ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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3001 - Vol. 68 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 2002
Seção: Artigos Originais Páginas: 839 a 849
O zumbido como instrumento de estudo das conexões centrais e da plasticidade do sistema auditivo
Autor(es):
Tanit G. Sanchez 1,
Maria C. Lorenzi 2,
Ana L. Brandão 3,
Ricardo F. Bento 4

Palavras-chave: zumbido, neuroplasticidade, modulação somática, vias auditivas

Keywords: tinnitus, neural plasticity, somatic modulation, auditory pathways

Resumo: A plasticidade do sistema nervoso permite a existência de modificações funcionais nas conexões entre dois ou mais centros nervosos, reforçando ou atenuando as informações carreadas entre eles. O estudo das vias auditivas centrais e de suas conexões é um ponto chave para elucidar os fatores que determinam a percepção dos sons e sua modulação. Estudos recentes evidenciaram conexões importantes das vias auditivas centrais com o sistema somatossensorial, sendo o zumbido um importante instrumento de avaliação destas conexões, uma vez que pode sofrer modulação. Objetivo: Avaliar a influência do sistema somatossensorial na via auditiva por meio da modulação e do aparecimento do zumbido durante contrações musculares, além de estabelecer os fatores de risco para esta modulação. Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e método: Foi delineado um estudo caso-controle com 121 pacientes com zumbido e 100 voluntários normais pareados por sexo e idade, submetidos a 16 manobras de contração muscular da cabeça e pescoço e dos membros por 5 segundos cada. Para tentar estabelecer os possíveis fatores de risco, os pacientes foram avaliados quanto à audiometria tonal, diagnóstico etiológico e sintomas de disfunção do aparelho mastigador. Resultados: Houve diferença estatisticamente significativa entre a capacidade de modular o zumbido (65,3%) e a de originá-lo (14,0%) durante as contrações. Entretanto, nenhum dos fatores estudados foi determinante na capacidade de modulação. Conclusões: A modulação do zumbido pela ativação do sistema somatossensorial é um achado surpreendentemente freqüente. O estudo aprofundado dos seus mecanismos de modulação parece ser um importante instrumento de demonstração da expressão da plasticidade do sistema auditivo.

Abstract: The plasticity of the central nervous system allows functional rearrangement of the information carried between two or more centers, reinforcing or attenuating this information. Studying the central auditory pathways is fundamental for elucidation of die determinant factors upon sound perception and its modulation. Recent studies brought to light some important connections of the central auditory pathways and the somatosensory system. In this context, tinnitus represents an important tool in the evaluation of these connections once it can undergo modulation. Aim: To evaluate die influence of the somatosensory system upon the auditory system by studying tinnitus modulation (in patients) and genesis (in normal subjects) during muscle contractions, trying to establish risk factors to this phenomenon. Study design: Clinical prospective. Material and method: 121 consecutive patients with tinnitus and 100 healthy volunteers without tinnitus were studied. After the medical history and ENT exam, each subject underwent 16 different muscle contractions (head and neck and limbs) for 5 seconds each. In order to establish some risk factors, they were evaluated according to the audiometric pattern, well-defined etiologic diagnosis and symptoms of craniomandibular disorders. Results: There was a significant difference between die ability to modulate tinnitus (65,3%) and the ability to originate it in asymptomatic subjects (14,0%). Furthermore, die audiometric pattern, die presence of an etiologic diagnosis and the presence of craniomandibular disorders were not determinant factors for the ability of modulating tinnitus. Conclusions: Tinnitus modulation by the activation of the somatosensory system is overwhelmingly frequent. Further knowledge of die concerned mechanisms is necessary, once tinnitus modulation may be expression of the auditory and central neural plasticity.

INTRODUÇÃO

O conceito de neuroplasticidade refere-se à propriedade que o sistema nervoso apresenta de sofrer alterações funcionais mais ou menos persistentes em sua circuitaria1. Para isso, é necessário admitir que possam ocorrer modificações morfofuncionais entre as conexões envolvendo pelo menos dois centros nervosos.

Ao longo da vida, a troca de informações entre os centros nervosos vai sofrendo modificações, podendo ser reforçada ou atenuada. Não se trata exatamente de aumentar ou diminuir o número de elementos celulares (neurônios) envolvidos em cada via nervosa, mas sim de reforçar ou atenuar o número e/ou a potência das conexões sinápticas envolvidas na troca de informações entre esses dois centros.

Vários mecanismos de modulação sináptica estão envolvidos na expressão da neuroplasticidade, dentre eles a sensibilização e a habituação. Ambos já foram bem estudados na lesma marinha Aplysia californica, pois a simplicidade de seu sistema nervoso central permitiu essa comprovação2. Em condições normais, estímulos tácteis aplicados ao sifão deste pequeno animal provocam reação reflexa de retirada da brânquia para dentro da concha. O fenômeno da habituação envolve a supressão aprendida da resposta a estímulos repetidos, desde que esses estímulos sejam considerados inócuos, o que provoca uma diminuição na potência entre as conexões previamente existentes e reduz a efetividade da resposta. No exemplo da lesma, toques repetidos e suaves (inócuos) resultam na diminuição gradativa deste reflexo de retirada, que pode até mesmo ser abolido depois de algumas sessões, evidenciando a supressão aprendida de resposta. Por outro lado, a sensibilização envolve o aprendizado de uma resposta mais efetiva, determinada pela exposição a estímulos nocivos que ativam também um grupo de interneurônios facilitadores. Assim, a mesma lesma pode apresentar reflexos de retirada da brânquia cada vez mais potentes e efetivos ao toque do sifão após a aplicação de um pequeno choque elétrico em sua cauda. Com esse exemplo simples podemos perceber que a atividade sináptica em um ou mais circuitos neuronais pode ser alterada na dependência do tipo de estímulo recebido, exemplificando o conceito de neuroplasticidade.

Talvez o melhor exemplo de expressão da plasticidade na via auditiva seja o zumbido. Considerado como uma atividade neuronal excitatória que pode ser originada em qualquer ponto da via auditiva (geralmente na periferia), o zumbido pode sofrer sensibilização ou habituação na dependência das associações que serão feitas entre a via auditiva e outros centros do sistema nervoso central. Esse mecanismo já foi muito bem descrito em teoria pelo modelo neurofisiológico do zumbido3, pelo qual o zumbido só passa a causar incômodo e sofrimento quando o indivíduo o associa a um estímulo nocivo. Esse fato seria suficiente para promover a ativação de outras estruturas nervosas, como o sistema límbico e o sistema nervoso autônomo. Em nossa interpretação, as correlações entre esses centros nervosos provavelmente sempre existiram do ponto de vista anatômico, mas só foram reforçadas para a informação do zumbido quando este passou a significar um estímulo nocivo (sensibilização). A aplicabilidade clínica do modelo neurofisiológico resultou em um tratamento conhecido por Tinnitus Retraining nerapy (TRT), que nada mais é do que a associação de orientações específicas e da exposição do indivíduo a sons baixos, neutros e contínuos (estímulo inócuo) por tempo prolongado, com o objetivo de diminuir a resposta que o zumbido provoca no córtex auditivo (habituação)3.

As estruturas que formam as vias auditivas já foram anatomicamente bem determinadas, embora nem todas as correlações anátomo-fisiológicas entre elas tenham sido totalmente elucidadas. Muitos detalhes sobre as vias auditivas centrais precisam ser ainda compreendidos, especialmente os fatores que determinam a percepção dos sons e sua modulação. Recentemente, alguns estudos mostraram evidências diretas ou indiretas de conexões importantes das vias auditivas centrais com outros sistemas (visual, sensitivo ë somatossensorial), sendo o zumbido quase sempre o instrumento desta avaliação, uma vez que pode ser modulado por diversos estímulos4-6, como veremos posteriormente.

Sob o ponto de vista clínico, uma dessas associações foi inicialmente estabelecida por Levine em 1999, ao descrever que 68% dos indivíduos com zumbido podiam modulá-lo com contrações musculares rápidas de cabeça e pescoço7. Com isso, notou-se uma evidência clínica da conexão entre as vias auditivas centrais e o sistema somatossensorial, ativado por meio das contrações musculares. O substrato anatômico para essa correlação já havia sido descrito por Wright; Ryugo em 1996, demonstrando uma grande projeção excitatória de fibras nervosas dos núcleos grácil e cuneiforme (via somatossensorial central) para o núcleo coclear dorsal (via auditiva central)8. Assim, durante o percurso do zumbido em direção ao córtex auditivo, a ascensão da informação muscular pelo sistema somatossensorial poderia provocar uma influência temporária na percepção do zumbido, justificando sua modulação.

Com base nesses dados, a confirmação da hipótese de que o zumbido pode ser modulado ou originado pela estimulação do sistema somatossensorial (através de contrações musculares) contribuiria para elucidar parcialmente as complexas conexões entre as vias auditivas e outras vias centrais. A escassa literatura específica, a surpreendente freqüência de modulação somática do zumbido encontrada por Levine e sua possível aplicação prática no tratamento serviram de coadjuvantes para motivar a realização deste estudo. O objetivo principal deste trabalho é avaliar a influência de contrações de músculos de cabeça e pescoço e de membros no zumbido, estudando-se:

a. prevalência de indivíduos com zumbido que podem modulá-lo (grupo experimental);

b. prevalência de indivíduos normais que podem originá-lo (grupo controle);

c. proporção de alterações (modulação e aparecimento) provocadas pela contração da musculatura da cabeça e pescoço comparada às provocadas pela musculatura dos membros.

O objetivo secundário do estudo foi estabelecer possíveis fatores de risco para a modulação do zumbido, comparando-se os dados de pacientes com e sem audiometria tonal normal, diagnóstico etiológico definido e sintomas de disfunção do aparelho mastigador.
CASUÍSTICA E MÉTODO

Foi delineado um estudo caso-controle, avaliando-se pacientes com e sem zumbido no período de julho de 2000 a abril de 2001. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Análise de Projetos de Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAPPesq) em junho de 2000.

A. Grupo experimental (Ge)

Foi inicialmente formado um grupo composto por 121 pacientes consecutivamente atendidos no Grupo de Zumbido da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP. Desses, 77 (63,6%) eram do sexo feminino e 44 (36,4%) do masculino. A idade variou de 11 a 80 anos, com média de 51.78 e mediana de 52 anos.

Os critérios de inclusão no Ge foram: pacientes com zumbido constante uni ou bilateral, de qualquer sexo e idade, cientes da pesquisa através da assinatura do termo de consentimento pós-informação. Foram excluídos os pacientes impossibilitados, por qualquer motivo, de compreender as orientações fornecidas (retardo mental ou outras doenças neurológicas, doenças psiquiátricas, surdez profunda bilateral não reabilitada pelo método oral, etc), de realizar as manobras de contração voluntária (trismo, doenças neurológicas ou musculares, etc) ou de informar sobre o efeito das referidas manobras no aparecimento ou na modulação do zumbido (afasia, mudez, etc).

Cada paciente do grupo experimental foi submetido à avaliação rotineira estabelecida pelo serviço (anamnese detalhada e exame otorrinolaringológico e audiológico completos?, seguida de 16 manobras de contração voluntária de músculos da cabeça e pescoço e de membros, mantidas por 5 segundos cada, conforme descrito por Levine7. Tais manobras foram realizadas em ambiente silencioso, porém sem isolamento acústico:

I: oclusão forçada da mandíbula

II: contraposição à pressão em occipício com cabeça em posição neutra

III: contraposição à pressão na fronte com cabeça em posição neutra

IV: contraposição à pressão no vértex com cabeça em posição neutra

V: contraposição à pressão na mandíbula (boca fechada)

VI: contraposição à pressão na têmpora direita

VII: contraposição à pressão na têmpora esquerda

VIII: rotação da cabeça para direita com oposição sobre o zigoma direito

IX: rotação da cabeça para esquerda com oposição sobre o zigoma esquerdo

X: cruzamento dos dedos das duas mãos, empurrando-os para longe do corpo

XI: abdução do ombro direito contra resistência

XII: abdução do ombro esquerdo contra resistência

XIII: flexão da coxa direita

XIV: flexão da coxa esquerda

XV: abdução das coxas

XVI: adução das coxas

Para estabelecer os possíveis fatores de risco da modulação do zumbido, os pacientes do grupo experimental fortim ainda divididos em 3 pares de subgrupos, comparando-se as respectivas porcentagens de ocorrência desse fenômeno:

1. subgrupo de pacientes com e sem audiometria tonal normal

2. subgrupo de pacientes com e sem diagnóstico etiológico definido

3. subgrupo de pacientes com e sem sintomas de disfunção do aparelho mastigador

Para identificação da etiologia do zumbido, foram realizados os seguintes exames adotados como rotina no serviço: 1. audiometria tonal e impedanciometria; 2. exames laboratoriais: hemograma, glicemia de jejum, colesterol total e frações, triglicérides, T3, T4 e TSH, reação sorológica para sífilis. Ocasionalmente, de acordo com a suspeita, são solicitados exames de auto-imunidade, curva glicêmica e insulinêmica de 3 horas ou reação sorológica para doença de Lyme.; 3. radiologia: tomografia computadorizada de ossos temporais ou ressonância magnética de ouvido interno e encéfalo.

Para a avaliação dos sintomas de disfunção do aparelho mastigador, foram analisados: 1. dados de história de bruxismo, cefaléia, estalidos à abertura da boca e presença de hábitos bucais (colocação de objetos na boca, mascar chiclete, roer unhas, etc); 2. dados de ex4me físico: sensibilidade à palpação dos músculos da mastigação e crepitação da articulação temporomandibular durante a abertura e o fechamento da boca.

B. Grupo controle (Gc)

A seguir, procedeu-se a formação de um grupo controle formado por 100 voluntários sem zumbido, com audição normal ou disacusia neurossesorial leve, pareados por sexo e idade com o grupo de estudo, igualmente cientes da pesquisa pelo consentimento pós-informação. Os critérios de exclusão foram os mesmos adotados para o grupo experimental.

Cada indivíduo foi submetido às mesmas 16 manobras de contração muscular do grupo experimental e à avaliação da disfunção do aparelho mastigador, porém sem realizar os demais exames.

Dos 100 pacientes do grupo controle, 57 (57%) eram do sexo feminino e 43 (43%) do masculino. A idade variou de 19 a 80 anos, com média de 48,27 e mediana de 46 anos.

Os dados foram analisados da seguinte maneira:

1. Porcentagem de indivíduos do Ge que modulam o zumbido durante uma ou mais manobras de contração muscular, avaliando-se a freqüência de aumento ou diminuição do zumbido, ou ainda, de alteração na sua qualidade.

2. Porcentagem de indivíduos do Gc que podem originar zumbido temporariamente durante uma ou mais manobras de contração muscular.

3. Comparação da prevalência de modulação e aparecimento de zumbido entre Ge e Gc, através do teste t para proporções.

4. Proporção de modulação (Ge) e de aparecimento (Gc) do zumbido provocados pela contração da musculatura da cabeça e pescoço comparada aos provocados pela musculatura dos membros, utilizando-se os intervalos de confiança de 95%.

5. Risco relativo (RR) de desenvolvimento de zumbido nos indivíduos normais com capacidade de originar zumbido com as contrações musculares, através da Razão de Odd (OR).

6. Relação entre a modulação do zumbido e a presença ou ausência de audiometria tonal normal, através do teste qui-quadrado.

7. Relação entre a modulação do zumbido e a presença ou ausência de um diagnóstico etiológico definido, através do teste qui-quadrado.

8. Relação entre a modulação do zumbido e a presença ou ausência de sintomas de disfunção do aparelho mastigador, através do teste qui-quadrado.

O nível de significância considerado foi de a < 0.05, como preconizado para ensaios biológicos.

RESULTADOS

1. Porcentagem de indivíduos do grupo de estudo que modulam o zumbido durante uma ou mais manobras de contração muscular voluntária, avaliando-se a freqüência de aumento ou diminuição do zumbido, ou ainda, de alteração na sua qualidade.

Análise por pacientes:

Dos 121 indivíduos do grupo de estudo, 79 (65,3%) referiram modulação do zumbido com as manobras de contração muscular voluntária e 42 (34,7%) mantiveram o zumbido inalterado (Figura 1). Dos 79 indivíduos com alguma modulação, 43 (54,4%) sempre apresentaram aumento do zumbido, 11 (13,9%) sempre apresentaram diminuição, 21 (26,6%) apresentaram tanto aumento como diminuição nas diversas manobras e os restantes 4 pacientes (5,1%) modularam apenas a qualidade do zumbido, e não sua intensidade.

Dentre os pacientes que apresentaram modulação do sintoma, 16 (20,3%) o fizeram apenas em uma manobra, 19 (24,1%) em duas manobras e 44 (55,7%) em três ou mais manobras.

Dos 121 pacientes, 55 (45,5%) apresentavam zumbido bilateral e, destes, 39 (70,9%) modularam o zumbido. Do mesmo modo, 66 pacientes (54,5%) apresentavam zumbido unilateral, sendo que 40 (60,6%) o modularam. Assim, não houve diferença significativa na capacidade de modulação do zumbido entre pacientes com zumbido uni ou bilateral.

A análise por sexo pode ser observada na Tabela I. Considerando-se apenas a população masculina, 72,7% dos pacientes apresentaram modulação do zumbido por manobras de contração muscular diversas; já entre as mulheres, esse fenômeno esteve presente em 61,0% dos casos. Não houve diferença estatisticamente significativa na modulação do zumbido entre homens e mulheres (0,10 < p < 0,20).



Figura 1. Modulação do zumbido após contrações musculares no Ge (n=121)


Tabela I. Tabela de contingência para o estudo da modulação do zumbido em ambos os sexos no Ge




Figura 2. Distribuição dos dados de modulação somática do zumbido por manobra



Figura 3. Aparecimento do zumbido durante contrações musculares no Gc (n = 100)


Tabela II. Tabela de contingência para o estudo da gênese do zumbido em ambos os sexos no Gc



Análise por manobras:

A maior freqüência de modulação do zumbido ocorreu com as manobras V (contraposição à pressão na mandíbula de boca fechada) e VII (contraposição à pressão na têmpora esquerda), sendo seguidas, em ordem decrescente, por: VI (contraposição à pressão na têmpora direita), II (contraposição à pressão em occipício com cabeça em posição neutra), IV (contraposição à pressão no vértex com cabeça em posição neutra), XIII (flexão da coxa direita), XV (abdução das coxas), VIII (rotação da cabeça para direita com oposição sobre o zigoma direito), X (cruzamento dos dedos das duas mãos, empurrando-os para longe do corpo), XVI (adução das coxas), IX (rotação da cabeça para esquerda com oposição sobre o zigoma esquerdo), XII (abdução do ombro esquerdo contra resistência), XIV (flexão da coxa esquerda), I (oclusão forçada da mandíbula), III (contraposição à pressão na fronte com cabeça em posição neutra), XI (abdução do ombro direito contra resistência).

Nenhuma manobra foi sempre uniforme no efeito sobre o zumbido nos diversos pacientes; todas (100%) provocaram aumento do sintoma em alguns e diminuição em outros (Figura 2).

2. Porcentagem de indivíduos do grupo controle que podem originar zumbido temporariamente durante uma ou mais manobras de contração muscular voluntária.

Análise por pacientes:

Dos 100 indivíduos do grupo controle, apenas 14 (14,0%) originaram a percepção do zumbido com as manobras de contração muscular voluntária (Figura 3).

A análise separada por sexo mostrou que este fenômeno ocorreu em 8,0% dos indivíduos do sexo masculino e em 6,0% dos de sexo feminino (Tabela II). Também não houve significância estatística para a diferença observada (0,20 < p (0,30).

Análise por manobras:

A maior freqüência de aparecimento do zumbido ocorreu com as manobras I (oclusão forçada), VIII (rotação da cabeça para a direita com oposição sobre o zigoma direito) e IX (rotação da cabeça para a esquerda com oposição sobre o zigoma esquerdo). A seguir, por ordem decrescente de freqüência, vieram as manobras: IV (contraposição à pressão no vértex com cabeça em posição neutra), V (contraposição à pressão na mandíbula de boca fechada), VI (contraposição à pressão na têmpora direita), VII (contraposição à pressão na têmpora esquerda), XV (abdução das coxas), III (contraposição à pressão na fronte com cabeça em posição neutra), X (cruzamento dos dedos das duas mãos, empurrando-os para longe do corpo), XVI (adução das coxas), II (contraposição à pressão em occipício com cabeça em posição neutra), XII (abdução do ombro esquerdo contra resistência), XIII (flexão da coxa direita), XIV (flexão da coxa esquerda), XI (abdução,.lo ombro direito contra resistência).

3. Comparação da prevalência de modulação ou aparecimento de zumbido entre Ge e Gc.

Houve diferença estatisticamente significativa entre a capacidade de pacientes do grupo experimental em modular o zumbido (65,3%) e a de indivíduos assintomáticos do grupo controle em originar zumbido (14,0%), sendo p < 0,01.

4. Proporção de modulação (Ge) e de aparecimento (Gc) de zumbido provocados pela contração da musculatura da cabeça e pescoço comparada aos provocados pela musculatura dos membros.

No grupo experimental, a modulação do zumbido com as manobras da musculatura de cabeça e pescoço ocorreu em 74 pacientes (61,2%; IC(95) = 52,6 a 69,8%) e com a dos membros, em 46 (38,0%; IC(95) = 29,4 a 46,6%). A análise dos intervalos de confiança de 95% mostra diferença estatisticamente significativa entre os resultados obtidos para ambos os tipos de contração muscular.

No grupo controle, os resultados não foram diferentes: dos 14 voluntários (14,0%; IC(95) = 7,1 a 20,9%) que elicitaram o aparecimento de zumbido, todos fizeram-no através da musculatura de cabeça e pescoço, enquanto apenas 4 deles (4,0%; IC(95) = 0 a 8,0%) o fizeram novamente com a dos membros (Tabela III). A análise dos intervalos de confiança de 95% também mostra diferença estatisticamente significativa entre os resultados obtidos para os 2 tipos de contração muscular.

5. Risco relativo (RR) de desenvolvimento de zumbido nos indivíduos normais com capacidade de originar zumbido com as contrações musculares.

Os dados da exposição ao fator "capacidade de gerar zumbido a partir de contrações musculares voluntárias", observando-se o risco que esta capacidade representa para o desenvolvimento do sintoma zumbido, podem ser observados na Tabela IV.


Tabela III. Avaliação da efetividade da contração de grupos musculares de cabeça e pescoço e dos membros na modulação e no aparecimento do zumbido.




Tabela IV. Dados relativos à razão de Odd (OR) para o desenvolvimento do sintoma zumbido, dada a capacidade de gerar zumbido a partir de contrações musculares voluntárias.


A razão de Odd (Odds ratio, OR) para aparecimento/ modulação de zumbido neste caso foi calculada em 11,19, significando que um paciente portador de zumbido apresenta uma chance 11 vezes superior a um indivíduo normal de modular/gerar zumbido a partir de contrações musculares. Com isso, estima-se um elevado risco relativo de desenvolvimento de zumbido nos indivíduos normais capazes de gerar zumbido a partir de contrações musculares voluntárias.

6. Relação entre a modulação do zumbido e a presença ou ausência de audiometria tonal normal.

A análise da audiometria tonal mostrou a presença de resultados alterados em 116 dos 121 pacientes do Ge (95,9%), estando normal em apenas 5 (4,1%). Considerando-se apenas os 116 portadores de alterações audiométricas, houve modulação do zumbido em 76 indivíduos (65,5%). Do mesmo modo, entre os 5 com audiometria normal, 3 (60%) apresentaram modulação do zumbido.

A presença de alterações audiométricas não se mostrou fator determinante na capacidade de modular o zumbido corri as contrações musculares propostas, uma vez que o teste exato de Fisher não mostrou diferença significativa na distribuição da capacidade de modulação conforme o padrão audiométrico observado (p= 0,34).

7. Relação entre a modulação do zumbido e a presença ou ausência de diagnóstico etiológico definido.

A análise do diagnóstico etiológico mostrou a presença de etiologia definida em 84 dos 121 pacientes do Ge (69,4%), sendo os restantes 37 (30,6%) considerados como zumbido idiopático. Considerando-se apenas os 84 indivíduos com etiologia definida, houve modulação do zumbido em 52 indivíduos (61,9%). Do mesmo modo, entre os 37 com zumbido idiopático, 27 (73,0%) apresentaram modulação do zumbido.

A definição ou não da etiologia do zumbido não foi um fator determinante na capacidade de modular o zumbido através das contrações musculares, uma vez que o teste do qui-quadrado não mostrou diferença significativa na distribuição da capacidade de modulação conforme presença ou ausência de diagnóstico etiológico definido (0,20 < p < 0,30).

8. Relação entre a modulação do zumbido e a presença ou ausência de sintomas de disfunção do aparelho mastigador.

Os sintomas de disfunção do aparelho mastigador estavam presentes em 68 dos 121 pacientes do Ge (56,2%), dos quais 46 modularam o zumbido (67,6%). Entre os 53 (43,8%) sem esses sintomas, 33 (62,3%) apresentaram modulação do zumbido. Não houve diferença estatisticamente significativa entre pacientes com e sem sintomas de disfunção do aparelho mastigador quanto à capacidade de modular o zumbido (p > 0,50).

DISCUSSÃO

O zumbido afeta cerca de 15% da população9. Pode ser causado por inúmeras afecções, sejam elas otológicas, metabólicas, neurológicas, cardiovasculares, farmacológicas, odontológicas e psicológicas, as quais, por sua vez, podem estar presentes concomitantemente no mesmo indivíduo. 10, 15

Freqüentemente a presença do zumbido torna-se um fator de grande repercussão negativa na vida do indivíduo, dificultando seu sono, sua concentração nas atividades diárias e profissionais, sua vida social e, muitas vezes, alterando sobremaneira seu equilíbrio emocional, acarretando estados de ansiedade e depressão10-15. Sua fisiopatologia é bastante complexa e ainda não foi completamente elucidada, o que compromete parcialmente o avanço do seu tratamento. Portanto, contribuições para desvendar os mistérios que envolvem o zumbido são extremamente válidas por possibilitarem avanços no seu tratamento e o melhor conhecimento sobre as vias auditivas e suas importantes conexões centrais.

A. Relações entre o sistema auditivo e outros sistemas

Um dos poucos consensos na literatura a respeito do zumbido é o de que ele resulta de uma atividade neuronal aberrante dentro das vias auditivas, geralmente de natureza excitatória3, 16, 17, que passa a ser erroneamente interpretada como um som no córtex auditivo. Assim, o estudo da geração, percepção e modulação do zumbido pode esclarecer melhor o funcionamento da própria via auditiva, assim como das suas relações com outros sistemas não auditivos.

Uma seqüência de estudos recentes contribuiu muito para reforçar a existência de outros sistemas interferindo na modulação do zumbido. Após a desaferentação unilateral total da via auditiva e vestibular concomitantemente, foram demonstradas 3 formas distintas de zumbido que podem ser originados ou modulados por meio de aferências sensitivas da pele da mão (cutaneous-evoked tinnitus CET), pela visão (gaze-evoked tinnitus - GET) ou por movimentos de dedo (finger-evoked tinnitus-FET).

Cacace et al. (1999) relataram 2 casos de ablação total unilateral da via auditiva e vestibular durante neurocirurgia por tumor de base de crânio e fossa posterior. Ambos referiram o aparecimento de zumbido evocado pela estimulação cutânea da parte superior da mão e dos dedos ipsilateralmente à desaferentação. Assim, demonstraram uma forte evidência de conexões entre a via auditiva central e o sistema sensitivo através da estimulação cutânea de mãos e dedos18.

Lockwood et al. (2001) afirmam que o zumbido evocado pelo olhar lateral (GET) pode ocorrer cerca de 1 ano após desaferentação neural em cirurgia de tumores do ângulo pontocerebelar, sendo que 17 casos foram descritos até 2001. Com o objetivo de mapear os sítios centrais envolvidos no GET, os autores analisam o PET scan de 8 indivíduos com GET e de 7 voluntários normais pareados por sexo e idade. Identificam que as áreas ativadas apenas nesses indivíduos foram a região lateral da ponte ou o próprio córtex auditivo. No lado ipsilateral à surdez (ablação neural intra-operatória), notaram expansão das áreas corticais responsivas a tons puros dados na orelha normal, confirmando mais um exemplo de plasticidade do sistema nervoso central. Assim, concluíram que pacientes com GET após desaferentação total unilateral desenvolveram alterações plásticas que permitiram a estimulação da via auditiva pela atividade neural associada a movimentos oculares6.

Também em 2001, Cullington descreveu o caso de um senhor de 78 anos com disacusia neurossensorial severa e zumbido bilateral há cerca de 30 anos. Entretanto, há 2 anos o paciente notou um outro chiado adicional na orelha esquerda que apresentava uma nítida associação com o movimento do dedo médio da mão ipsilateral: somente aparecia durante o movimento desse dedo para cima e para ba&o, não havia sinais de fadiga e quanto mais rápido o movimento do dedo, maior a intensidade do zumbido4. Apesar desse paciente não ter sofrido ablação neural de espécie alguma, a surdez profunda de longa data pode ter sido o fator que estimulou a plasticidade neuronal do sistema nervoso central a ponto de formar conexões para regeneração com outros sistemas. O que não se sabe é se isso seria uma conexão apropriada, porém com papel desconhecido ou algo semelhante às sincinesias que podem ocorrer durante a regeneração do nervo facial. De qualquer modo, certamente espelham conexões das vias auditivas centrais que poderiam até já existir previamente do ponto de vista anatômico, mas que só teriam sido recrutadas para uso funcional em período recente.

B. Relação entre o sistema auditivo e somatossensorial justificando o fenômeno de modulação do zumbido

As vias auditivas são formadas por centros estruturalmente bem determinados, embora nem todas as correlações anátomo-fisiológicas entre eles tenham sido totalmente esclarecidas. O núcleo coclear é o primeiro núcleo central das vias auditivas e recebe informações das células sensoriais da cóclea através do nervo auditivo. Em um ponto mais alto da via auditiva, o sistema lemniscal envia as informações recebidas às áreas primárias da audição. Paralelamente, a porção extralemniscal das vias ascendentes também transmite uma informação auditiva que se projeta às áreas de associação19. Muitos neurônios do sistema extralemniscal recebem informação de outros tratos sensoriais, como por exemplo do sistema somatossensorial20, mostrando uma relação entre os dois sistemas21, 22.

Os núcleos cuneiforme e grácil formam juntos o núcleo medular dorsal, que ocupa uma posição no sistema somatossensorial análoga à do núcleo coclear no sistema auditivo, recebendo informações diretas da raiz dorsal que, por sua vez, recebe informações dos receptores proprioceptivos, táteis e vibratórios da superfície corpórea8. Dentro deste tópico, o núcleo cuneiforme lateral é o ponto de chegada das fibras aferentes do pescoço, do ouvido e dos músculos suboccipitais, que fornecem informações sobre a posição da cabeça e do pavilhão auditivo necessárias para processar a informação acústica8.

Esporadicamente alguns pacientes referem espontaneamente que seus zumbidos sofrem influência temporária de contrações musculares, como, por exemplo, do masséter ou do esternocleidomastoideo. Estudos recentes mostram que, quando questionados especificamente a este respeito, os pacientes com zumbido referem que este evento não é assim tão esporádico. Moller et al., em 1992, descreveram que quase 40% de seus pacientes apresentaram alguma modulação do zumbido com a estimulação do nervo mediano ipsilateral (aumento em 15% e redução em 23% dos casos)19. Segundo Rubinstein (1993), aproximadamente um terço dos pacientes apresentaram alteração do zumbido com movimentos ou pressão na articulação têmporo-mandibular23. Por fim, Levine (1999a) relatou que 68% dos pacientes apresentam algum tipo de modulação nas características do zumbido quando submetidos a diversas manobras de contração muscular envolvendo a musculatura de cabeça e pescoço e de membros7.

Partindo do princípio da existência de uma conexão recíproca entre o sistema auditivo e o somatossensorial, Wright e Ryugo (1996) comprovaram experimentalmente uma grande projeção do núcleo cuneiforme sobre o núcleo coclear, demonstrando a existência de terminações grandes, numerosas e ricas em glutamato, o que favorece a hipótese de uma estimulação excitatória sobre o núcleo coclears.

Como as contrações musculares são uma forma de ativação do sistema somatossensorial, esse vínculo anatômico entre os dois sistemas poderia justificar a influência que algumas contrações musculares voluntárias apresentam sobre determinados tipos de zumbido. Com base neste achado, Levine (1999a) submeteu 70 pacientes consecutivamente atendidos com zumbido a manobras de contração muscular voluntária da cabeça, pescoço e membros, chegando à surpreendente prevalência de 68% de indivíduos capazes de modular o zumbido durante essas contrações. Nosso estudo também alcançou resultados semelhantes (65,3%), mostrando que mais da metade dos pacientes que modulam referem sempre um aumento na intensidade do zumbido (54,4%), o que poderia ser justificado pelos achados anatômicos de Wright e Ryugo. Apesar destas características, que sugerem a existência de atividade neuronal excitatória do sistema somatossensorial sobre o auditivo, alguns estudos eletrofisiológicos em gatos sugeriram que o efeito final da ativação do núcleo cuneiforme poderia ser de inibição do núcleo coclear dorsal24, 25, justificando a diminuição na intensidade do zumbido verificada em alguns pacientes.

Embora nossos resultados relacionados à modulação do zumbido tenham sido semelhantes aos de Levine, eles são certamente maiores do que os de Moller et al.9 e Rubinstein23, que demonstraram sua presença em respectivamente 40% e 30% de seus casos. Entretanto, a forma de estimular o sistema somatossensorial foi diferente em cada estudo, uma vez que Moller et al. usaram a estimulação elétrica do nervo mediano e Rubinstein, movimentos ou pressão na articulação têmporo-mandibular. Assim, essa diferença deve ser interpretada com cautela.

A explicação definitiva para o fenômeno da modulação permanece controversa. Considerando-se que o zumbido resulta de uma atividade neuronal aberrante dentro das vias auditivas3, 16, 17, Levine sugere que os estímulos somáticos provenientes das contrações da musculatura de cabeça e pescoço podem, através de uma via polissináptica, desinibir o núcleo coclear dorsal ipsilateral7, gerando a atividade neuronal excitatória nas vias auditivas que resulta no zumbido (Figura 4).

A comparação dos achados entre os sexos não mostrou diferença significante com relação à prevalência da modulação e da gênese de zumbido durante as manobras, o que já era esperado do ponto de vista clínico.

Em nosso estudo foi incluído um grupo controle para estudar a possibilidade de originar zumbido em indivíduos normais, considerando-se que o fenômeno da gênese de zumbido nesses indivíduos seria a mesma expressão do fenômeno da modulação do zumbido em indivíduos sintomáticos. As manobras de cabeça e pescoço produziram maior efeito de modulação e aparecimento do zumbido do que as dos membros em ambos os grupos, concordando com os achados de Levine7, embora este autor não tenha realizado um grupo controle. Tanto a gênese de zumbido quanto a sua modulação provavelmente estariam relacionadas a uma maior interação anátomo-fisiológica entre as vias somáticas destas regiões e as vias auditivas ao nível do núcleo coclear dorsal. O fato da maioria dos indivíduos (55,7%) modularem o zumbido através de 3 ou mais manobras distintas de contração muscular reforça a possibilidade dessa riqueza de conexões entre os dois sistemas. Por outro lado, a própria neuroanatomia pode justificar a menor eficácia da contração dos músculos dos membros em desencadear os fenômenos estudados, uma vez que as conexões entre os dois sistemas no nível das extremidades seriam mais pobres do que as do nível cefálico. Uma outra possibilidade é a de que a contração da musculatura dos membros possa ativar concomitantemente outros grupos musculares do nível cefálico em alguns pacientes, facilitando o efeito da modulação/ aparecimento do zumbido nestes casos e dificultando-o em outros.



Figura 4. Diagrama mostrando a influência das vias somáticas nas vias auditivas, através do núcleo coclear dorsal.


Ao avaliarmos o grupo controle, observamos que 14% dos indivíduos previamente sem zumbido apresentaram a capacidade de originá-lo temporariamente durante as manobras de contração muscular, também preferencialmente através da musculatura de cabeça e pescoço. A possibilidade da desinibição do núcleo coclear ou a ocorrência de atividade excitatória nas vias auditivas por ativação das vias somáticas dessas regiões poderiam representar a base para sustentar este fato.

Assim, partindo-se da premissa de que a capacidade de originar zumbido (em indivíduos normais) e a de modulá-lo (em indivíduos com zumbido) sejam causadas pelo mesmo mecanismo, a capacidade de originar o zumbido (expressão de uma atividade de desinibição ou de excitação das vias somáticas sobre a auditiva) poderia representar um fator de risco para o futuro desenvolvimento do zumbido, de modo que nessa ocasião, o indivíduo passe a apresentar a capacidade de modulá-lo.

Por outro lado, a pequena porcentagem de aparecimento de zumbido neste grupo, assim como a falta de modulação do zumbido em cerca de um terço do grupo experimental, poderiam ser justificadas pela possível ativação inadequada dos grupos musculares capazes de interferir com o núcleo coclear7 ou pela incapacidade de perceber alterações sutis no som do zumbido por não estar em ambiente acusticamente isolado.

C. Fatores associados ao fenômeno da modulação

Como já dito anteriormente, a pesquisa de Levine mostrou que 68% de 70 pacientes apresentaram algum tipo de modulação nas características do zumbido, embora esses achados tenham ocorrido independentemente da etiologia do zumbido ou dos resultados audiométricos do paciente7. As manobras utilizadas em nosso trabalho foram as mesmas descritas por este autor e nossos dados, além de se igualarem no que diz respeito à prevalência da capacidade de modular o zumbido (65,3%), também o fizeram no tocante aos fatores de risco. Assim, também não encontramos relação da modulação do zumbido com os resultados audiométricos ou com a definição do diagnóstico etiológico.

Embora a perda auditiva seja um sintoma concomitante em 85 a 96% dos pacientes com zumbido5, 26, 29, várias questões ainda necessitam de respostas: por que alguns pacientes com a mesma perda auditiva desenvolvem zumbido e outros não? O que determina o momento em que o zumbido surge em indivíduos com perda auditiva progressiva? Por que pacientes com perda auditiva bilateral simétrica podem apresentar zumbido unilateral? Tentando responder essas perguntas, Levine propõe que o zumbido apresenta um componente somático7, pois de todos os sistemas sensoriais, o somatossensorial seria o único com possível relação com o zumbido, como pode ser visto em alguns pacientes com zumbido por disfunção do aparelho mastigador ou da articulação têmporo-mandibular ou ainda, em casos de lesão cervical por whiplash. Segundo este autor, algumas características do zumbido podem levantar a suspeita de um componente somatossensorial na sua origem, como por exemplo: a) a associação de uma lesão somatossensorial de cabeça e pescoço; b) a localização do zumbido ipsilateral à lesão somática; c) a ausência de sintomas vestibulares e de alterações no exame neurológico; d) a presença de zumbido unilateral com audiometria tonal simétrica bilateral, geralmente dentro dos limites da normalidade7.
Dada a elevada prevalência de modulação encontrada em ambos os estudos realizados de maneira criteriosa, acreditamos que esse possível componente somático realmente deva ser mais investigado, principalmente nos pacientes com uma disfunção do sistema somatossensorial ipsilateral ao zumbido. Embora concordemos que a audiometria tonal normal possa reforçar essa possibilidade, a presença de perda auditiva não parece excluir essa suspeita, uma vez que é plenamente possível que um indivíduo apresente zumbido desencadeado por lesões somáticas e uma perda auditiva por etiologia diferente.

Embora não haja relação direta com o tema estudado, foi interessante notas que, em relação ao diagnóstico etiológico, apenas 29,7°/o dos pacientes do grupo experimental apresentaram zumbido idiopático, fato que atribuímos à pesquisa sistemática adotada em nosso serviço a respeito dos prováveis diagnósticos etiológicos em cada caso. Entretanto, deve ficar claro que, de acordo com nossos resultados, é irrelevante a definição do diagnóstico etiológico para o fenômeno da modulação se manifestar. O importante seria descobrir quais os fatores predisponentes comuns a esses indivíduos, o que talvez possa ser explicado por características anatômicas ou funcionais da via auditiva e de suas conexões.

Em nosso trabalho, investigamos também a possível relação da capacidade de modulação do zumbido com a presença de sintomas de disfunção têmporo-mandibular, que também não foi comprovada. Entretanto, de acordo com a literatura, o espasmo dos músculos da mastigação30 ou a alteração da articulação têmporo-mandibular7, 23 poderiam originar ou potencializar um zumbido pré-existente. Rubinstein verificou que um terço dos pacientes com disfunção crânio-mandibular apresentava modulação do zumbido com movimentos mandibulares ou pressão na ATM23. Embora não justifique seus achados, o autor reforça a importância da relação entre zumbido e contração muscular inferindo que o médico que diz aos pacientes que não há nada que pode ser feito e que eles precisam aprender a conviver com o zumbido, podem estar contribuindo para um ciclo vicioso onde a tensão muscular aumenta e agrava o zumbido12, fato este com o qual concordamos integralmente.

A surpreendente prevalência elevada do fenômeno da modulação somática levanta a hipótese de que a mesma é uma propriedade característica dos indivíduos portadores de zumbido. Estudos futuros poderão determinar se esses pacientes poderiam se beneficiar com formas específicas de tratamento envolvendo principalmente a musculatura da cabeça e pescoço como fisioterapia, acupuntura, estimulação elétrica, entre outras. Assim, realçamos a importância da investigação mais abrangente do paciente com zumbido de um modo geral, buscando-se sinais sugestivos de modulação somatossensorial em particular.

CONCLUSÕES

O estudo aprofundado das características do zumbido pode ser um bom parâmetro de demonstração da plasticidade do sistema nervoso central e das conexões entre a via auditiva e outros sistemas. Neste estudo foi possível demonstrar evidências clínicas de interação entre as vias auditiva e somatossensorial,uma vez que a prevalência de indivíduos com zumbido que podem modulá-lo durante manobras de contração muscular voluntária foi surpreendentemente elevada (65,3%), com diferença significante em relação à prevalência de indivíduos normais que podem originá-lo durante as mesmas manobras (14%). Além disso, as manobras de contração envolvendo a musculatura de cabeça e pescoço foram mais eficazes em provocar a modulação e o aparecimento do zumbido do que as manobras com a musculatura dos membros, sugerindo a presença de mais conexões anatômicas entre os sistemas auditivo e sornatossensorial em nível cefálico do que em nível apendicular.

Por outro lado, a audiometria tonal normal, o diagnóstico etiológico definido e os sintomas de disfunção do aparelho mastigador não foram fatores determinantes na capacidade de modulação do zumbido.

AGRADECIMENTO

Os autores gostariam de agradecer à aluna Gaby Cecília Yupanque Guerra, médica radicada no Peru, pela importante participação em uma etapa prévia deste trabalho.

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1 Professora Colaboradora Doutora da Faculdade de Medicina da USP; Médica Assistente Doutora da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
2 Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP. Pesquisadora junto à Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
3 Estagiária da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
4 Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Endereço para correspondência: Dra. Tanit Ganz Sanchez - Rua Pedroso Alvarenga, 1255 cj. 27
Itaim Bibi São Paulo SP 04531-012
Tel (0xx11) 3167-6556 Fax (0xx11) 3079-6769 - E-mail: tanitgs@attglobal.net
Artigo recebido em 04 de setembro de 2002. Artigo aceito em 17 de outubro de 2002.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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