INTRODUÇÃOA voz é o mais importante meio de comunicação para o ser humano; possui características pessoais particulares mas deve soar agradável ao ouvinte. As lesões da prega vocal ocorrem geralmente em apenas uma de suas camadas' a maioria delas na cobertura, sendo as mais freqüentes os nódulos vocais, cistos e pólipos2, 3, 4. Estas alterações modificam a qualidade vocal e geralmente geram cansaço à fonação.
O nódulo vocal se caracteriza geralmente pela presença de lesão nodular bilateral que consiste de um espessamento da mucosa formando protuberância ligeiramente abaixo da margem livre das pregas vocais e apresenta tamanhos variados, podendo ser assimétrico2, 3. É a lesão mais freqüente5, 6 em geral causada pelo abuso vocal3, 5 em indivíduos que apresentam predisposição anatômica evidenciada pela proporção glótica reduzida7.
Os cistos epidermóides são alterações da estrutura da túnica mucosa e pertencem a um grupo de alterações denominadas alterações estruturais mínimas da cobertura (AEM) das pregas vocais8. As AEM abrangem desde simples variações anatômicas até malformações congênitas menores. O impacto clínico, quando presente, é restrito exclusivamente à fonação, sendo a disfonia conseqüente relacionada diretamente ao uso da voz e ao grau de alteração apresentada pelo indivíduo9.
O cisto epidermóide localiza-se na camada superficial da lâmina própria7, 10, 11 sendo freqüentemente ligado a fibras elásticas ou colágenas do ligamento vocal2, 10. Os cistos podem apresentar uma abertura que permite a saída do conteúdo espontaneamente e são denominados de cistos fistulizados2. Estes devem ser diferenciados dos sulcos vocais tipo bolsa2, 3, 8, 10, 12 que apresentam aberturas maiores e permanentes e uma depressão profunda na prega vocal, deixando uma cavidade em seu interior; a cavidade, de profundidade variável, é revestida de mucosa e neste caso as pregas vocais mostram-se mais volumosas e podem apresentar processo inflamatório sendo freqüentes as lesões secundárias associadas, causadas pelo trauma da bolsa durante a fonação.
As AEM podem apresentar aspecto característico2-5, 8, 11-13 permitindo o diagnóstico inclusive do tipo de alteração9. Dessa forma, o diagnóstico clínico das alterações vocais é cada vez mais preciso, a partir do grande avanço da tecnologia e dos estudos em laringoscopia. No entanto muitas vezes a definição entre nódulo vocal e AEM ou seu tipo é feita somente pela inspeção durante a cirurgia, pois principalmente os cistos e bolsas podem apresentar aspecto semelhante ao do nódulo sobretudo quando provocam espessamento contralateral6.
A laringe infantil difere da do adulto principalmente em relação à posição, consistência e forma6, 14. A proporção glótica (PG) tem valores inferiores aos encontrados no sexo feminino, o que a torna propensa como este à abertura posterior em fenda triangular; estas fendas, especificamente a fenda triangular médio posterior (FTMP) é encontrada como parte do quadro clínico do nódulo vocal (Fotos 1a e 1b). Na criança a FTMP ou triangular posterior é um achado que acompanha os baixos valores da PG, e pode também ser observada nos casos de cistos, especialmente se não houver tensão compensatória7 (Fotos 2a e 2b). Como a terapêutica das disfonias depende do diagnóstico preciso, realizado por exame clínico otorrinolaringológico com laringoscopia, é importante valorizarmos estes outros aspectos que acompanham estas formações nodulares.
Foto 1a. Telelaringoscopia de laringe de criança com nódulo vocal na inspiração: presença de nódulo em 1/3 médio da porção membranácea de ambas as pregas vocais, de aspecto fibrótico; ângulo de abertura pequeno.
Foto 1b. Telelaringoscopia de laringe de criança com nódulo vocal na fonação: fenda triangular médio posterior e discreta constricção de vestíbulo.
Foto 2a. Telelaringoscopia de laringe de criança com alteração estrutural mínima na inspiração: observar sulco estria menor bilateral com edema de lábio inferior; grande ângulo de abertura.
Foto 2b. Telelaringoscopia de laringe de criança com alteração estrutural mínima na fonação: fenda triangular posterior e constricção ântero-posterior de vestíbulo.
Assim, o objetivo do presente trabalho é verificar, a partir de casos clínicos de crianças disfônicas que precisaram ser submetidas à cirurgia de pregas vocais, a concordância entre o diagnóstico inicial, ou seja, clínico e o diagnóstico final, cirúrgico, uma vez que o último, por ser minucioso, é mais preciso.
MATERIAL E MÉTODOEm estudo retrospectivo foram analisados vinte e nove prontuários de pacientes com idade entre quatro e quinze anos, portadores de "nódulos de prega vocal" e submetidos à microcirurgia da laringe. As hipóteses clínicas foram agrupadas em: nódulo vocal, alterações estruturais mínimas (AEM) e espessamentos inespecíficos. Partindo-se destas hipóteses clínicas, estudamos a concordância com o achado cirúrgico.
RESULTADOSForam observadas 59 alterações nodulares em um total de 58 pregas vocais (Tabelas 1, 2 e 3). Para o grupo nódulo vocal, de 8 hipóteses iniciais, 6 confirmaram (75%) e 1 ficou como AEM e espessamento contralateral, num total de 4 pacientes (Tabela 1). De um total de 35 com hipótese inicial de AEM, 26 confirmaram (74%), 5 passaram para o grupo de nódulo vocal e 4 para o de espessamento (Tabela 2). Das 16 do grupo de espessamento, 11 confirmaram (68%), 2 passaram para o grupo de nódulo vocal, com a identificação da lesão nodular contralateral em um deles durante a inspeção microcirúrgica, e 2 para o de AEM (Tabela 3).
DISCUSSÃOCom o avanço da tecnologia e dos estudos na área da laingologia, o diagnóstico clínico das alterações vocais é cada vez mais preciso. Porém este, especialmente considerando as AEM nem sempre é claro6, 9, sendo confirmado, em alguns casos, somente pela inspeção durante a cirurgia ou através do exame anatomopatológico. É baseado no diagnóstico inicial que o tratamento é planejado, para cada paciente, seja fonoterápico, cirúrgico ou medicamentoso. Dessa forma o resultado dependerá da precisão do diagnóstico que vai nortear principalmente a fonoterapia, já que durante o ato microcirúrgico, é possível a exploração e a identificação da lesão. Por isso mesmo o diagnóstico cirúrgico é o mais seguro, sendo muitas vezes mais preciso em relação às AEM do que o próprio exame anatomopatológico, geralmente realizado com pouco material e sem a possibilidade do exame macroscópico, este sim possível durante a microscopia.
Tabela 1. Ocorrência de diagnóstico cirúrgico em cada prega vocal com diagnóstico clínico de nódulo vocal (n=4)
* 3 pacientes
Tabela 2. Ocorrência de diagnóstico cirúrgico em cada prega vocal com diagnóstico clínico de alteração estrutural mínima (n=35)
* 5 pacientes
Tabela 3. Ocorrência de diagnóstico cirúrgico em cada prega vocal com diagnóstico clínico de espessamento (n=16)
* 2 pacientes
Os resultados mostraram que não houve concordância unânime nos diagnósticos clínico e cirúrgico, porém ela ocorreu na maioria dos casos. Na criança o diagnóstico é mais difícil, de modo geral. A abordagem é mais difícil pois o exame envolve sensações pouco agradáveis, o entendimento de sua necessidade e a colaboração durante a laringoscopia, o que nem sempre ocorre. Ainda, muitas vezes não é possível o uso do telescópio que permite visão mais detalhada das pregas vocais e a avaliação é realizada com a fibra óptica flexível, geralmente por causa das dimensões da cavidade oral ou pela falta de colaboração da criança. Mesmo assim na maioria dos pacientes o diagnóstico clínico foi confirmado durante o ato cirúrgico. A identificação da lesão é também mais difícil pela possibilidade de ocorrência de fenda triangular posterior ou triangular médio-posterior nas crianças com AEM, principalmente quando não há tensão compensatória (Fotos 2a e 2b). Esta última, quando encontrada nos adultos, sinaliza para o diagnóstico de nódulo vocal7. As vasculodisgenesias, quando presentes, devem ser valorizadas, e sinalizam fortemente para as AEM13.
Outro aspecto relevante deve ser lembrado. Estes casos estudados receberam tratamento cirúrgico, o que indica a possibilidade de resultados não satisfatórios por meio de métodos conservadores ou que, pela sua magnitude, a decisão foi para o tratamento cirúrgico. É preciso portanto considerar que casos em que pacientes apresentaram bons resultados com o tratamento conservador não foram computados e assim, por inferência, podemos supor que o índice de acerto é maior do que o encontrado. O número de casos de AEM é maior do que o de Nódulo Vocal, pois as AEM respondem menos satisfatoriamente ao tratamento fonoterápico e necessitam tratamento microcirúrgico. Ao contrário, embora estudos considerem o Nódulo Vocal a lesão mais freqüente4, 5, este responde muito bem à fonoterapia e poucos são os casos que têm indicação cirúrgica. Na verdade, quando temos resposta não satisfatória com a fonoterapia, a possibilidade de outro diagnóstico, geralmente AEM, deve ser considerada.
Obtivemos um índice geral de acerto acima de 70% considerando-se o diagnóstico inicial clínico e o pós-cirúrgico; podemos afirmar que os tratamentos, em que estão em jogo os três diagnósticos iniciais devem ser direcionados a estes, devido à grande porcentagem de acerto, mesmo considerando as dificuldades maiores em relação ao exame laringoscópico na infância.
CONCLUSÃODo nosso material podemos concluir que a avaliação clínica em crianças com nódulo em prega vocal forneceu resultados corretos na maioria dos casos.
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1 Professora Assistente-Doutor, Departamento de Fundamentos da Faculdade de Fonoaudiologia da Pontificia Universidade Católica de São Paulo - SP.
2 Professor Titular de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo- Escola Paulista de Medicina, São Paulo -SP.
3 Professora Assistente-Doutor, Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-SP.
4 Fonoaudióloga Especialista em Voz.
INLAR - Instituto da Laringe - São Paulo - SP
R. Dr. Diogo de Faria, 171 Vila Clementino 04037-000
Tel (0xx11) 5549.2188 - E-mail: nbiase@terra.com.br ou ppontes@inlar.com.br
Trabalho apresentado no II Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, em Goiânia, 2001.
Artigo recebido em 26 de março de 2002. Artigo aceito em 6 de junho de 2002.