INTRODUÇÃOOs cistos ósseos aneurismáticos são lesões benignas, localmente agressivas, que ocorrem em qualquer local do esqueleto, sendo raramente encontradas no crânio. No osso temporal, estudos de imagem mostram uma massa heterogênea extracerebral, que provoca erosão óssea. A causa permanece desconhecida. Alguns relatos sugerem a importância de um componente hereditário na etiologia da doença. Esta lesão pode ser observada em qualquer faixa etária, mas predomina dos 10 aos 20 anos de idade. A distinção dos cistos ósseos aneurismáticos para certos tumores ósseos benignos ou malignos requer técnicas de imagem e um patologista experiente. O comportamento biológico heterogêneo do cisto ósseo aneurismático e a característica de ocorrer no esqueleto em crescimento, faz com que muitas vezes sejam necessários várias modalidades de procedimentos cirúrgicos com vistas à ressecção e reconstrução. Em vista do pouco conhecimento de sua etiologia, diagnóstico e tratamento, apresentamos o relato de um cisto ósseo aneurismático em topografia de mastóide, localização rara neste tipo de lesão, com poucos casos até então descritos na literatura mundial.
REVISÃO DA LITERATURAO cisto ósseo aneurismático é uma lesão osteolítica, expansiva, não-neoplásica, consistindo de espaços preenchidos por sangue, de tamanhos variados que são separados por septações de tecido conectivo, contendo trabéculas ósseas ou de tecido osteóide e células gigantes osteoclásticas, segundo a Organização Mundial de Saúde. O cisto ósseo aneurismático foi descrito, inicialmente, por Jaffe e Lichtenstein em 1942, que o estudaram separadamente das outras lesões císticas solitárias, estabelecendo critérios diagnósticos. Epidemiologicamente, estas lesões compreendem 1 a 2% de todos os tumores ósseos primários. Qualquer parte do esqueleto pode ser acometida, sendo observado o predomínio por ossos longos e vértebras. Incide raramente em cabeça e pescoço (2,5 a 6%), sendo a maxila e a mandíbula os sítios mais envolvidos1, 2, 3, 4, 5. O envolvimento do osso temporal é extremamente raro, com somente 10 casos relatados na literatura.
O cisto ósseo aneurismático usualmente acomete jovens e, em 90% dos casos, menores de 20 anos, não tendo sido observada diferença quanto à prevalência por sexo7. Apesar de não ser considerado neoplasia maligna, o cisto ósseo aneurismático cresce rapidamente e pode regredir espontaneamente. Segundo revisão da literatura realizada por Park et al., a cefaléia foi o sintoma mais comum. Os sintomas estão relacionados com a localização da lesão. Os sintomas que envolviam o osso temporal incluíam perda auditiva, paresia do nervo facial, otorréia e otalgia. Em alguns casos pode ser percebida uma massa palpável, que geralmente é de consistência amolecida. Na primeira fase de desenvolvimento da lesão ocorre osteólise e elevação do periósteo. Na segunda fase, ocorre destruição óssea e, na terceira fase, a ossificação progressiva. A etiologia e a patofisiologia permanecem obscuras. Alguns autores sugerem ser uma lesão primária, resultando de uma trombose venosa ou aneurisma arteriovenoso. A teoria mais amplamente aceita é a de que uma lesão primária óssea inicia a formação de uma fístula arteriovenosa óssea, a qual, então, cria um cisto ósseo aneurismático.
Outros autores acreditam que o cisto ósseo aneurismático seja secundário a um trauma ou patologia óssea preexistente.
O cisto ósseo aneurismático é identificado nos exames de imagem por apresentar um padrão radiológico sugestivo, porém, as alterações são inespecíficas para o diagnóstico definitivo. O Rx de crânio apresenta uma lesão com características radiológicas chamadas "bolha de sabão," radiolucente, expansível, uniloculada ou multiloculada, delimitada por um revestimento ósseo delgado, que também é visível na tomografia computadorizada. Um achado característico na tomografia computadorizada, embora inconstante, é a presença de nível líquido horizontal separando um compartimento líquido superior de um compartimento líquido-sanguinolento inferior. Em vista do exposto, o diagnóstico definitivo requer confirmação pelo exame histopatológico.
Embora o colesteatoma, o granuloma de colesterol ou a histiocitose X sejam freqüentemente concebidos, o cisto ósseo aneurismático faz parte do diagnóstico diferencial entre as lesões em osso temporal que deveriam ser consideradas pelo Otorrinolaringologista. O diagnóstico diferencial do cisto ósseo aneurismático com as lesões libro-ósseas benignas incluem o tumor de células gigantes, o granuloma de células gigantes, o tumor marrom do hiperparatireoidismo primário ou secundário (osteíte fibrosa cística), as lesões inflamatórias e a displasia fibrosa. A história e os achados radiográficos são determinantes para o diagnóstico diferencial com lesões inflamatórias tais como displasia fibrosa, colesteatoma ou granuloma de colesterol. Os níveis séricos de cálcio e hormônio paratireoideo normais excluem a possibilidade de tumor marrom.
O tratamento de escolha é a ressecção cirúrgica. A recorrência está diretamente relacionada à ressecção prévia incompleta5. Para lesões inacessíveis cirurgicamente, lesão residual e doença recorrente, alguns autores recomendam radioterapia. A radioterapia deve ser de alta energia com baixa dose de radiação (500 rads), para diminuir o risco de sarcoma induzido pela radiação, principalmente em crianças e jovens. Há referência de que a recorrência após a radioterapia é menor que após cirurgia. A técnica de crioterapia foi relatada com baixos índices de recorrência, entretanto, a experiência desta técnica com a patologia em questão é limitada e o procedimento pode expor estruturas vitais como o nervo facial, o labirinto, e a cóclea a risco. Há relato da tentativa de embolização com estrogênio conjugado através da artéria carótida externa, da suspeita fístula arteriovenosa em paciente com diagnóstico presuntivo de cisto ósseo aneurismático, porém estudos sobre esta técnica são escassos.
O follow-up prolongado é decisivo no resultado final do tratamento, principalmente para crianças e adolescentes, considerando que o cisto ósseo aneurismático tende a recidivar mais freqüentemente durante a fase de crescimento do esqueleto.
APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICOHDA
Paciente de 15 anos, feminina, branca, solteira, estudante, natural e procedente de Porto Alegre, consulta em 15/10/93, referindo aumento de volume retroauricular em topografia de mastóide à esquerda, progressivo, com evolução de dois anos, notável no último afio. Apresentou, neste período, episódio isolado de dor intensa retroauricular.
HF
Enxaqueca, rinite alérgica, litíase renal e patologia da coluna (não soube determinar qual).
EXAME FÍSICO
Lesão em topografia de mastóide à esquerda, tipo massa expansível, lisa, contornos regulares, de consistência amolecida, depressível e dolorosa à palpação com discreta hiperemia. Otoscopia e acumetria normais.
Foto 1. (Inspeção externa): Abaulamento retroauricular, consistencia elástica e bordos bem definidos.
Foto 2. (Rx de mastóide): Lesão expansiva em topografia de mastóide esquerda provocando erosão óssea e destruição dos septos intercelulares.
Foto 3 a, b, c. (TC de osso temporal): lesão lítica, expansiva, paredes finas, com características de cisto ósseo aneurismático. Há estenose do conduto auditivo externo deste lado. Cavidades timpânicas, cadeia ossicular e membrana timpânica estão preservadas. Conduto auditivo interno normal.
EXAMES COMPLEMENTARES
Rx de mastóide: volumosa área de erosão esquerda com destruição dos septos intercelulares, formando cavidade única. Não atinge o ático.
CT de ouvidos: volumosa área lítica, expansiva, com paredes finas, na mastóide esquerda com características de cisto ósseo aneurismático. Este processo provoca meato acústico externo desse lado. As cavidades timpânicas, a cadeia ossicular e a membrana do tímpano estão preservados. Os meatos acústicos internos são simétricos e não apresentam anormalidades.
Foto 4. (Segunda intervenção-transoperatório): Exérese de cisto gigante com conteúdo líquido e hemorrágico.
Audiometria Tonal e Vocal: limiares auditivos dentro da normalidade.
Em outubro de 1993, a paciente foi submetida à ressecção da lesão, que no infra-operatório apresentou aspecto sugestivo de mucocele. O aspecto macroscópico da lesão era de tecido de forma irregular, com coágulos aderidos, medindo 3 x 2 x 1,7 cm. Ao corte, o tecido era de coloração amarelo-cinzentada com áreas hemorrágicas e com calcificações interiormente. O diagnóstico histopatológico foi de cisto ósseo aneurismático. A cirurgia e o pós-operatório transcorreram sem complicações. A paciente compareceu a consultas periódicas (a cada seis meses), permanecendo assintomática e com exame otorrinolaringológico normal. Em maio de 2000, a paciente veio à consulta com queixas de dor e aumento de volume progressivo retroauricular ipsilateral à lesão anterior, e com características clínicas e exame otorrinolaringológico semelhantes ao apresentado em 1993. Os achados na tomografia computadorizada de crânio com ênfase em ossos temporais foram sugestivos de recidiva da lesão. Em julho de 2000 foi realizado o procedimento de reintervenção cirúrgica com exérese de lesão de aspecto cístico com conteúdo líquido. A hemostasia foi realizada com surgical e gelfoam. A paciente recebeu alta em 24hs com antibioticoterania. No pós-operatório, apresentou hematoma da ferida operatória, tendo sido submetida a diversas punções terapêuticas com boa evolução. Atualmente, permanece em acompanhamento de seis em seis meses. Na última consulta de revisão, em março de 2001, a paciente estava assintomática, sem sinais ou sintomas de recidiva da lesão.
CONSIDERAÇÕES FINAISO cisto ósseo aneurismático é uma lesão rara, especialmente em se tratando da localização temporal. O diagnóstico desta patologia é muitas vezes um desafio para o otorrinolaringologista, já que vários procedimentos cirúrgicos podem ser necessários para obter uma amostra adequada da lesão e chegar ao diagnóstico definitivo. Ao avaliar tais pacientes, é preciso ter conhecimento e alto índice de suspeição para fazer o diagnóstico e proporcionar ao paciente o tratamento correto com ressecção completa da lesão, evitando recidiva.
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1 Professor Titular do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital São Lucas da PUCRS.
2 Médicas Residentes do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital São Lucas da PUCRS.
3 Médica Otorrinolaringologista de Porto Alegre.
4 Médica estagiária do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital São Lucas da PUCRS.
Trabalho desenvolvido no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital São Lucas da PUCRS. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre -Brasil.
Endereço para correspondência: Débora de Carvalho Garcia. Rua Regente n.240, B. Bela Vista, Porto Alegre, Brasil. Fone (0xx51) 33 31 22 48. Email: deboraorl@hotmail.com
Trabalho apresentado no Congresso Sul Brasileiro de Otorrinolaringologia em Foz do Iguaçu, de 24 à 26 de Maio de 2001, como tema livre e sob a forma de pôster.
Artigo recebido em 20 de setembro de 2001. Artigo aceito em 29 de outubro de 2001.