ISSN 1806-9312  
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3005 - Vol. 68 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 2002
Seção: Artigos Originais Páginas: 874 a 881
Análises das emissões otoacústicas transitórias em lactentes com e sem indicador de risco para deficiência auditiva
Autor(es):
Priscila Denzin 1,
Renata M. M. Carvalho 2,
Carla G. Matas 2

Palavras-chave: emissões otoacústicas, neonatos de risco, avaliação da audição

Keywords: otoacoustic emissions, neonates with risk indicators, hearing evaluation

Resumo: Objetivo: O estudo teve como objetivo analisar os resultados obtidos nas emissões otoacústicas transitórias em lactentes com e sem indicador de risco para deficiência auditiva. Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e método: Participaram do estudo dois grupos de lactentes, o primeiro formado por 22 lactentes com um ou mais indicadores de risco auditivo, com idade pós-concepcional variando entre 08 e 65 dias de vida e o segundo formado por 22 lactentes sem qualquer indicador de risco auditivo, com idade pós-concepcional variando entre 07 e 30 dias de vida, todos nascidos no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. Resultado: O desempenho em emissões otoacústicas transitórias teve como parâmetros de avaliação a reprodutibilidade das ondas A-B, a amplitude da resposta geral e a amplitude da relação sinal/ruído por banda de freqüências, por orelha testada. Conclusão: Concluímos que os lactentes com indicador de risco auditivo apresentaram uma performance inferior em emissões otoacústicas, quando comparados aos lactentes do grupo sem indicador de risco.

Abstract: Aim: This study aimed to verify the transient otoacoustic emissions responses in infants with and without risk indicators for hearing loss. Study design: Clinical prospective. Material and method: A sample of 44 infants participated of the study: 22 infants post-conceptual aged between 08 and 65 days of life with one or more risk indicators, and 22 infants with post-conceptual ages between 07 and 30 days of life with no risk indicators. All of them were born on University Hospital of the São Paulo University. Results: The performance on otoacoustic emissions was based on parameters of reproducibility of A-B curves, signal/noise amplitude by frequency bands and response for each ear tested. Conclusion: We concluded that infants with risk indicators presented poorer performance in comparison with no risk infants.

INTRODUÇÃO

A detecção de alterações auditivas de origem coclear utilizando o registro das Emissões Otoacústicas Evocadas consiste em um método relativamente rápido, simples, não invasivo e que pode ser realizado em qualquer faixa etária, ressaltando-se neste trabalho sua aplicação com lactentes.

O fenômeno da produção de sons pela cóclea está relacionado ao processo de micromecânica coclear, sugerindo a existência de um componente mecanicamente ativo, acoplado à membrana basilar, através do qual ocorre o processo reverso de transdução de energia sonora. Esta propriedade é atribuída às células ciliadas externas e é controlada através das vias auditivas eferentes (Oliveira, 1993; Lopes Filho & Carlos, 1996). Com isso, as emissões otoacústicas têm também efetiva importância durante a avaliação audiológica central, pois permitem o diagnóstico diferencial de patologias cocleares e retrococleares através da utilização da supressão contralateral e ipsilateral (Denzin, 1999; Eckley, 1996; Hood, 1993; Durante & Carvallo, 2001).

As emissões otoacústicas podem ser classificadas em: espontâneas (medidas na ausência de estimulação acústica) e as evocadas que são subdivididas em: transitória, estímulo-freqüência e produto de distorção (Kemp, 1978).

Para este estudo, utilizou-se o registro das emissões otoacústicas transitórias por ser um método extremamente rápido, que consiste no posicionamento de uma sonda (contendo gerador de estímulos e um microfone) na entrada do meato acústico externo. O estímulo sonoro ("click") percorre a orelha média e a cóclea, e estando esta com suas funções preservadas, emitirá um "eco" em sentido contrário, o qual será captado pelo microfone no conduto auditivo externo, lembrando que este método não quantifica a deficiência auditiva, porém detecta sua presença (Kemp et al., 1986; Probst et al., 1991).

A prevalência de deficiência auditiva em neonatos aparentemente normais é avaliada em 1:1000, mas cresce espantosamente para 1:50 em recém-nascidos de alto risco (Mhel & Thomson, 1998). O diagnóstico precoce em crianças é desejável, preferencialmente nos primeiros 6 meses de vida, considerando as alterações irreversíveis do processo de aquisição e desenvolvimento de linguagem e das habilidades cognitivas que poderão ocorrerem função desta deficiência quando tardiamente detectada.

Os neonatos oferecem os melhores pré-requisitos para o teste, por serem facilmente acessíveis, além de estarem inativos e quietos por longos períodos. Com isso, objetivou-se nesta pesquisa a análise das emissões = acústicas transitórias em lactentes com e sem indicador de risco para deficiência auditiva, segundo a "Joint Committee on Infant Hearing" (1994) e utilizou-se para a fundamentação teórica aos autores que seguem:

Kemp (1978) ao registrar as emissões otoacústicas no conduto auditivo externo, afirmou que estas são classificadas basicamente em dois tipos: as espontâneas, que podem ser captadas no conduto auditivo externo sem que haja nenhum estímulo acústico, e as evocadas, que surgem após a apresentação de um som. Afirma que as emissões otoacústicas são energias produzidas na cóclea podendo ser liberadas espontaneamente ou em conseqüência a estímulos sonoros.

Previc (1991) descreveu uma teoria cujo princípio básico sugere que a lateralização cerebral em humanos é conseqüência da assimetria no desenvolvimento pré-natal da orelha e do labirinto. Tal assimetria manifesta-se por uma ligeira vantagem da sensibilidade monoaural direita, presumivelmente derivada de uma melhor condução da orelha média. Segundo o autor, é possível que essas assimetrias determinem a lateralidade auditiva. Com isso, a origem da vantagem da orelha direita estaria relacionada à maior sensibilidade monoaural da orelha direita para sons entre 1000 e 6000Hz.

Probst et al. (1991): Especificamente com relação à orelha média, dizem que para que as emissões otoacústicas possam ser captadas no conduto auditivo externo, é fundamental que a energia vibratória possa ser conduzida em maneira reversa, da cóclea através da cadeia ossicular para a membrana timpânica onde é transformada em sinal acústico.

Kok et al. (1992), num estudo com 1036 orelhas de recém-nascidos saudáveis, avaliados entre 3 e 238 horas de vida, numa sala silenciosa, registraram uma amplitude média de 21,9 dB NPS e uma reprodutibilidade maior nos recém-nascidos com mais horas de vida.
Oliveira (1993) relacionou a origem das emissões otoacústicas ao mecanismo ativo da cóclea, especialmente aquele relacionado às células ciliadas externas que, embora não funcionem como receptores cocleares, pois não codificam a mensagem sonora, têm capacidade de contração rápida e lenta, funcionando como efetores cocleares ativos uma vez que ao liberarem energia mecânica durante as contrações rápidas se tornam responsáveis pelas emissões otoacústicas.

Smurzyinski et al. (1993) ao testarem dois grupos de recém-nascidos termo e pré-termo verificaram uma amplitude média de 19,0 dB NPS no grupo de termo e relatam ainda que os valores de amplitude geral do grupo pré-termo com risco para deficiência auditiva foi menor que os valores do grupo termo.

A "Joint Committee on Infant Hearing" (1994) publicou os indicadores de risco para deficiência auditiva sensório-neural ou condutiva em recém-nascidos quando não houver a possibilidade de triagem universal: história familiar de deficiência auditiva sensório-neural congênita ou de aparecimento tardio; infecções congênitas associadas ou com suspeita de associação com deficiência auditiva sensório-neural, tais como: toxoplasmose, sífilis, rubéola, citomegalovírus e herpes; anomalias craniofaciais incluindo alterações morfológicas do pavilhão e do conduto auditivo externo; peso ao nascimento inferior a 1500 gr; hiperbilirrubinemia com níveis excedendo a indicação de exsangüíneotransfusão; medicação ototóxica incluindo mas não se limitando aos aminoglicosídeos usados em combinação com diuréticos de alça; meningite bacteriana; anóxia severa ao nascimento que pode incluir Apgar de 0 a 4 no primeiro minuto e de 0 a 6 no quinto minuto; ventilação mecânica por cinco ou mais dias; sinais ou outros achados associados com síndromes que possam estar relacionadas à perda auditiva sensório-neural.

Aidan, Lucek, El-Bez, Lestang, Parrat, Pascu, Avan & Bonfils (1995), ao realizarem um estudo com 254 recém-nascidos a termo, sem intercorrências, verificaram que a amplitude geral média das Emissões Otoacústicas Transitórias, registrada na orelha direita (21,05 dB NPS) foi estatisticamente superior àquela registrada na orelha esquerda (19,54 dB NPS).

Silva et al. (1995) ao estudarem a etiologia da surdez em 1160 pacientes em um período de quatro anos, obtiveram a seguinte freqüência de ocorrência: indeterminados (30%), rubéola (21%), anóxia de parto (12%), prematuridade (8%), ototóxicos (10%), genéticos (60/0), hiperbilirrubinemia (0,8%), meningite (9%), outros (3,2%). Concluíram que grande parcela dos casos de deficiência auditiva tem sua etiologia relacionada a intercorrências no período perinatal, justificando, com isso, a importância dos programas de detecção precoce das deficiências auditivas.

Lopes Filho & Carlos (1996) descreveram que as teorias mais recentes relacionam a origem das emissões otoacústicas ao mecanismo ativo da cóclea, especialmente aqueles relacionados às células ciliadas externas. Definem emissões otoacústicas como sendo respostas de energia de audiofreqüência da cóclea com origem nas células ciliadas externas e que podem então ser captadas por um pequeno microfone no conduto auditivo externo em resposta a estímulos em forma de "click". Para que as emissões sejam captadas no conduto auditivo externo é absolutamente necessário que o conjunto tímpano ossicular esteja totalmente normal, ou seja, qualquer alteração na orelha média provoca alteração da amplitude das respostas a serem observadas.

Aidan et al. (1997), num estudo com 582 recémnascidos com risco auditivo, verificaram que a amplitude média das emissões otoacústicas transientes foram de 21.75 dB NPS. Com relação a prevalência de orelha obtiveram uma diferença estatisticamente significante entre a orelha direita (22,4 dB NPS) e a orelha esquerda (21 dB NPS). Também observaram uma diferença estatisticamente significante entre o sexo masculino (21,4 dB NPS) e o sexo feminino (22,1 dB NPS).

Newmark et al. (1997) aplicaram as Emissões Otoacústicas Transitórias em 120 recém-nascidos a termo e observaram, entre outras coisas, uma amplitude geral significantemente maior na orelha direita para ambos os sexos. Segundo os autores, estas diferenças interaurais sugerem assimetria na inibição coclear eferente.

Basseto et al. (1998) ao discutir sobre os indicadores de risco para deficiência auditiva proposto pela "Joint Committee on Infant Hearing" (1994), alerta que qualquer recém-nascido que apresentar um ou mais indicadores de risco deve ser triado antes da alta hospitalar e no máximo, até o terceiro mês de idade. Afirma ainda que o programa de triagem depende da eficácia dos procedimentos. Sugere a realização de emissões otoacústicas evocadas, potencial evocado de tronco encefálico e audiometria de observação comportamental pois, os três métodos exploram formas diferentes de reação auditiva.

Costa & Costa Filho (1998) relatam que grande parte dos recém-nascidos pré-termo tende a apresentar intercorrências clínicas importantes, além de serem mais susceptíveis a episódios de hipóxia. Ao realizarem um estudo com 36 recém-nascidos pré-termo (37 a 44 semanas de idade conceptual), utilizando o teste de emissões otoacústicas evocadas, não encontraram diferença significativa entre as orelhas direita e esquerda ou diferenças entre os sexos, considerando os resultados da reprodutibilidade das ondas A e B e respostas por intensidade de freqüência. Verificaram ainda que as respostas cocleares em recém-nascidos pré-termo têm seus maiores valores entre a freqüências de 3000Hz e 5000Kz.

Mehl & Thomson (1998), num estudo envolvendo 41.796 crianças, num período de dois anos, utilizando como testes as emissões otoacústicas transitórias e o potencial evocado de tronco encefálico, obtiveram uma freqüência de perda auditiva congênita bilateral de 1 para cada 500 nascimentos com uma sensibilidade da triagem em recém-nascidos de aproximadamente 100%. Concluíram, então, que a triagem auditiva universal é possível, benéfica, e justificada, pela freqüência da doença, a precisão dos testes de triagem, a habilidade para prover intervenção cedo, os resultados melhorados atribuídos a amplificação precoce vale na prevenção de custos de intervenções futuras. Além disso, a incidência de perda de audição congênita bilateral é muitas vezes maior que a incidência combinada de todos os testes executados em amostras de sangue em recém-nascidos.

Morlet et al. (1998) realizaram um trabalho com 1531 neonatos de risco utilizando as emissões otoacústicas transitórias e o potencial evocado de tronco encefálico (em caso de suspeita de perda auditiva). Em seus resultados, 88.9% dos recém-nascidos obtiveram resultado normal, e a perda bilateral foi diagnostica em 58 casos e unilateral em 26 casos.

Soares et al. (1998) estudaram o padrão de respostas de recém-nascidos com e sem risco auditivo para emissões otoacústicas, observação comportamental e medidas de imitância acústica e ao compararem os resultados verificaram que houve compatibilidade de 100% entre as três triagens no grupo de recém-nascidos sem risco auditivo. Já no grupo com risco auditivo foram identificadas duas crianças com deficiência sensório-neural moderada. Observaram ainda uma amplitude média de 18,5 dBNPS e reprodutibilidade média de 86,4% no grupo de risco.

Paludetti et al. (1999), ao realizar a triagem auditiva universal em recém-nascidos utilizando como testes as emissões otoacústicas transitórias e o potencial evocado de tronco encefálico (nos casos que falharam na triagem), obtiveram como resultado uma amplitude de 21.49 dB SPL na orelha direita e 21.78 dB SPL na relha esquerda nas emissões otoacústicas onde 77.2% das orelhas testadas passaram no teste à primeira gravação e 22,8% falharam. Concluíram então, que o registro das emissões otoacústicas transientes é o teste de escolha para a triagem universal, porém reforçam a importância de uma maior padronização de critérios, execução e avaliação dos resultados.

Rhee et al. (1999), preocupados com o topodiagnóstico da lesão auditiva e com a testagem da confiabilidade das emissões otoacústicas transientes, os autores realizaram um estudo com 11 neonatos que sofreram transfusão total de sangue por hiperbilirrubinemia. Utilizaram na avaliação audiológica as emissões otoacústicas transitórias è o potencial evocado de tronco encefálico. Observaram em seus resultados que todos os bebês passaram nas emissões otoacústicas, porém quatro obtiveram resultados alterados ou ausência de resposta no potencial evocado de tronco encefálico. Concluíram, então, que os resultados indicam que o local de lesão da perda auditiva causada por hiperbilirrubinemia pode estar na região retrococlear, enquanto a cóclea permanece intacta e que as emissões otoacústicas podem ter limitações na avaliação da audição de neonatos com hiperbilirrubinemia.

Vallejo et al. (1999) ao realizarem um estudo com recém-nascidos com e sem risco auditivo menores de 12 meses verificaram que a amplitude das emissões otoacústicas transitórias foi menor no grupo com risco auditivo e a presença de emissões ocorreu em maior porcentagem no grupo sem risco auditivo. Obtiveram no grupo com risco uma amplitude média de 16,8 dBNPS e no grupo sem risco uma amplitude média de 21,6 dBNPS. Concluíram, então, que o risco auditivo influenciou na incidência de apresentação e nas amplitudes das emissões otoacústicas transitórias.

MATERIAL E MÉTODO

O estudo foi realizado no Centro de Docência e Pesquisa da Universidade de São Paulo (CDP-USP), no período de setembro a dezembro de 2000, tendo sido aprovado pela Comissão de Pesquisa do Departamento sob Protocolo 202/02.

1. Material

Participaram do estudo dois grupos, o primeiro formado por 22 lactentes com um ou mais indicadores de risco auditivo, nascidos no Hospital Universitário de Universidade de São Paulo, com idade pós-concepcional variando entre 08 e 65 dias de vida, sendo 09 do sexo feminino e 13 do sexo masculino e o segundo formado por 22 lactentes sem qualquer indicador de risco auditivo nascidos no Hospital Universitário de Universidade de São Paulo, com idade pós-concepcional variando entre 07 e 30 dias de vida, sendo 13 do sexo feminino e 09 do sexo masculino.

Em função do longo período de internação e esperando as melhores condições dos lactentes nascidos com algum indicador de risco, a realização da avaliação auditiva através das emissões otoacústicas ocorreu após 28 dias de vida pós-concepcional, com isso passamos a considerar como lactentes (29 dias a 2 anos) os sujeitos analisados (Matas, 1998).

Os critérios de inclusão foram: ausência de comprometimentos neurológicos, ausência de alteração do Sistema Tímpano-Ossicular, portador ou não de no mínimo um indicador de risco para deficiência auditiva (Joint Committee on Infant Hearing, 1994).

A participação no estudo foi voluntária, confirmada por assinatura dos pais em Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

2. Equipamentos

Para a realização da pesquisa das Emissões Otoacústicas Transitórias utilizou-se o equipamento da IL088-4.2 OAE Analyser System Otodynamic conectado a um microcomputador PC-486 e sonda para recém-nascidos com oliva esterilizada na extremidade para vedamento do meato acústico externo (MAE). Realizou-se a observação dos seguintes parâmetros: amplitude geral das respostas, reprodutibilidade das ondas A e B, estabilidade da sonda e amplitude das respostas das freqüências de 0,8Hz, 1,6KHz, 2,4KHz, 3,2KHz e 4,0KHz da orelha direita e esquerda separadamente.

3. Método

Pesquisa das Emissões Otoacústicas Transientes:

Para obtenção de melhores resultados o lactente foi mantido em sono profundo no colo do cuidador dentro de cabina acústica. As emissões foram captadas inicialmente na orelha esquerda e em seguida na orelha direita. Foram observadas as condições técnicas do equipamento, estabilidade da sonda no conduto auditivo externo, características do estímulo a ser apresentado, utilização do recurso "Quickscreen" e ausência de ruídos ambientais durante a avaliação.

Todos os cuidadores receberam orientação quanto à observação do comportamento auditivo dos lactentes e nos casos onde observou-se ausência de emissões otoacústicas transitórias, foram orientados à retornarem para acompanhamento.

Os resultados obtidos foram anotados em um protocolo (Anexo 1), para posterior análise e comparação.

A análise estatística foi realizada através do teste t de student" para comparação da influência da variável grupo (com e sem risco) sobre os parâmetros sob estudo. Foi aceito o nível de significância de 5% (ou 0.05) para rejeição da hipótese de nulidade.
RESULTADOS

Foi possível verificar a ocorrência das emissões otoacústicas transitórias por orelha testada e estabelecer comparações entre a amplitude geral das respostas, reprodutibilidade das ondas A e B, estabilidade da sonda e amplitude das respostas das freqüências de 0,8Hz, 1,6KHz, 2,4KHz, 3,2KHz e 4,0KHz, além da existência ou não de diferenças expressivas entre as orelhas testadas (direita e esquerda).



Anexo 1. Protocolo de Avaliação Audiológica


Caracterização da Amostra

No Gráfico 1 é apresentada a distribuição dos lactentes em função do sexo, entre os grupos com e sem indicador de risco auditivo e observou-se, no grupo com risco auditivo, 09 neonatos do sexo feminino e 13 do sexo masculino e, no grupo sem risco auditivo, 13 neonatos do sexo feminino e 09 do sexo masculino.

Em relação à idade observou-se que nos dois grupos houve um predomínio entre 11 e 30 dias de vida na realização do exame, porém o grupo com indicador de risco para deficiência auditiva teve ainda um grande número de lactentes acima de 30 dias na data do exame. (Tabela 1)

Resultados obtidos nas Emissões Otoacústicas Transitórias

O Gráfico 2 mostra a média da amplitude geral de resposta da orelha direita em relação à orelha esquerda (separadamente) no grupo de lactentes com e sem indicador de risco para deficiência auditiva, onde é possível observar que no grupo com indicador de risco a amplitude foi maior na orelha direita (12,99 dB) em relação à orelha esquerda (12,45 dB). O mesmo predomínio foi observado no grupo sem indicador de risco, sendo 21,72 dB para orelha direita e 18,58 dB para orelha esquerda.

O Gráfico 3 mostra a distribuição da amplitude geral em dB das respostas comparando os grupos de lactentes com e sem risco para deficiência auditiva, onde observa-se claramente a diferença entre as respostas entre os grupos com e sem indicador de risco auditivo, com tendência a amplitudes em nível de intensidade mais baixa no grupo com indicadores de risco.

O Gráfico 4 refere-se à média em dB mais ou menos o desvio padrão da amplitude geral da resposta nos grupos de lactentes com e sem risco auditivo, tendo sido possível verificar uma diferença significante (p < 0,01) entre os grupos. O grupo com indicador de risco apresenta respostas inferiores ao grupo sem indicador de risco, ou seja, a média de amplitude de respostas do grupo sem indicador de risco auditivo é superior à média + 1 desvio padrão do grupo com indicador de risco.



Gráfico 1. Lactentes em função do sexo



Gráfico 2. Média em dB da amplitude geral de resposta da orelha direita em relação à orelha esquerda no grupo de lactentes com e sem indicador de risco para deficiência auditiva.



Gráfico 3. Distribuição da amplitude, em dB, da resposta de Emissões Otoacústicas Transitórias em lactentes sem e com risco para deficiência auditiva.



Gráfico 4. Comparação entre amplitudes de resposta de Emissões Otoacústicas Transitórias nos grupos de lactentes com e sem risco para deficiência auditiva


Tabela 1. Lactentes em função da idade



Tabela 2. Comparação da média dos parâmetros: reprodutibilidade e estabilidade por orelha e entre os grupos com e sem indicador de risco



Comparando a reprodutibilidade das ondas A e B e a estabilidade da sonda no meato acústico externo por orelha e entre os dois grupos é possível observar na Tabela 2 que no grupo com indicador de risco a reprodutibilidade na orelha direita foi de 77,1% e na orelha esquerda 75,68%, e a estabilidade foi de 92.68% na orelha direita e na orelha esquerda 84,18%. No segundo grupo, sem indicador de risco, tem-se 92,86% de reprodutibilidade à direita e 91,40% à esquerda e com relação à estabilidade tem-se 89,27% à direita e 89,22% à esquerda.

A amplitude das respostas por freqüência testada nas emissões otoacústicas transitórias entre as orelhas direita e esquerda no grupo com indicador de risco auditivo é mostrada na Tabela 3, possibilitando observar a amplitude maior nas freqüências acima de 1,6KHz com pico em 2,4 e 3,2 KHz.

Na Tabela 4 é mostrada a amplitude das respostas por freqüência testada nas emissões otoacústicas transitórias entre as orelhas direita e esquerda no grupo sem indicador de risco auditivo onde observa-se uma diferença significante da orelha direita sobre a esquerda (p < 0,05) na freqüência de 3.2 KHz. Na Tabela 5 temos os indicadores de risco auditivo em relação aos lactentes: infecções congênitas (9%), anomalias crânio-faciais (18%), peso inferior a 1500 gr (14%), hiperbilirrubinemia (5%), meningite bacteriana (9%), anóxia neonatal severa (23%), ventilação mecânica (9%), PIG e GIG (27%).

Ressaltamos, ainda, que no grupo com risco auditivo encontramos ausência de respostas em 7 das 46 orelhas testadas. Já no grupo sem indicador de risco nenhum lactente falhou na testagem.


Tabela 3. Amplitude por freqüência das Emissões Otoacústicas Transitórias entre as orelhas direita e esquerda no grupo com indicador de risco auditivo.



Tabela 4. Amplitude por freqüência das Emissões Otoacústicas Transitórias entre as orelhas direita e esquerda no grupo sem indicados de risco auditivo.



Tabela 5. Indicadores de risco em relação aos lactentes.



DISCUSSÃO

O Gráfico 1 e a Tabela 1 mostram que não houve um predomínio de sexo em nenhum dos grupos de lactentes, porém em relação à idade pós-concepcional observa-se claramente que, no grupo com indicador de risco, o exame foi realizado em alguns lactentes após 30 dias de vida, fato este que se justifica pelo longo período de internação devido às condições de nascimento. Apesar disso, foi possível seguir a orientação de Bassetto (1998) para a realização da triagem até 3 meses de vida em todos os lactentes, permitindo então a detecção precoce e o acompanhamento adequado dos casos alterados.

Os resultados da média da amplitude geral de resposta para cada orelha nos grupos com e sem risco auditivo são observados no Gráfico 2. Essas respostas mostram uma amplitude menor do grupo com indicador de risco em relação ao grupo sem risco, fato este que vem de encontro com os achados de Vallejo (1999). Especificamente no grupo sem risco temos uma amplitude geral de resposta das orelhas direita e esquerda de 21,72 e 18,58 respectivamente, valores aproximados aos achados de Paludetti (1999) e Vallejo (1999).

No grupo de lactentes com risco auditivo obtivemos uma amplitude geral de respostas maior na orelha direita em relação à orelha esquerda, e resultados semelhantes foram observados no estudo de Aidan et al. (1997).

Os resultados descritos nos Gráficos 3 e 4 mostram uma amplitude maior de respostas do grupo sem indicador de risco quando comparado ao outro grupo, tanto na descrição das respostas como em suas médias acrescidas do desvio padrão. Estudos realizados por Kok et al. (1992) mostram amplitudes similares no grupo sem risco. Smurzyinski et al. (1993) encontraram diferença entre os grupos de recém-nascidos sendo que respostas menores foram obtidas no grupo com risco para deficiência auditiva.

Estudos realizados por Aidan et al. (1995) e Newmark et al. (1997) indicam uma amplitude de respostas maior na orelha direita em relação a orelha esquerda. Achado este encontrado em nossa pesquisa na freqüência de 3.2 kHz no grupo sem indicador de risco auditivo. Previc (1991) em sua pesquisa busca justificar o predomínio da orelha em função do desenvolvimento pré-natal.

Na Tabela 2 observa-se uma maior reprodutibilidade dos exames feitos no grupo sem indicador de risco em relação ao outro grupo, ou seja, os valores de amplitude geral do grupo sem indicador de risco são maiores, assim como os valores de reprodutibilidade das ondas a e A e B, o contrário ocorre no grupo com risco. Em relação à estabilidade da sonda, esse resultado não se repete, nos dois grupos as porcentagens de estabilidade excederam 70%, podendo-se considerar que os exames foram realizados em condições favoráveis. Resultados similares foram encontrados no estudo de Soares (1998).

Nas Tabelas 3 e 4 observamos a amplitude específica por freqüência onde verificamos um pico de maior amplitude na região de 2.4 kHz e 3.2 kHz, sendo que a presença maior de respostas ocorreu em todas as freqüências acima de 1.6 kHz.

Os indicadores de risco para deficiência auditiva descritos na Tabela 5 mostram uma grande freqüência de ocorrência de anóxia neonatal e PIG e GIG, achados semelhantes foram obtidos nos estudos de Silva et al. (1995). Esses resultados mostram que grande parte dos indicadores ocorre no período peri-natal justificando a importância da realização da triagem auditiva neonatal.

Ressaltamos, ainda, que os lactentes com fissura lábio-palatina obtiveram ausência de emissões otoacústicas bilateralmente, resultado este que reafirma os descritos de Lopes Filho & Carlos (1996) e Probst et al. (1991) que relatam a participação da orelha média no registro das emissões otoacústicas.

CONCLUSÕES

Através da análise dos resultados obtidos durante a realização desta pesquisa, pode-se concluir que os lactentes com indicador de risco auditivo apresentaram uma performance inferior em comparação aos lactentes do grupo sem indicador de risco, no exame de emissões otoacústicas transientes, no que se refere aos parâmetros de reprodutibilidade das ondas A e B, amplitude geral e amplitude específica de resposta por orelha testada.

O exame de emissões otoacústicas transitórias apresenta importância significativa no diagnóstico de perdas auditivas em neonatos, com isso, acreditamos que esse exame deva fazer parte do programa de avaliação auditiva principalmente de recém-nascidos de alto risco, juntamente com os exames de potencial evocado de tronco encefálico, audiometria de observação comportamental e imitanciometria.

O acompanhamento do desenvolvimento auditivo dos neonatos com indicador de risco auditivo deve ser considerado, apesar da presença de emissões otoacústicas na primeira testagem, tendo em vista o fato deste exame avaliar, especificamente, a função coclear.

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1 Fonoaudióloga Especialista em Audiologia Clínica pela Universidade de São Paulo.
2 Professora Doutora do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Centro de Docência e Pesquisa da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Rua Borda do Campo, 274 Jardim do Mar
São Bernardo do Campo SP 09750-230
Tel (0xx11) 4330-7609 - Fax (0xx11) 4122-3227 - E-mail: pdenzin@bol.com.br
Artigo recebido em 16 de agosto de 2002. Artigo aceito em 17 de outubro de 2002.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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