologista sente ao se deparar com um caso de surdez súbita de diagnóstico inicial. A gravidade da situação e a freqüente irreversibilidade da surdez, por si só, já justificam a insegurança do médico e do paciente. Por se tratar de uma afecção de baixa incidência, poucos são os especialistas que têm uma vivência maior com o manuseio e tratamento de um paciente com surdez súbita. A incerteza da etiopatogenia e as inúmeras opções de tratamento disponíveis finalizam uma situação com difíceis tomadas de decisões. Na maioria das vezes, um tratamento ambulatorial com corticóides e vasodilatadores é prescrito, por ser de fácil aplicação e baixo custo. Perde-se, portanto, a oportunidade de individualizar cada caso com suas prováveis situações e comemorativos específicos, que poderiam levar a tratamentos diferenciados e mais voltados a suas mais prováveis etiopatogenias.
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1 Médico do Seviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. 2 Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Endereço para Correspondência: Rua Jerônimo da Veiga, 164 conj. 9A São Paulo SP 04536-000 Artigo recebido em 19 de agosto de 2003. Artigo aceito em 20 de novembro de 2003.
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