IntroduçãoOs tumores que se desenvolvem a partir do corpo carotídeo, embora na maioria, histologicamente benignos, apresentavam alta incidência de mortalidade após as tentativas de extirpação cirúrgica. Mc Ilrath e cols4, 5 em 1963, assinalam a incidência de 30% de mortalidade e 15% de lesões do S.N.C. quando a extirpação cirúrgica se fazia com ligadura da carótida interna. O primeiro tumor do corpo carotídeo extirpado com exito foi em 1903, por Scudder8. Gordon - Taylor3 em 1940 apresentou uma técnica de exerese desses tumores, preservando as carótidas. Posteriormente, Warren10-11 indicou a ligadura da carótida externa, em certos casos, para facilitar a ressecção do tumor. Farrar e cols.2 através de incisões na massa tumoral conseguiu ressecar tumores do corpo carotídeo em 3 pacientes, mantendo íntegros os vasos carotídeos. Anderson & Scarcella1, em 1963, publicaram uma técnica com enxertos autólogos de artérias, para os casos em que as carótidas necessitam ser ligadas. Atualmente a mortalidade pós cirúrgica, foi reduzida, com o uso de métodos que preservam o fluxo sanguíneo na carótida interna.
No presente trabalho apresentamos dois casos, em que se fez a extirpação cirúrgica desses tumores, com preservação do fluxo sanguíneo.
Apresentação dos CasosCASO I
Paciente do sexo feminino, 43 anos de idade, branca, solteira, e que apresentava uma tumoração na região jugulo carotídea direita, há oito anos, sem sintomas. (Fig. 1). Apalpação, essa tumoração era de consistência carnosa, móvel, recoberta por pele íntegra, medindo 2 x 3 cm em seus maiores diâmetros.
FIG. 1 - Caso I: Tumor do corpo carotídeo
Técnica Cirúrgica: A paciente foi submetida à exploração cirúrgica da região cervical. Encontrando-se um tumor avermelhado, de consistência dura, facilmente sangrante, envolvendo as artérias carótidas comum, externa, interna e tireóidea superior. Após a retirada de fragmento do tumor para biópsia, a carótida comum foi envolvida com uma "fita de pano" para posterior teste de compressão. Como a paciente não apresentasse alterações com a compressão gradativa da carótida comum, foi programada a ressecção do tumor, 14 dias após a exploração cervical. Sob anestesia geral, com entubação orotraqueal, o ato cirúrgico foi iniciado por incisão acompanhando a borda anterior do músculo esternocleidomastóideo à direita o que foi afastado lateralmente, expondo-se todo o feixe júgulo carotídeo direito. O tumor englobava os vasos carotídeos, os quais foram individualizados, por meio de fios tratores. (Fig. 2). Os nervos vago e hipoglosso e a veia jugular interna foram isolados.
FIG. 2 - Tumor englobando os vasos carotídeos, que estão individualizados por fios tratores.
O tumor foi extirpado após clampagem e secção das artérias (artéria carótida comum, artéria carótida externa, e artéria carótida interna), que encontravam-se englobadas pela massa tumoral. Utilizamos a veia jugular interna, como enxerto, sem que essa tosse retirada do seu leito, para restabelecer o fluxo sanguíneo entre a artéria carótida comum e a carótida interna, desprezando-se a carótida externa que foi previamente ligada. Após retirados os clames dos cotos arteriais, observou-se uma circulação satisfatória, e continente. (Fie. 3).
FIG. 3 - Enxerto venoso após implantação e retirada dos clamps.
FIG. 4 - Aspecto macroscópico do tumor. Um processo inflamatório foi observado no nódulo linfático.
Evolução Pós Operatória: Apresentou hemiparalisia da língua à direita, afonia, dificuldade para deglutição e para eliminação das secreções pulmonares, provocando um quadro pneumônico que cedeu com antibióticos. Foi digitalizada devido taquicardia sinusal.
Um mês após a cirurgia o quadro clínico regrediu e teve alta hospitalar em perfeitas condições, constatando-se a permanência do trânsito arterial pela palpação, e ausculta do fluxo através do enxerto. A paciente é seguida há 2 anos e nesse período não apresentou nenhuma anormalidade.
Diagnóstico Histológico: Tumor benigno do corpo carotídeo.
CASO II
Paciente do sexo feminino, 42 anos de idade, branca, casada, doméstica, que apresentava uma tumoração cervical na altura do ângulo da mandíbula à esquerda, há 1 ano. Essa tumoração era de consistência carnosa, medindo 4 x 5 cm nos maiores diâmetros. Provocava desvio da úvula, pilares anterior e posterior da loja amigdaliana e fazia saliência em toda hemifaringe à esquerda.
Técnica Cirúrgica: A incisão acompanhou a borda anterior do músculo esternocleidomastóideo. Encontramos um tumor ovóide de limites nítidos e consistência endurecida, que se estendia do bulbo carotídeo até a base do crânio aderido à artéria carótida interna exceto no polo superior, que se encontrava livre. Estabelecendo-se um plano de clivagem à camada adventícia e à túnica da artéria, o tumor foi isolado e ressecado sem lesar as artérias carótidas e veia jugular interna.
Evolução Pós Operatória: Apresentou hemiparalisia da língua e do hemilaringe à esquerda, com pequena melhora, após seguimento de 4 meses.
Diagnóstico Histológico: Tumor benigno do corpo carotídeo.
ComentáriosOs tumores do corpo carotídeo são mais freqüentes no sexo feminino, após a quarta década da vida4. Geralmente são assintomáticos, podendo no entanto provocar rouquidão, dispnéia, tosse, cefaléia e disfagia; e pela sua localização, alterações na dinâmica circulatória7. Esses tumores localizam-se abaixo da borda anterior do músculo externocleidomástóideo, na altura do osso hióide, com consistência carnosa, podendo transmitir pulsação arteriais. Movem-se lateralmente à palpação, mas não verticalmente9, 10, 11. Segundo Mc Ilrath4, 5, 5 a 10% dos pacientes apresentam abaulamento na parede da orofaringe, como ocorreu no Caso II. O diagnóstico é feito pela arteriografia da carótida6. O diagnóstico diferencial deve ser feito com cistos branquiais, nodos metastáticos, carcinoma broncogênicos, tumores tireoidianos aberrantes, neurofibroma, e linfoma. O tratamento é cirúrgico, e o tumor deve ser ressecado mantendo-se o fluxo sanguíneo para a carótida interna. Um plano de clivagem pode ser feito para retirar o tumor sem lesar os vasos carotídeos, como no Caso li. Quando houver necessidade de ressecá-los, deve-se implantar um enxerto arterial ou venoso para restabelecer o fluxo entre as artérias carótidas comum e artéria carótida interna. A técnica cirúrgica por nós aplicada no Caso I, nos parece simples e segura, pois o enxerto foi implantado sem que a veia jugular interna fosse retirada do seu leito.
ResumoOs autores apresentam dois casos de tumores do corpo carotídeo tratados cirurgicamente. No Caso I, o tumor foi extirpado juntamente com segmentos das artérias carótida comum, interna e externa e um enxerto venoso foi implantado usando-se a jugular interna, sem retirá-la de seu leito. No Caso II, estabeleceu-se um plano de clivagem e o tumor foi ressecado sem lesar as artérias carótidas e jugular interna.
SummaryThe authors present two cases of tumors in the carotid body, treated in surgery. In the Case I the tumors was ressected with the segments of the common carotid arteries, internal and external, a venous graft was implanted using the internal jugular, without takink off from its place. In the Case II, was stablished a cleavag plane and the tumors was ressected, not injuring neither the carotid arteries nor internal jugular.
Referências Bibliográficas1. Anderson R. & Scarcella, J. V. - Carotid body tumors Amer. J. Surg., 106:856, 1963.
2. Farrar, T.; Kirklin, J. W.; Judd, E. S. Ir. & Devine, K. D. - Resection of carotid body tumors with preservation of the carotid vessels. A. M. A. Arch. Surg. 72 (4): 595, 1956.
3. Gordon - Taylor, C. - On carotid tumours. Brit. J. Surg.; 28:163, 1940.
4. Mcllrath, D. C. & Remine, W. - Carotid body tumours. Surg. Clin. North Am.; 43:1135, 1963.
S. Mcllrath, D. C.; Remine, W.; Devine, K_D. & Dockerty, M. B. - Tumours of the parapharyngeal region. Surg. Gynec. & Obst.; 166: 88, 1963.
6. Palva, T.; Palva, A. & Kärjä, J. - Surgery of carotid body tumours. Acta Otolaryng.; 71 : 500, 1971.
7. Rego, A. M. - Tumores do corpo carotidiano. O Hospital; 78 (3) : 83, 1870.
8. Scudder L. C. - Tumor of the intercarotid body. A report of one case together with all cases in the literature. Amer. J. Med. Sc.; 126:384 1903 apud WARD (90).
9. Ward, G. E. & Hendrick J. W. - Tumors of the carotid body in Tumours of, the head & neck. The Williams & Wilkins Company, Baltimore: 638, 1950.
10. Warren, K. W. - Tumors of the carotid body recognition and treatment. Surg. Clin. North Am.; 33 (3): 677, 1953.
11. Warren, K. W. - Some observations on carotid body tumors. Surg. Clin. North Am.; 39 (3) 621, 1959.
* Auxiliar de Ensino do Depto. de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da U.S.P.
** Médico Residente de 2.° ano.