ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2937 - Vol. 40 / Edição 2 / Período: Maio - Dezembro de 1974
Seção: Artigos Originais Páginas: 245 a 250
A Nossa Experiência com a Eletrococleografia no Diagnóstico da Surdez*
Autor(es):
Ossamu Butugan**,
Aroldo Miniti***,
Lamartine Junqueira Paiva**** e
Fernando Bueno Pereira Leitão*****

I - Introdução

A eletrococleografia (E.Co.G.) um método objetivo de avaliação auditiva. E foi estabelecido em 1968 por Aran & Le Bel em Bordeaux (França). Desde então o seu emprego vem sendo propagado em todo o mundo devido a sua eficiência no diagnóstico da surdez, principalmente, na criança1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11. O presente trabalho se refere ao estudo eletrococleográfico de 191 ouvidos correspondentes a 102 doentes, atendidos na Clínica ORL do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período de outubro de 1973 à agosto de 1974.

II - Casuística e Método

A) - CASUÍSTICA

Foram estudados 191 ouvidos correspondentes a 102 pacientes, atendidos na Clínica ORL. do H.C. da F.M.U.S.P. Quanto a distribuição etária pode ser observado no Quadro I; a idade variou entre 9 meses e 60 anos. Quanto ao sexo, 57 eram do feminino e 45, masculino (Quadro II). E quanto à raça, 91 eram brancos; 9 pretos e 2 amarelos (Quadro II).



QUADRO I -Distribuição etária



QUADRO II - Qto. a sexo e raça



Todos os pacientes foram submetidos a anamnese, ao exame otorrinolaringológico, a testes audiométricos e ao exame clínico geral.

B) - MÉTODO

A eletrococleografia foi realizada conforme o método de Aran1. E pode ser sistematizado em:

01 - Materiais

02 - Desenvolvimento

03 - Apresentação de resultados

01 - Materiais - O conjunto de materiais é constituído de aparelhagens, elétrodos e acessórios. A aparelhagem é formada por um sistema de estimulação (gerador de estímulos, inversor, filtro, atenuador, amplificador, alto-falante) e recepção da resposta (pré-amplificador, amplificador, osciloscópio, computador). Utiliza-se 3 elétrodos: ativo, indiferente e massa. Os acessórios são constituídos de porta-eletródoto, anel de fixação, espéculo auricular, micropinça.

02 - Desenvolvimento de exame - O paciente é colocado na mesa de exame na sala acústica e faradizada. As crianças abaixo de 14 anos de idade foram submetidos aos efeitos da anestesia geral (Ketamina) e os adultos com anestesia local (Xilocaína). Coloca-se o elétrodo indiferente sobre o lóbulo da orelha e o de massa na fronte. O elétrodo-ativo é colocado sobre o promontório na vizinhança da janela redonda. Os 3 elétrodos são ligados à caixa conectada ao pré-amplificador. O alto-falante é colocado a 70 cm. do ouvido a ser examinado. Na ante-sala observa-se, no osciloscópio, o sinal de entrada no computador. Inicialmente procura-se uma resposta nítida, utilizando-se de clic suficiente. Esta resposta é vista no osciloscópio. Pesquisa-se o limiar diminuindo progressivamente a intensidade à cada 10 dB. Mede-se, no osciloscópio, a amplitude e a latência das respostas obtidas. Terminado o exame retira-se os elétrodos e goteja-se antibiótico no ouvido. Repete-se a mesma manobra para examinar o outro ouvido.

03 - Apresentação de Resultados - O conjunto de informações fornecido pelo E.Co.G. para cada ouvido examinado é o seguinte: limiar; latência ao limiar; forma da resposta; forma das curvas representando as variações da amplitude e da latência em função da intensidade do clic.

III - Resultados

O resultado do exame eletrococleográfico realizado em 191 ouvidos, correspondentes a 102 pacientes foi o seguinte:

125 ouvidos sem resposta a 110 dB
66 ouvidos com resposta
13 ouvidos não foram examinados por vários motivos.








Ainda foi observado:

01 - 54 pacientes sem resposta a 110 dB em ambos os ouvidos (108 ouvidos).

02 - 18 pacientes com resposta em ambos os ouvidos (36 ouvidos).

03 - 17 pacientes com resposta em 1 ouvido.

04 - 13 pacientes com resposta em 1 ouvido e o outro ouvido não foi examinado.

Obteve-se quanto ao tipo de eletrococleografia:

01 - 25 ouvidos com E.Co.G. sem resposta.

02 - 18 ouvidos com E.Co.G. normal.

03 - 8 ouvidos com E.Co.G. no recrutamento.

04 - 11 ouvidos com E.Co.G. neurosensorial largo.

05 - 26 ouvidos com E.Co.G. neurosensorial simples.

IV - Comentários

O exame eletrococleográfico efetuado em 191 ouvidos de 102 pacientes apresentou dados interessantes. Na casuística estudada houve predominância de pacientes de raça branca (91) para 9 pretos e 2 amarelos. Com referência ao sexo, houve, discreta predominância do sexo feminino (50) em relação ao masculino (41). Quanto à distribuição etária verificou-se nítida predominância de casos entre 2 e 4 anos de idade (40 casos), seguido de 4 a 6 anos (17 casos) e depois 0 a 2 anos (13 casos). A idade dos nossos pacientes variou de 9 meses a 60 anos. Todos os pacientes foram, previamente, submetidos a anamnese, a exame ORL. e principalmente ao exame audiométrico. E o E.Co.G. foi indicado naqueles casos em que o teste audiométrico não foi realizável (crianças de meses de idade ou excepcionais) ou que apresentasse dúvida. O exame eletrococleográfico foi realizado sob efeitos da Ketamina em todos os 91 pacientes abaixo de 14 anos de idade. Muito embora Aran preconize anestesia geral para menores de 8 anos de idade, na nossa casuística foi utilizado Ketamina até 14 anos de idade porque as crianças eram retardadas ou que não colaboravam na realização do exame. E para os maiores de 18 anos de idade, isto é, em 11 pacientes foi usado Xilocaína, geléia, como anestésico tópico. Não foi observado nenhum efeito colateral com o uso de Ketamina ou, de Xilocaína. O E.Co.G. 48 se refere a uma paciente de 3 anos de idade e que começou a falar aos 2 anos de idade. Porém, fala somente algumas palavras, apresenta retardo de desenvolvimento de linguagem. Não apresenta nenhum antecedente familiar ou individual e nem de gravidez ou de parto. O exame ORL. foi normal. Não se conseguiu realizar o.exame audiométrico subjetivo. E o E.Co.G. revelou para o ouvido Direito:

limiar ao dB;

latência ao limiar 3, 5 mseg;

variação progressiva da latência após o limiar até o máximo de intensidade do clic;

variação da amplitude com aumento progressivo às fracas intensidades, seguido de crescimento rápido acima de 60 dB.

Forma de resposta ao máximo de intensidade do clic foi monofásica. Estes elementos caracterizam um E.Co.G. normal1, 2, 4, 9. Traçado eletrococleográfico deste tipo foi obtido em 18 ouvidos Nestes casos o órgão de Corti está normal e o distúrbio auditivo presente ou não, talvez estivesse relacionado a outros problemas como o central. O E.Co.G. 29 é de uma criança de 5 anos de idade. Apresenta queixa de que não fala desde ó nascimento, porém, compreende por gestos. Nega quaisquer antecedentes familiares ou de moléstias ou de gravidez ou de parto. O exame ORL foi normal. Exame audiométrico impreciso. E o E.Co.G. revelou à sem resposta a 110 dB e à Direita limiar: 70 dB; latência de 1,6 mseg. ao limiar; forma da variação da amplitude em função da intensidade do clic, com crescimento rápido, forma de resposta difásica ao máximo de intensidade ao clic. Estes elementos caracterizam E.Co.G. com recurtamento1, 2, 4, 5, 7 e 11, O E.Co.G. 39 é de uma paciente de 25 anos que teve aos 2 anos de idade meningite. Refere hipoacusia principalmente à Direita e fala mal. O exame audiométrico revela anacusia à D. e à Esquerda a via aérea ao redor do 70 a 90 dB. O E.Co.G. apresentou à D. sem resposta a 110 dB e à Esquerda limiar 60 dB; latência 3,8 mseg.; variação da curva de amplitude com crescimento rapido e a forma de resposta largo. Estes elementos caracterizam um E.Co.G. de percepção largo1, 2, 4. O E.Co.G. 59 e 60, por exemplo, não apresentaram resposta a 110 dB em ambos os ouvidos. Como antecedentes referem que a mãe no 2.° mês de gravidez contraíra rubéola. Seria assim a rubéola o agente causador da surdezg. Porém, em outros casos não soubemos correlacionar o achado eletrococleográfico de sem resposta a 110 dB com os dados de anamnese e exame otorrinolaringológico. Aliás isto foi o que aconteceu na maioria dos nossos casos, sem poder estabelecer a etiologia da surdez. Como é o caso 45 de 9 meses de idade que tem 1 irmão gêmeo, aparentemente normal. A mãe não conta nenhum dado a não ser que a criança não reagia aos estímulos sonoros como o irmão gêmeo. O exame ORL. foi normal e os testes audiométricos foram inconclusivos. E o E.Co.G. revelou sem resposta a 110 dB em ambos os ouvidos. Desta maneira, o E.Co.G. revelou-nos de maneira objetiva e precisa ti limiar de audição dos nossos pacientes examinados, contribuindo desta forma para o diagnóstico da surdez.

V - Conclusões

Do estudo eletrococleográfico de 191 ouvidos correspondentes a 102 pacientes concluímos:

01 - Foi encontrado 18 ouvidos com E.Co.G. normal;

02 - 26 ouvidos com E.Co.G. de percepção sem recrutamento;

03 - 8 ouvidos com E.Co.G. com, recrutamento;

04 - 14 ouvidos com E.Co.G. de percepção de forma largo;

05 - em 125 ouvidos não houve resposta eletrococleográfica;

06 - O E.Co.G. é de grande importância no diagnóstico precoce da surdez na criança;

07 - O E.Co.G. fornece a avaliação auditiva objetiva do ouvido testado, independentemente, para cada ouvido;

08 - O E.Co.G. permite uma aparelhagem segura e melhor orientação precoce da criança hipoacusia.

VI - Sumário

Os autores realizaram o estudo eletrococleográfico de 191 ouvidos correspondentes a 102 pacientes na Clínica ORL. do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Obtiveram E.Co.G. normal (18), de percepção simples (26), com recrutamento (8), largo (14) e sem resposta (125). E chegaram à conclusão de que o E.Co.G. oferece:

a) avaliação auditiva objetiva do ouvido testado, independentemente para cada ouvido;

b) diagnóstico precoce da surdez na criança:

c) aparelhagem segura e melhor orientação na reeducação precoce da criança hipoacusia.

VII - Summary

The AA studied 191 E.Co.G. tracings in 102 patients at ENT Clinic of Faculty of Medicine of the University of São Paulo.

The results showed:

a - Objetive avaliation of hearing.

b - Early diagnosis of the hearing loss in children.

c - No side effects with the use of the apparatus.

VIII - Bibliografia

1. Aran, J. M. - L' electrocockleogramme
I - Principe et technique - Cahiers de la C.F.A. - Paris, 12, 1971.
II - Resultats - Cahiers de la C.F.A. - Paris, 13, 1971.
III - Interpretation - Cahiers de ta C.F.A. Paris, 14, 1972.
2. Aran, J. M. - Analise du fonctionnement global du nerf auditif, Etude Electrocochleographique normale et pathologique chez l'homme et verifications experimentales chez l'animal. Tese Doutoramento - Universidade de Bordeaux - França 1973.
3. Aran, J. M. & Le Bert, G. - Les reponses nerveuses cochleaires chez l'homme. Irrage du fonctionment de l'oreille et nouveau test d'audiometric objetive. Rev. Laryng. 89:3&1378, 1968.
4. Aran, 1. M.; Pelerin, J.; Lendir, J.; Portmann, C. L.; Carrouzet, J. - Aspects theoriques et pratiques des ensigistrements electrocockleographiques selons la methode etablie a Bordeaux - Rev. Laryng (Supl.) 92 :601-644, 1971.
5. Butugan, O. - O eletrococleograma na doença de Meniére - Tese Docencia - Livre - Fac. Medicina USP, São Paulo - 1972.
6. Butugan, O.; Aran, J. M. & Negrevergne, M. O eletrococleograma na criança. Rev. Bras., ORL. 39:53-58, 1973.
7. Lagourgue, P. - ESTUDE DU RECRUTEMENT, SA MESURE PAR L' EPREUVE D'ARAM. (E.Co. G) Premiers resultats. Memoire Orthophonie, Bordeaux, 1970.
8. Portmann, M. - L'etiologie des surdités Rey. Pediatrie - VII :7-19, 1971.
9. Portmann, M. & Aran, J. M. - Electrochieography-Laryngoscope (St. Louis) 81 :899-910, 1971.
10. Portmann, M.; Aran, J. M. - Electrocochleographie sur le nourrisson et le jeune enfant. Acta Otolaryng. (Stock) 71: 253-261, 1971.
11. Portmann, M.; Aran, J. M.; Lagourgue, P. Testing for recrutment by electrocochleography. Preliminary results. Ann. Otol. (St. Louis) 82: 36-43, 1973.




* Trabalho realizado na Clínica ORL do H.C. da F.M.U.S.P.
** Livre-docente da Clínica ORL do H.C. da F.M.U.S.P.
*** Livre-docente e Chefe da Clínica ORL do H.C. da F.M.U.S.P.
**** Titular da Clínica ORL do H.C. da F.M.U.S.P.
***** Livre-docente do Serviço de Anestesia do H.C. da F.M.U.S.P.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia