ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2996 - Vol. 68 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 2002
Seção: Artigos Originais Páginas: 811 a 814
Nódulo em prega vocal de crianças: dificuldade diagnóstica
Autor(es):
N. De Biase 1,
P. Pontes 2,
L. Kyrillos 3,
J. Lourenço 4,
J. Bertti 4

Palavras-chave: disfonia, prega vocal, nódulo vocal.

Keywords: dysphonia, vocal fold, vocal nodule

Resumo: Com avanço da tecnologia e dos estudos em laringologia, o diagnóstico clínico das alterações vocais é cada vez mais preciso. No entanto algumas vezes o diagnóstico frente a alterações nodulares em pregas vocais, especialmente em crianças, só é possível durante a cirurgia. Objetivo: O objetivo do presente trabalho é verificar a concordância entre a hipótese clínica e o achado cirúrgico de crianças com disfonia e com nódulo em prega vocal, que necessitaram de tratamento cirúrgico. Forma de estudo: Clínico retrospectivo. Material e Método: Em estudo retrospectivo foram analisados vinte e nove prontuários de pacientes com idade entre quatro e quinze anos, portadores de "nódulo em prega vocal" e submetidos à microcirurgia da laringe. As hipóteses clínicas foram agrupadas em: nódulo vocal, alterações estruturais mínimas (AEM) e espessamentos inespecíficos. Partindo-se destas hipóteses clínicas, estudamos a concordância com o achado cirúrgico. Resultados: Foram observadas 59 alterações nodulares em um total de 58 pregas vocais. Para o grupo nódulo vocal, de 8 hipóteses iniciais, 6 confirmaram (75%) e 1 ficou como espessamento e 1 como AEM. De um total de 35 com hipótese inicial de AEM, 26 confirmaram (74%), 5 passaram para o grupo de nódulo vocal e 4 para o de espessamento. Dos 16 do grupo de espessamento, 11 conf miaram (680/6), 2 passaram para o grupo de nódulo vocal e 2 para o de AEM. Conclusão: Do nosso material podemos concluir que a avaliação clínica em crianças com nódulo em prega vocal forneceu resultados corretos na maioria dos casos.

Abstract: The clinical diagnosis of vocal alterations is increasingly more accurate with development of technology and further studies in Laringology. However, diagnosis of vocal fold nodular lesions, particularly in children, is, sometimes, possible only during surgery. Aim: This paper aims at comparing clinical hypotheses and surgical findings in children with dysphonia and vocal fold nodule who underwent surgery. Study design: Chart review. Material and Method In a retrospective study, 29 records of patients aged 4-15 years, with "vocal module", and submitted to larynx microsurgery were analyzed. The clinical hypotheses were divided into three groups: vocal nodule, minimal structural alterations (MSA) and unspecific thickening. Based on these hypotheses, we made comparisons with surgical findings. Results: Fifty-nine nodular lesions in 58 vocal folds were evaluated. In the vocal nodule group, out of 8 initial hypotheses, 6 were confirmed (75%) and 1 showed thickening and 1 showed MSA. In 35 initial hypotheses of MSA, 26 were confirmed (74%), 5 switched to the vocal nodule group, and 4 to the thickening group. Out of 16 of the initial thickening group, 11 were confirmed (68%), 2 moved to the vocal nodule group and 2 to MAS group. Conclusion: Based on our material, we could conclude that clinical assessment of children with vocal fold nodule provided correct results in most cases.

INTRODUÇÃO

A voz é o mais importante meio de comunicação para o ser humano; possui características pessoais particulares mas deve soar agradável ao ouvinte. As lesões da prega vocal ocorrem geralmente em apenas uma de suas camadas' a maioria delas na cobertura, sendo as mais freqüentes os nódulos vocais, cistos e pólipos2, 3, 4. Estas alterações modificam a qualidade vocal e geralmente geram cansaço à fonação.

O nódulo vocal se caracteriza geralmente pela presença de lesão nodular bilateral que consiste de um espessamento da mucosa formando protuberância ligeiramente abaixo da margem livre das pregas vocais e apresenta tamanhos variados, podendo ser assimétrico2, 3. É a lesão mais freqüente5, 6 em geral causada pelo abuso vocal3, 5 em indivíduos que apresentam predisposição anatômica evidenciada pela proporção glótica reduzida7.

Os cistos epidermóides são alterações da estrutura da túnica mucosa e pertencem a um grupo de alterações denominadas alterações estruturais mínimas da cobertura (AEM) das pregas vocais8. As AEM abrangem desde simples variações anatômicas até malformações congênitas menores. O impacto clínico, quando presente, é restrito exclusivamente à fonação, sendo a disfonia conseqüente relacionada diretamente ao uso da voz e ao grau de alteração apresentada pelo indivíduo9.

O cisto epidermóide localiza-se na camada superficial da lâmina própria7, 10, 11 sendo freqüentemente ligado a fibras elásticas ou colágenas do ligamento vocal2, 10. Os cistos podem apresentar uma abertura que permite a saída do conteúdo espontaneamente e são denominados de cistos fistulizados2. Estes devem ser diferenciados dos sulcos vocais tipo bolsa2, 3, 8, 10, 12 que apresentam aberturas maiores e permanentes e uma depressão profunda na prega vocal, deixando uma cavidade em seu interior; a cavidade, de profundidade variável, é revestida de mucosa e neste caso as pregas vocais mostram-se mais volumosas e podem apresentar processo inflamatório sendo freqüentes as lesões secundárias associadas, causadas pelo trauma da bolsa durante a fonação.

As AEM podem apresentar aspecto característico2-5, 8, 11-13 permitindo o diagnóstico inclusive do tipo de alteração9. Dessa forma, o diagnóstico clínico das alterações vocais é cada vez mais preciso, a partir do grande avanço da tecnologia e dos estudos em laringoscopia. No entanto muitas vezes a definição entre nódulo vocal e AEM ou seu tipo é feita somente pela inspeção durante a cirurgia, pois principalmente os cistos e bolsas podem apresentar aspecto semelhante ao do nódulo sobretudo quando provocam espessamento contralateral6.

A laringe infantil difere da do adulto principalmente em relação à posição, consistência e forma6, 14. A proporção glótica (PG) tem valores inferiores aos encontrados no sexo feminino, o que a torna propensa como este à abertura posterior em fenda triangular; estas fendas, especificamente a fenda triangular médio posterior (FTMP) é encontrada como parte do quadro clínico do nódulo vocal (Fotos 1a e 1b). Na criança a FTMP ou triangular posterior é um achado que acompanha os baixos valores da PG, e pode também ser observada nos casos de cistos, especialmente se não houver tensão compensatória7 (Fotos 2a e 2b). Como a terapêutica das disfonias depende do diagnóstico preciso, realizado por exame clínico otorrinolaringológico com laringoscopia, é importante valorizarmos estes outros aspectos que acompanham estas formações nodulares.



Foto 1a. Telelaringoscopia de laringe de criança com nódulo vocal na inspiração: presença de nódulo em 1/3 médio da porção membranácea de ambas as pregas vocais, de aspecto fibrótico; ângulo de abertura pequeno.



Foto 1b. Telelaringoscopia de laringe de criança com nódulo vocal na fonação: fenda triangular médio posterior e discreta constricção de vestíbulo.



Foto 2a. Telelaringoscopia de laringe de criança com alteração estrutural mínima na inspiração: observar sulco estria menor bilateral com edema de lábio inferior; grande ângulo de abertura.



Foto 2b. Telelaringoscopia de laringe de criança com alteração estrutural mínima na fonação: fenda triangular posterior e constricção ântero-posterior de vestíbulo.


Assim, o objetivo do presente trabalho é verificar, a partir de casos clínicos de crianças disfônicas que precisaram ser submetidas à cirurgia de pregas vocais, a concordância entre o diagnóstico inicial, ou seja, clínico e o diagnóstico final, cirúrgico, uma vez que o último, por ser minucioso, é mais preciso.

MATERIAL E MÉTODO

Em estudo retrospectivo foram analisados vinte e nove prontuários de pacientes com idade entre quatro e quinze anos, portadores de "nódulos de prega vocal" e submetidos à microcirurgia da laringe. As hipóteses clínicas foram agrupadas em: nódulo vocal, alterações estruturais mínimas (AEM) e espessamentos inespecíficos. Partindo-se destas hipóteses clínicas, estudamos a concordância com o achado cirúrgico.

RESULTADOS

Foram observadas 59 alterações nodulares em um total de 58 pregas vocais (Tabelas 1, 2 e 3). Para o grupo nódulo vocal, de 8 hipóteses iniciais, 6 confirmaram (75%) e 1 ficou como AEM e espessamento contralateral, num total de 4 pacientes (Tabela 1). De um total de 35 com hipótese inicial de AEM, 26 confirmaram (74%), 5 passaram para o grupo de nódulo vocal e 4 para o de espessamento (Tabela 2). Das 16 do grupo de espessamento, 11 confirmaram (68%), 2 passaram para o grupo de nódulo vocal, com a identificação da lesão nodular contralateral em um deles durante a inspeção microcirúrgica, e 2 para o de AEM (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Com o avanço da tecnologia e dos estudos na área da laingologia, o diagnóstico clínico das alterações vocais é cada vez mais preciso. Porém este, especialmente considerando as AEM nem sempre é claro6, 9, sendo confirmado, em alguns casos, somente pela inspeção durante a cirurgia ou através do exame anatomopatológico. É baseado no diagnóstico inicial que o tratamento é planejado, para cada paciente, seja fonoterápico, cirúrgico ou medicamentoso. Dessa forma o resultado dependerá da precisão do diagnóstico que vai nortear principalmente a fonoterapia, já que durante o ato microcirúrgico, é possível a exploração e a identificação da lesão. Por isso mesmo o diagnóstico cirúrgico é o mais seguro, sendo muitas vezes mais preciso em relação às AEM do que o próprio exame anatomopatológico, geralmente realizado com pouco material e sem a possibilidade do exame macroscópico, este sim possível durante a microscopia.


Tabela 1. Ocorrência de diagnóstico cirúrgico em cada prega vocal com diagnóstico clínico de nódulo vocal (n=4)

* 3 pacientes


Tabela 2. Ocorrência de diagnóstico cirúrgico em cada prega vocal com diagnóstico clínico de alteração estrutural mínima (n=35)

* 5 pacientes


Tabela 3. Ocorrência de diagnóstico cirúrgico em cada prega vocal com diagnóstico clínico de espessamento (n=16)

* 2 pacientes

Os resultados mostraram que não houve concordância unânime nos diagnósticos clínico e cirúrgico, porém ela ocorreu na maioria dos casos. Na criança o diagnóstico é mais difícil, de modo geral. A abordagem é mais difícil pois o exame envolve sensações pouco agradáveis, o entendimento de sua necessidade e a colaboração durante a laringoscopia, o que nem sempre ocorre. Ainda, muitas vezes não é possível o uso do telescópio que permite visão mais detalhada das pregas vocais e a avaliação é realizada com a fibra óptica flexível, geralmente por causa das dimensões da cavidade oral ou pela falta de colaboração da criança. Mesmo assim na maioria dos pacientes o diagnóstico clínico foi confirmado durante o ato cirúrgico. A identificação da lesão é também mais difícil pela possibilidade de ocorrência de fenda triangular posterior ou triangular médio-posterior nas crianças com AEM, principalmente quando não há tensão compensatória (Fotos 2a e 2b). Esta última, quando encontrada nos adultos, sinaliza para o diagnóstico de nódulo vocal7. As vasculodisgenesias, quando presentes, devem ser valorizadas, e sinalizam fortemente para as AEM13.

Outro aspecto relevante deve ser lembrado. Estes casos estudados receberam tratamento cirúrgico, o que indica a possibilidade de resultados não satisfatórios por meio de métodos conservadores ou que, pela sua magnitude, a decisão foi para o tratamento cirúrgico. É preciso portanto considerar que casos em que pacientes apresentaram bons resultados com o tratamento conservador não foram computados e assim, por inferência, podemos supor que o índice de acerto é maior do que o encontrado. O número de casos de AEM é maior do que o de Nódulo Vocal, pois as AEM respondem menos satisfatoriamente ao tratamento fonoterápico e necessitam tratamento microcirúrgico. Ao contrário, embora estudos considerem o Nódulo Vocal a lesão mais freqüente4, 5, este responde muito bem à fonoterapia e poucos são os casos que têm indicação cirúrgica. Na verdade, quando temos resposta não satisfatória com a fonoterapia, a possibilidade de outro diagnóstico, geralmente AEM, deve ser considerada.

Obtivemos um índice geral de acerto acima de 70% considerando-se o diagnóstico inicial clínico e o pós-cirúrgico; podemos afirmar que os tratamentos, em que estão em jogo os três diagnósticos iniciais devem ser direcionados a estes, devido à grande porcentagem de acerto, mesmo considerando as dificuldades maiores em relação ao exame laringoscópico na infância.

CONCLUSÃO

Do nosso material podemos concluir que a avaliação clínica em crianças com nódulo em prega vocal forneceu resultados corretos na maioria dos casos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Hirano M. Phonosurgical anatomy of the larynx. In: Ford CN & Bless DM. Phonosurgery: assesment and surgical management of voice disorders. New York: Raven Press; 1991. p.25-41.
2. Behlau M & Pontes P. Exame laringológico. In:____. Avaliação e tratamento das disfonias. São Paulo: Lovise; 1995. p. 143-66.
3. Bouchayer M & Comut G. Microsurgery for benign lesions of the vocal folds. Ear, Nose Throat J 1988; 67: 446-66.
4. Forrest LA. Treatment of benign cysts and tumors of tile larynx. Otolaryngol Head Neck Surg 1995; 3: 149-54.
5. Gould WJ, Rubin JS, Yanagisawa E. Benign vocal fold pathology through tile eyes of tile laryngologist. In: Rubin JS, Sataloff RT, Korovin GS, Gould WJ. Diagnosis and treatment of voice disorders. New York: Igaku-shoin 995; 1995. p.137-51.
6. Hersan R & Behlau M. Behavioral Management of Pediatric Dysphonia. In: Rosen C & Murry T. Voice Disorders and Phonosurgery II. Otolaryngol. Clin North Am 2000; 33(5): 1097-110.
7. Pontes P, Kyrillos L, Behlau M, De Biase N, Pontes A. Vocal Nodules and laryngeal morphology. J Voice (submited)
8. Pontes P, Behlau M, Gonçalves I. Alterações estruturais mínimas da laringe (AEM): considerações básicas. ACTA AWHO XIII 1994; (1):2-6.
9. Pontes P, Gonçalves MI, Behlau M. Vocal fold cover minor structural alterations: Diagnostic Errors. Phonoscope 1999; 2(4):175-85.
10. Hirano M, Yoshida T, Hirade Y, Sanada T. Improved surgical technique for epidermoid cysts of tile vocal fold. Ann Otol Rhinol Laryngol 1989; 98: 791-5.
11. Mondey LA, Comut G, Bouchayer M, Roch JB. Epidermoid cysts of vocal cords. Ann Otol Rhinol Laryngol 1983;92:124-7.
12. Bouchayer M & Comut G. Le sulcus glottidis: essai de clarification nosologique et étio-pathogénice. Revue Laryngol 1987; (suppl): 3912.
13. Pontes PAL, De Biase NG, Behlau M. Vascular characteristics of tile vocal fold cover in control larynges and larynges with benign lesions. Phonoscope 1999; 2(3):129-35.
14. Vallancien B. Disfonia funcional da infância. In: Launay C & BorelMaisonny S. Distúrbios da Linguagem, da Fala e da Voz na Infância. São Paulo: Roca; 1986. p. 340-61.




1 Professora Assistente-Doutor, Departamento de Fundamentos da Faculdade de Fonoaudiologia da Pontificia Universidade Católica de São Paulo - SP.
2 Professor Titular de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo- Escola Paulista de Medicina, São Paulo -SP.
3 Professora Assistente-Doutor, Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-SP.
4 Fonoaudióloga Especialista em Voz.
INLAR - Instituto da Laringe - São Paulo - SP
R. Dr. Diogo de Faria, 171 Vila Clementino 04037-000
Tel (0xx11) 5549.2188 - E-mail: nbiase@terra.com.br ou ppontes@inlar.com.br
Trabalho apresentado no II Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, em Goiânia, 2001.
Artigo recebido em 26 de março de 2002. Artigo aceito em 6 de junho de 2002.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia