Nossa finalidade neste trabalho é aguçar a observação do otoneurologista, no que concerne ao estudo do "COMA", e dar também uma contribuição propedêutica e de prognóstico para o neurologista. Interessamo-nos por esse estudo após a leitura do trabalho de W. R. Jadhav, M. S. e colaboradores no Laryngoscope de março de 1971. Os autores, baseados na resposta do reflexo vestíbulo-ocular, através de estimulação labiríntica com água fria, estudaram 75 pacientes em diversos estados de alteração da consciência, em casos selecionados no departamento de, neurocirurgia do Ali índia Institute of Medicai Sciences. Os autores afastaram dessa casuística os pacientes portadores de patologia do ouvido médio. A técnica usada pelos autores era a introdução de 20 ml de água fria, através do conduto auditivo externo, injetada durante 10 a 15 segundos; se não houvesse resposta, a prova seria repetida várias vezes, até a certeza da obtenção ou não do nistagmo. A cabeça do paciente era colocada num ângulo de 300 da horizontal. O exame calórico era repetido várias vezes ao dia, caso houvesse modificações ao nível da consciência. Os pacientes foram classificados em níveis de:
TABELA I
0 - Consciência
1 - Sonolência
2 - Torpor
3 - Coma brando
4 - Coma
5 - Coma severo
6 - Coma cárus
7 - Coma Depassé
Para a produção de resposta é essencial que haja um substrato neuroanatômico e funcional perfeito. Se o arco reflexo consiste no labirinto, nos nervos eferentes do músculos do olho e nas várias conecções entre estes, o tronco cerebral e centros cor ticais, qualquer lesão, nas estruturas dele (arco refexo), manifesta-se numa anormalidade na resposta vestíbulo-ocular.
Material e MétodosO caso a ser analisado é de um paciente de 26 anos do sexo masculino, internado no Hospital a 16 de fevereiro de 1974, com diagnóstico de desvio do septo nasal e otite serosa crônica. Em decorrência da otite serosa crônica apresentava-se com dreno de ventilação nos dois ouvidos. Foi submetido a septoplastia sob anestesia geral por entubação, tendo o ato cirúrgico decorrido normalmente.
Duas horas após a cirurgia, constatou-se que o paciente se apresentava cianótico e sem respirar. Imediatamente levado ao centro cirúrgico, foi constatado que o mesmo se encontrava com parada cardíaca. Foi feita massagem externa, adrenalina intracardíaca e entubação endotraqueal, além de outras medidas de ordem geral como a instalação de: Manitol, lasix, flebocortid, Bicarbonato de sódio a 4,5% e soro glicosado, restabelecendo-se os batimentos cardíacos. Após 15 minutos, desapareceu a midríase e o paciente reagiu à fotoestimulação. O exame neurológico revelou o seguinte: 17-2-74. - Paciente em estado de inconsciência "quadro de torpor". Estimulado, abre os olhos, mas desatento, move os quatro membros esboçando defesa com o membro superior direito. Pupilas com reflexo fotomotor presente.- Reflexos profundos Babinsky bilateral. Conclusão: seqüela de lesão encefálica com componente de tronco cerebral. Prognóstico reservado, mas favorável diante da progressão. - 18-2-74. - No dia seguinte, foi feito novo exame neurológico revelando o seguinte: estado de inconsciência inalterado; permanência de reação à dor sem defesa. Os demais reflexos eram iguais do dia anterior; foi indicada traqueostomia sob anestesia local. Realizamos, neste dia, a prova calórica com ototermoar a 200, durante 80 segundos; com eletronistagmografia. (Não realizamos a prova calórica com água fria por ser o paciente portador de otite serosa crônica e estar com drenos de ventilação nos ouvidos). Através desta estimulação, conseguimos uma resposta ocular caracterizada por desvio conjugado dos olhos, para o lado esquerdo, no caso da estimulação do ouvido direito; e, para o lado direito, quando, no caso da estimulação do ouvido esquerdo. No dia seguinte, o exame neurológico revela crises convulsivas generalizadas. Apesar dessas crises, reage à dor esternal. A estimulação labiríntica revelou ausência de respostas permanecendo os olhos na linha mediana. Foram repetidas várias estimulações, em temperaturas mais baixas, sem que obtivéssemos respostas. A partir desta data, todos os exames realizados revelaram sempre essa mesma ausência. Esse fato permaneceu até o óbito do paciente, quatro meses após. Com o resultado comunicamos ao neurologista de que, baseados no exame, o prognóstico era fechado em vista dos estudos anteriormente realizados por W. R. Jadhav.
DiscussãoDe acordo com os níveis variáveis da consciência, encaixamos o nosso caso, no nível 4, da tabela 1, ou seja: reflexos oculares, pupilar e corneano conservados, mas perigosamente deprimidos, com desvio conjugado dos olhos. O paciente, 24 horas após, quando não mais encontramos resposta na estimulação calórica, passou para o nível 6 no qual o reflexo pupilar desaparece e o estímulo calórico não é encontrado. Para melhor compreensão, vamos mostrar quais as anormalidades encontradas através das provas calóricas no reflexo vestíbulo ocular, nos diferentes níveis de consciência, como mostra a tabela 2.
Conclusão1 - O desvio conjugado bilateral, sem nistagmo, indica um estado profundo de inconsciência, com lesão séria de tronco cerebral.
2 - A ausência de resposta calórica, associada aos estados profundos de inconsciência, indica uma difusão pontina com prognóstico gravíssimo.
3 - As estimulações calóricas, repetidas, nos dão com segurança uma mudança do nível do estado de consciência, por exemplo: a observação do desvio conjugado sem nistagmo, no primeiro exame em contraposição à ausência de resposta, no segundo, é um sinal de piora no estado do paciente.
4 - Nos casos em que não podemos utilizar a água fria para a estimulação, o uso do ototermoar nos dá informações semelhantes.
ResumoOs autores apresentam o estudo de um caso em paciente comatoso. Este fora submetido à estimulação calórica do labirinto com o uso do ototermoar. Com isso contribuem para a propedêutica e o prognóstico na avaliação das alterações dos níveis de consciência, dando ao neurologista mais um subsídio no estudo da evolução dos comas.
Bibliografia1. W. R. Jadhav e Col - Cold Caloric Test in Altered States of Consciousness. Laryngoscope, 391-402, March 1971, vol. LXXXI - n.° 3.