ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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297 - Vol. 3 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 1935
Seção: Associações Científicas Páginas: 469 a 474
ASSOCIAÇÕES CIENTIFICAS
Autor(es):
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SECÇÃO DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA DA ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA
Sessão de 17 de Agosto de 1935

Sob a presidência do Dr. Roberto Oliva e secretariada pelos Drs. Mattos Barreto e Silvio Ognibene, realisou-se no dia 18 de Agosto ultimo, a setima sessão ordinaria deste ano, da Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina.

ORDEM DO DIA:

1.º) DR. GABRIEL PORTO (Campinas) - Reflexões á propósito de 28 casos de corpos estranhos das vias aero-digestivas.

Resumo: O A. apresenta 28 observações de corpos estranhos das vias aero-digestivas, verificados durante os anos de 1933 e 1934 no Instituto Penido Burnier, constituídas por 14 corpos estranhos do esôfago, 8 do brônquio, 5 da traquéia e 1 do laringe. Ocupa-se sucintamente dos casos mais interessantes.

Os corpos estranhos do brônquio eram, 1 carrapicho, 1 grão de milho, 2 amedois, 1 semente de melancia, 1 semente de laranja e 1 prego.

Na observação n.º 1 a anamnése, o exame clínico e radiográfico concluíram pelo diagnóstico de corpo estranho do brônquio e a broncoscopia e a evolução do caso provaram o contrário.

No caso do carrapicho endo-bronquico verificou-se co-existência de um abcesso do laringe. O A. refere-se a um caso semelhante de Collet e Rebattu.

Os dois casos de amedoin no brônquio evoluiam com complicações graves.

No primeiro uma traqueo-bronquite toxiêmica determinou a morte de uma criança de 19 mêses e no segundo consistiu-se um abcesso do pulmão, curado pela aspiração broncoscópica.

A semente de laranja ao ser extraída do brônquio de criança de 19 mêses, encravou-se na glote determinando asfixia que exigiu traqueotomia de urgência.

Um prégo de 4,5 cm. foi extraído do brônquio de criança de 18 mêses, que, algumas horas, depois apresentou edema da sub-glote exigindo traqueotomia.

Esta operação correu normalmente porém o paciente não poude mais ser descanulado. O A. atribue esta dificuldade a existência de um esporão traqueal, estudando as causas que impedem o descanulamento.

Mais dois corpos estranhos do brônquio - 1 grão de milho e 1 semente de melancia foram extraídos pela via bucal, obtendo-se a cura.

Os corpos estranhos da traquéia 2 grãos de café, 1 semente de melancia, 1 semente de tangerina e 1 grão de feijão, exeptuado este último todos os outros foram extraídos por via bucal conseguindo-se a cura completa nos cinco casos.

Um único corpo estranho do laringe - espinho de laranjeira - foi retirado facilmente.

No esôfago relata o A. 14 corpos estranhos: 1 botão, 1semente de de laranja, 4 fragmentos de ossos, 5 moedas, 1 bolo de carne 1 roda de automovel (brinquedo de criança) e um pequeno espinho de natureza ignorada. Com excepção deste último que se eliminou espontaneamente, em todos os demais a extração foi feita por via bucal, curando-se os pacientes.

DISCUSSÃO:

Dr. Rafael da Nova: Relata que no serviço do Prof. Paula Santos, em 1934, apareceram 12 casos de corpos estranhos das vias aéro-digestivas. Tem notado que os grãos de amendoim são os que maiores dificuldades apresentam para a extração, saíndo sempre aos pedaços.

Dr. Friedrich Müller: Relata um caso por ele observado: tratava-se de uma menina de 16 anos que havia aspirado um grão de amendoim e apresentara-se no seu consultorio com muita falta de ar, pulso fraco e pela asculta, a respiração era normal no lado direito e fraca no esquerdo. Fez no seu proprio escritório a traqueotomía e verificou que o corpo estranho estava situado logo no inicio do bronquio direito e comprimia o bronquio esquerdo, que estava muito estreitado. Tentou introduzir pela ferida operatoria o especulum de Killian, para dilatar o bronquio direito, mas com essa manobra comprimia o bronquio esquerdo. Depois de trabalhar cêrça de uma hora e meia, conseguiu retirar a casca do amendoim e meia hora depois, a maior parte do mesmo. Parecia que o perigo havia desaparecido, como era de se esperar, quando de repente, saíu da ferida operatoria uma espúma vermelha e a menina morreu:um edema agudo do pulmão foi a causa mortis.Refere-se as dificuldades para se retirar certos corpos estranhos, como amendoim, feijão etc. e pergunta se em tais casos não seria preferivel fazer uma operação atingindo o bronquio por via externa, para a extração do corpo estranho?

Dr. Mattos Barretto: Acha que nunca é demais insistir sobre a importancia e interesse que oferece, principalmente entre os especialistas, a questão da aspiração de corpos estranhos vegetais, sendo o amendoim o mais comum, já tendo observado três casos a ele devidos. Como insiste o Dr. Porto, os corpos estranhos nem sempre dão uma sintomatologia costumeira, como asfixía etc.; ás vezes, só depois da decomposição desses corpos organicos, é que se verificam os sinais de obstrução, em virtude de um processo de defeza da mucosa. Entre nós, a-pesar-de não existir um serviço especialisado de bronco-esofagoscopía, ha o habito de se considerar como fracassado, o especialista que não retirar o corpo estranho logo na primeira intervenção! Mas, em outros paizes, vê-se, ás vezes, só depois de 10 ou 12 sessões ser o corpo estranho retirado, e nem por isso o especialista é considerado como um fracassodo! Quanto ao caso que acaba de citar o Dr. Müller, tem a impressão que se este colega dispuzésse, no momento, de aparelhagem completa de broncoscopía, teria facilmente extraído o corpo estranho.

Dr. Friedrich Müller (respondendo ao Dr. Barretto): Diz que possuia essa aparelhagem, mas não a poude utilisar porque, quando a menina foi consultá-lo, oito dias após ter aspirado o amendoim, este estava muito aumentado de volume e a mucosa bronquica muito inflamada, de modo que o corpo estranho não podia sair do lugar onde estava.

Dr. Roberto Oliva: Diz que além da experiencia, o especialista deve tambem ter uma aparelhagem completa, como a de Chevalier-Jackson. E mesmo com ela, em muitos casos é dificil a extração do corpo estranho! No serviço do Dr. Sarmento, na Santa Casa, têm aparecido poucos casos de corpos estranhos da traquéa e bronquios, sendo em maior numero os de esofago, como moedas, fragmentos de osso etc., que geralmenete são retirados com facilidade. Leu um artigo recente, no qual o autor relata o caso de um corpo estranho (osso de galinha) encravado no esofago, que foi retirado. Dia depois teve a moça uma hemorragia, fulminaste e morreu. Pela autopsia verificou-se uma sub-claves anomala, que ia da esquerda para a direita passando atraz do esofago e apresentaando nesse ponto um aneurisma, tendo o osso provocado a ruptura desse aneurisma, que foi a causa da morte.

Dr. Gabriel Porto (encerrando a discussão): Está de acôrdo com o Dr. Barretto, que salienta não representar absolutamente um fracasso, quando o especialista não consegue retirar o corpo estranho na primeira tentativa. Quando não se resolve o caso numa sessão, pode-se solucionálo em outra. Tem apresentado á Secção casos que só foram retirados, depois de 2 ou 3 tentativas. Quanto ao caso do Dr. Müller, acha-o muito interessante e tem a impressão que o amendoim estava logo no inicio do bronquio, pois para que esse corpo estranho pudésse comprimir o bronquio do lado oposto, era preciso que estivesse muito proximo da traquéa. Acha que se poderia introduzir um tubo na traquéa sem comprimir o bronquio esquerdo e assim retirar o corpo estranho localisado no bronquio direito. Nunca viu na literatura casos de corpos estranhos no inicio do bronquio que apresentassem dificuldades para a sua retirada. Acha que para esses casos, dificilmente se justificaría uma intervenção externa.

2.º DR. EDGARD FALCÃO (Santos) - O polipo da leishmaniose.

(Este trabalho saiu publicado in extenso no numero 4 (Julho-Agosto 1935) desta revista).

DISCUSSÃO:

Dr. Friedrich Müller Pergunta se ha casos de leishmaniose das mucosas sem cicatrizes na pele?

Dr. Edgard Facão (respondendo ao Dr. Müller): Diz que tais casos são raros, mas existem. O comum é aparecerem primeiro as manifestações cutaneas e depois as das mucosas. A's vezes a lesão cutanea é tão insignificante que torna-se quasi que invisel.

Dr. Gabriel Porto: Diz que tem tido casos de polipo do septo nasal em doentes de leishmania e é pena não ter feito exames anatomo-patologicos, para melhor estudá-los.

Dr. Horacio Paula Santos: Estudou bastante a questão da leishmaniose, tendo mesmo tomado-a como assunto de sua tése, na Faculdade. Já viu muitos casos de leishmaniose, mas nunca um semelhante ao apresentado pelo Dr. Falcão, que reputa raro. Ha quatro anos atraz viu um que se assemelhava um pouco, mas que não tinha o aspecto descrito pelo Dr. Mangabeira Albernaz. Tinha o de uma amora avermelhada e se prendia ao septo nasal. Acha que o caso apresentado pelo Dr. Falcão tambem não se enquadra bem na descrição do Dr. Mangabeira, porque tinha uma côr rosca na parte anterior e vermelha na posterior.

Dr. Mattos Barretto: Quer lembrar que a forma poliposa da leishmaniose nasal, é um aspecto morfologico da leishmaniose de mucosa e não é tão rara como parece. Tanto menos, se entrarem em conta as formas exuberantes, assumindo um aspecto tumoral ou antes polipoide, de base sessil, variação da forma vegetante, nasal, ou da forma hiperplastica, mais comum no hipofaringe, como em um caso que tem em tratamento, no serviço do Prof. Paula Santos, e aquele que Breda publicou em 1898, com nome de "buba brasiliensis laringo-trachealis". Tão tipicamente circunscrito e isolado, como nos casos de polipo da leishmaniose" apresentados por Mangabeira Albernaz em 1928, só viu dois casos, sendo que um, muito recente, já apresentava exteriorisação do tumor polipoide em ambas, as narinas. Possue dele as fotografías e o córte histológico, o qual nada difére dos de outras variantes morfologicas. Discorda, assim, em se dizer que o polipo da leishmaniose constitue "uma forma histologica particular da leishmaniose". Trata-se simplesmente, ao seu vêr, de uma variação morfologica a que é conduzida a forma hiperplastica ou vegetante, sob a influencia de varios factores, como sejam as condições de resistencia do organismo, em tratamento ou não, ou factores mecanicos, como os que melhor se explicam para os pequenos tumores da faringe, traqués e bronquios.

Dr. Roberto Oliva: Diz que o que lhe causou estranheza, foi o relatorio anatomo-patologico, que afirmou tratar-se de um granuloma poliposo, dando idéa então que seria um granuloma. Pergunta-se se tratava de um polipo da leishmaniose, que é aceito pelo Dr. Falcão e outros autores, ou de um granuloma?

Dr. Edgard Falcão (encerrando a discussão): A denominação de granuloma poliposo empregado pelo anatomo-patologista para exprimir o diagnostico histológico do caso relatado, foi reputada obscura não só pelo Dr. Roberto Oliva, por considerar este que granuloma e polipo exprimem formas clinicas diversas, como por outros colegas presentes. Friza que a interpretação dada áqueles termos por êsse colega e os demais que o secundaram, não é verdadeira. Com efeito, o termo granuloma, como salientou Mangabeira Albernaz, nunca serviu para designar aspectos clinicos: é uma denominação genérica para certa espécie de inflamações, semelhante aos tumores (blastomas), que apresentam microscópicamente, com freqüência, grãos de estrutura polimorfa. Não subsiste, pois, a argüição do Dr. Oliva, pois julga que "granuloma poliposo" é expressão corréta, sob qualquer aspecto por que seja encarado.

De referência ás considerações expendidas pelo Dr. Mattos Barretto, achando que não se pode compreender a co-existência de polipo e granuloma numa só lesão, não concorda com tal modo de vêr, explicando que no caso estudado, se tratava de um polipo (fibroma edematoso) encerrando no estroma um granuloma perfeitamente caracterizado. Para melhor compreensão do que acaba de expôr, relê o trecho da laudo anatomopatologico, em que se encontra claramente consignado tal fáto. Tambem discorda do Dr. Mattos Barretto, quando este afirma que a lesão posta em fóco, isto é, o polipo não passa de corriqueiras manifestações granulosas, em que houve maior exuberancia do processo hiperplastico; mostra, outrosim, que, enquanto na lesão classica, a chamada forma granulosa, ha formação de um granuloma especifico apenas, revestido por uma simples túnica adventícia, na lesão polipósa, o processo histológico se caracteriza pela existência de uma capsula constituída por varias camadas de epitélio chato, circunscrevendo um estroma que contém os elementos integrantes do granuloma.
E relação á objeção feita pelo Dr. Horacio Paula Santos, de que lhe pareceu haver alguma diferença clinica entre os diversos tumores estudados e rotulados sob o dístico de polipos da leishmaniose, responde que tais diferenças não influem na constituição histológica do mesmo e cita, a proposito, a 4º observação do Mangabeira Albernaz, em que o paciente apresentava dois polipos implantados no septo, completamente dissermelhantes: um mole, outro duro, um cinzento, outro arroxeado. O exame microscópico revelou em ambos o mesmo tipo de lesão; apenas num caso o revestimento era completo, no outro incompleto.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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