ISSN 1806-9312  
Segunda, 29 de Abril de 2024
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2972 - Vol. 40 / Edição 2 / Período: Maio - Dezembro de 1974
Seção: Artigos Originais Páginas: 377 a 382
Pemphigus Cicatrisans
Autor(es):
Luiz Rogerio Pires de Mello*,
Luiz Fernando Pires de Mello**, A
ntonio Pedro Gaspar*** e
Neide Kalil Gaspar***

Considerações Gerais:

Com esta apresentação, queremos focalizar a importância do exame otorrinolaringológico no diagnóstico de certas entidades, cuja evolução e prognóstico dependem da instalação precoce de terapêutica adequada. Entre estas, encontram-se algumas buloses, que, por vezes, permanecem durante anos sem diagnóstico, pois podem, de início, apresentar-se como simples aftas recorrentes. É o caso, por exemplo, de "pemphigus cicatrisans", que motiva esta exposição. Sua sinonímia é vasta: - retração essencial das membranas mucosas, Pênfigo ocular, pênfigo conjuntival, pênfigo mucose, pênfigo cicatricial, penfigóide benigno das mucosas, dermatite bolhosa mucossinequiante e atrofiante, etc.

Trata-se de entidade de extrema raridade, apresentando-se como bulose crônica peculiar, caracterizada pela idade madura ou avançada dos pacientes, pela eleição das mucosas e tendência para os fenômenos de retração cicatricial. Lesões bolhosas e áreas desnudas podem ser encontradas nas mucosas conjuntival, nasal, oral, laringeana, esofageana, peniana, vulvar e anal. Em cerca de metade dos casos, a pele, também, é atigida. Lortal - Jacob enfatizam seu curso progressivamente cicatrizante e recorrência das bolhas nos mesmos sítios, fenômeno que pode levar à cegueira ou à caquexia, em virtude da dificuldade de deglutição. A histopatologia revela bolha por pressão, subepidérmica, associada com variados graus de fibrose. Não há "acantólisé", o que, invalida a denominação de pênfigo. O infiltrado polimorfonuclear é mais denso que na dermatite herpetiforme. Pode haver hiperplasia pseudoepiteliomatosa e células individualizadas com ceratinização. Sua patogênese permanece indeterminada. Modernamente, tem-se tentado enquadrá-la como variedade da epidermólise bolhosa, entidade tida como de natureza genética.

Observações Clínicas

CASO N ° 1:

IDENTIFICAÇÃO: - F.B.S., 30 anos, feminina, casada, doméstica, natural de São Gonçalo, Estado do Rio. Pront.°: 15096, H.U.A.P.

H.D.A.: - Início aos 18 anos com sangramento na fossa nasal esquerda. Tratada com auto-enxerto (sic), evoluiu com obstrução da região. Aos 26 anos, procurou-nos, queixando-se de queda de cabelos, congestão e vesículas nos olhos, perda progressiva da visão, prurido e ardor na garganta, lesões vesiculares e bolhosas por todo o corpo. O exame dermatológico constatou, além das lesões descritas, alopecia subtotal do couro cabeludo, opacificação de córneas e sinéquias nas conjuntivas óculo-palpebrais. Corticoidoterapia sistemática fez regredir as lesões cutâneas. Durante o período de acalmia, em virtude de bronquite, foi medicada com xarope de iodeto de potássio, o que provocou exacerbação de todo o quadro e crise dispnéica asmatiforme, melhorando com retirada do medicamento. Pouco depois desenvolveu tuberculose pulmonar, que cedeu com terapêutica tríplice. Em 1971, com total obstrução nasal e parcial da laringe, foi levada à cirurgia, numa tentativa de permeabilização daqueles condutos. No início da entubação ocorreu parada respiratória, exigindo traqueostomia, que permanece até o presente.

EXAME DERMATOLÓGICO: (Setembro/72) - Lesões residuais, puntiformes, hipocrômicas e acrômicas em todo o corpo. Couro cabeludo apresentando alopecia subtotal. O quadro das mucosas não se alterou. (Figs. 1 e 2).








Exames Complementares:

1 - Oftalmológico - 2/6/1969 - Segmento anterior.

OD - Membrana conjuntival seca e pardacenta cobrindo toda a córnea.
OE - Hiperemia conjuntival; córnea infiltrada, apresentando úlcera às 6 h.

Motilidade: nistagmo

Reflexos: ausentes

TOD - Hipertensão

TOE - Hipotensão

Histopatologia (Camada neoformada sobre a córnea). Epitélio pavimentoso pluriestratificado repousando sobre tecido conjuntivo frouxo, com neoformação vascular e discreto infiltrado inflamatório crônico (Laudo n.° 69-1092).

23.7.1973:

OD - Fundo de saco conjuntival ausente pela retração cicatricial da conjuntiva e xerose. Opacificação de toda a córnea; obliteração dos pontos lacrimais. Aparência de OLHO DE ESTÁTUA.

OE - Retração cicatricial da conjuntiva, porém, com fundo de saco presente. Córnea em opacificação.

2 - Otorrinolaringológico: 29.8.1969 - Hiperemia e edema de todas as mucosas. (Fig. 3). Nariz - Obstrução total do vestíbulo esquerdo e parcial do direito. (Fig. 4).









Laringe - Hipertrofia das falsas cordas vocais; paralisia da hemilaringe esquerda. 24.6.1970 - Laringoscopia Direta - Epiglote com bordo livre espessado; Hiperemia, edema e exsudato fibrinoso.

Cordas vocais - Bordos livres espessados; sinéquia ao nível da comissura anterior. - Aspecto endoscópico sugestivo de tuberculose.

Histopatologia (Biópsia de Laringe): - Fragmento de mucosa revestida por epitélio plano pluriestratificado exibindo, no córion, tecido de granulação infiltrado por linfócitos e plasmócitos; observa-se ainda, fragmento de exsudato fibrino-necrótico.

(Laudo 17.247 - Lab. Tostes).

12.6.1972 - Laringoscopia Direta - Fibrose extensa da comissura posterior. Visualização das cordas vocais verdadeiras, fenda glótica e subglótica prejudicada pelo quadro.

Histopatologia de lesão cutânea: - Deslocamento da epiderme por bolha que na parte central é subepidermica. Histopatologia de lesão bolhosa provocada pela ingestão de iodeto de potássio: - Bolha subepidérmica.

CASO N.° 2:

IDENTIFICAÇÃO: D.M.C., feminina, 54 anos, casada, doméstica, natural de Maricá, RJ. Pront.°: 39094 - H.U.A.P.

H.D.A.: - (10.9.70)

Início em janeiro de 1969, com bolhas na abóbada palatina, evoluindo depois para toda boca. Um ano depois surgiu congestão ocular intensa, fotofobia e diminuição de acuidade visual. Há 2 anos lesões bolhosas nas fossas nasais, pálpebras, antebraços, joelhos, regiões perianais e glúteas. Obstrução nasal, disfagia e odinofagia intensa secreção muco sanguinolenta, fluindo pela vagina, nariz e ânus. (Fig. 5). Em virtude de fazer uso de xarope contendo iodetos, apresentou por duas vezes exacerbação do quadro. Antes da internação do paciente nesse Hospital o facultativo que a tratava indicou extração de vários dentes, por suspeitar de infecção focal, os quais em nada contribuíram para sua melhora. Foi também aventada a hipótese diagnóstica, de manifestação alérgica, não tendo a paciente melhorado com o tratamento preconizado. Quando de sua internação informava estar doente há 2 anos, durante os quais perdeu 15 kg.





H.P.P.: - Prurido generalizado, classificado como "prurido simples de adulto", há 6 anos. Episódio pneumônico 30 dias, antes da doença atual, tratada com penicilina e complexo B (Sic).

EXAME OTORRINOLARÍNGOLÓGICO: (2.10.1970)

B.F. Vestíbulo bucal hiperemiado com alguns pontos hemorragipanos na orofaringe, lesão lisa brilhante mais hiperemiada na ponta. Várias lesões bolhosas espalhadas pela bochecha, dorso da língua, palato duro e mole, bem como na área gengival. Ao nível dos incisivos inferiores eram notadas verdadeiras zonas ulceradas.

Nariz - doloroso á compressão, observando-se lesões em todo septo nasal mais na intercessão dos septos cartilagíneo e ósseo, prejudicando sobremaneira a respiração.

Oto - sem alterações dignas de nota.

Região cervical - Presença de alguns gânglios no pescoço, palpáveis, duros, dolorosos de ± 1 cm. de diâmetro, com boa mobilidade.

Laringoscopia Indireta: - Permitia-nos observar zonas bolhosas na coroa laríngea, que mais se acentuava ao nível das aritenóides. Cordas vocais com motilidade e coloração normais, seios piriformes livres.

EXAME GINECOLÓGICO: (3.10.1970)

Microlesões nos grandes e pequenos lábios, quase todas em fase de cicatrização, sem que existisse relação específica com o local. O vestíbulo vulvar, vagina e colo, encontravam-se atrofiados não fornecendo subsídios para o diagnóstico.

EXAME OFTALMOLÓGICO: (5.10.1970)

Mostrou-nos simbléfaro, blefarite ectrópio, lesões ulcerosas nas bordas palpebrais, ao exame externo.

Segmento anterior N.

Segmento posterior N.

Reflexos N.

BLÓPSIA DE LÍNGUA: (9.10.1970).

Fragmento de tecido conjuntivo encerrando na profundidade filetes nervosos e fibras musculares estriadas e na periferia do dermo infiltrado inflamatório predominantemente leucoplasmocitário. (Lab. Tostes).

R.X. DE TÓRAX: (20.10.1970)

Transparência pulmonar normal. Aumento do volume cardíaco. Obliterações do seio costo-frênico lateralmente.

EXAME DERMATOLÓGICO: (29.10.1970).

Lesões exulcerosas recobertas ou não por crostas, instaladas na pele sem alterações clínicas evidentes, nas pálpebras, antebraços, joelhos, região perineal e glútea. De permeio, algumas cicatrizes discretas. Erosões e eritema em toda a cavidade bucal, língua, olhos e mucosa nasal.

PESQUISA DE BAAR - Negativa (12.11.1970).

SOROLOGIA - Negativa.

HISTOPATOLÓGICO: (17.12.1970)

Feita biópsia de 2 fragmentos circulares de pele de 0,5 cm de diâmetro, sendo o laudo anátomo-patológico o seguinte: "Os cortes histológicos de pele revelam formação bolhosa subepidérmica fechada por rede de fibrinas, onde se observam pequenas quantidades de hematias e restos nucleares. A epiderme mostra ainda hiperceratose, acantose e focos de degeneração da camada basal. O derma exibe principalmente nas áreas subjacentes a bolha hemorrágica intersticial, endoteliose, infiltrado inflamatório perivascular constituído principalmente por linfócitos com raros neutrófilos e pigmento melânico livre no interstício. Diagnóstico: Compatível com Pemphigus cicarrizans. (B. 70.1380).

Comentários:

Trata-se de doença rara, conhecida com vários nomes impróprios: Pênfigo ocular Pênfigo cicatrisans, Bulose cicatricial muco-sinequiante, Penfigóide benigno das mucosas. Chama-se a atenção para a intensa exacerbação dos sintomas cutâneos e respiratórios após ingestão de iodeto de Potássio. O Prof. Azulay tem a idéia de que pelo menos alguns destes casos sejam na realidade de Epidermólise bolhosa.

Sumário:

Os autores apresentam dois casos de Penphigus cicatrizarás, enfatizando a importância e raridade de tal patologia na Otorrinolaringologia, fazendo a sua conceituação, descrevendo a sua evolução, diagnóstico, prognóstico e tratamento.

Summary:

The authors present two cases of Penphigus cicatrizans stressing the importance and rarity of this pathological entity, in the otolaringology. They describe its pathology, evolution of the disease, diagnosis and prognostic.

Bibliografia:

1. Rabello, F. E. - Nomenclatura Dermatológica, Rio de Janeiro, 1970.
2. Lever W. F. - Penphigus. Medicine, 32:1 23, 1953.
3. Rabello, W. F.; Fraga, Sylvio; Medeiros, C. M. - Bulose cronica cicatricial - Anais Bras. de Derm., 45:31, 1970.
4. Shklar Gerald e McCarthy, Philip L. - Arch Otolaryng. - 93:354-364, 1971.
5. Charow, Arnold, Pass Franklin and Rubem Robert - Arch Otolaryng. 93 : 209-210, 1971.
6. Lortat-Jacob et col. - Penphigus oculaire. Dermatite buleuse Mucosynéchiante et atrophyante. - Buli. Soc. Franc. Derm. et Syph. - 2:142, 1956.
7. Gaspar, Antonio Pedro e Neide Kalil - Nômina Dermatológica - Rio de Janeiro, 1972.




Luiz Rogerio Pires de Mello
Clínica Luiz Pires de Mello
Rua Gonçalves Ledo, 42.

* Prof. Titular de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Campos - R.J.
Da Disciplina de O.R.L. da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense. Chefe do Setor de Otologia da Clínica Luiz Pires de Mello - Niterói - R.J.
** Auxiliar de Ensino da Disciplina de O.R.L. lotado no Setor de Broncoesofagologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense.
Chefe do Setor de Broncoesofagologia da Clínica Luiz Pires de Mello-Niterói - R.J.
*** Auxiliares de Ensino da Disciplina de Dermatologia e Sifilografia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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