A alergia alimentar dificilmente é diagnosticada, continuando a ser um capítulo não resolvido na medicina, representando um porcentagem elevada da patologia humana, não sendo na maioria das vezes reconhecida, segundo William Kaufmann.2
Se fizermos um levantamento bibliográfico, verificaremos que há milhares de publicações relativas a fatos básicos de imunologia e alergia, o que mostra quão complexas e variáveis são as doenças alérgicas, assim como quanto estas podem exercer influência direta ou indireta nas outras moléstias ou mesmo, criar condições para que outras moléstias, principalmente processos infecciosos, se instalem ou para que se cronifiquem. Conclui-se que se não atentarmos para a alergia alimentar, muitas vezes não entenderemos o porquê das alterações e variações, recidivas e cronicidade dos processos infecciosos. No campo da ORL, as manifestações alérgicas representam grande porcentagem dos processos patológicos, segundo o Dr. Russell I. Williamr, 5 90% dos pacientes da prática otorrinolaringológica são alérgicos e pelo menos 60% têm manifestações alérgicas evidentes, sendo estas muitas vezes responsáveis pela modificação do quadro clínico de outra etiologia, tanto na sua intensidade quanto no seu estado. Como exemplo temos os processos infecciosos que se apresentam mais exuberantes em sintomatologia, mais intensos e variados. As manifestações alérgicas na mucosa nasal podem ser responsabilizadas pela instalação de processos infecciosos por debilitação das resistências da mucosa e também criam, condições para que estas se cronifiquem. Neste trabalho procuramos nos ater ás manifestações alérgicas das fossas nasais, isto é, rinopatia alérgica perene, não nos esquecendo, no entanto, que fazem parte de um quadro geral. Procuramos avaliar qual a importância e freqüência da alergia alimentar no âmbito da ORL, principalmente das fossas nasais. Vários autores, em especial, Bryan e Bryan1,3, através do teste citotóxico e Rinkel4, do teste "Provocativa Feed Test " e muitos outros autores, chamam a atenção para a alergia alimentar, não especialmente no campo da rinopatia alérgica, mas em alergia em geral, que é importantíssima e representa grande porcentagem.
Quando demos início a este trabalho não havia condições de execução do teste citotóxico e nem mesmo do provocativo, então resolvemos adotar "a priori", tas dietas de substituição, preconizadas pelo Dr. C. B. Cagnani, de Cordoba (Argentina), no Congresso Brasileiro de ORL, realizado em 1969 em Porto Alegre. Seguimos de perto sua orientação, fazendo as alterações necessárias para adaptação das dietas, aos hábitos alimentares de nossos pacientes e as detalhamos mais a fim de obtermos maiores informações.
Basicamente prescrevemos três DIETAS:
A) Dieta de Supressão:
Nesta devemos excluir da dieta habitual do paciente três alimentos que sejam básicos e que portanto, são ingeridos diariamente. Baseados em estatísticas apresentadas em trabalhos de autores que investigam a alergia alimentar, constatamos que as mais freqüentes são: Leite e derivados, ovos, trigo, fermento de pão, chocolate, tomate. Por um período não inferior a dez dias, como rotina, eliminamos: leite e derivados, ovos, trigo. Orienta-se o paciente que estão incluídos os alimentos que contenham estes alimentos, não importando a quantidade. Se o paciente apresentar melhora ou não, devemos acrescentar um dos três, por vez, cada 8 dias e também, durante 8 dias. Se com o acréscimo o paciente apresentar reaparecimento ou intensificação das reações alérgicas que vinha apresentando ou mesmo apresentar outras devemos suprimir o último acrescido, aguardar melhora, para a seguir acrescentar outro. A ordem de acréscimo pode ficar a critério do paciente, respeitando-se assim suas preferências. Se o paciente não obtiver melhora com a supressão e nem piora com o acréscimo devemos passar para as dietas de manutenção.
B) Dieta de Manutenção
Nesta usa-se como dieta básica aquela que contenha os três alimentos suprimidos na primeira dieta, isto é, leite, ovos, trigo e acrescentamos três outros, que serão substituídos por outros quando não houver melhora ou piora da sintomatologia.
Exemplos: 2.ª dieta: Leite, ovos, trigo, carne de vaca, batata, laranja; Tempero só sal.
3.ª dieta: Leite, ovos, trigo, carne de frango, arroz, banana; Tempero só sal.
Se o paciente melhorou com as dietas de manutenção, devemos passar para as de adição, isto é, acrescentar um alimento ou condimento, cada cinco dias e também durante cinco dias e observar se há reaparecimento das manifestações alérgicas. Para obtermos maior número de informações devemos sempre levar em consideração as manifestações alérgicas de outras partes do organismo, não nos esquecendo de detalhar a história clínica, tanto da rinopatia alérgica como das manifestações gerais, como: fadiga, edema, cronicidade e intensificação dos sintomas (Bryan Alergy in Otorrinolaringology, Tratado de ORL de Paparella), alterações da personalidade, infecções repetidas do trato respiratório, alterações gastro-intestinais, mialgias, febre baixa, tosse, eczema auricular e retroauricular, eczema das faces flexoras dos membros, urticária e outros. Fizemos um levantamento dos nossos pacientes com rinopatia alérgica sem infecção, associada a outra patologia das fossas nasais, seios pananasais e rinofaringe. Consideramos como rinopatia alérgica o quadro clínico com os sinais e sintomas: espirros em salva ou freqüentes, coriza freqüente ou perene, prurido nasal, obstrução nasal perene ou intermitente e que apresentavam à rinoscopia mucosa pálida, cianosada ou não, edemaciada, principalmente das conchas inferiores e médias, secreção mucosa, aquosa ou serosa. Os pacientes foram submetidos a exame radiológico e não apresentavam patologia sinusal, não compatível com a rinopatia alérgica.
Analisando os dados da Tabela I, verificamos:
A - Cerca de 80% dos pacientes que seguiram rigorosamente as dietas se beneficiaram, fazendo com que a sintomatologia diminuísse ou cessasse, quando suprimidos os alimentos detectados e que quando ingeridos passavam novamente a apresentar a sintomatologia, na maioria das vezes, com maior intensidade;
B - Pelos dados coletados, vemos que os alimentos que mais freqüentemente provocam processos alérgicos, nas vias aéreas superiores são: leite, trigo, ovos e seus derivados;
C - Os demais alimentos aparecem em proporções bem menores e mesmo não aparecem, de vez que não foram regularmente testados na segunda e terceira dietas, onde variamos os alimentos acrescidos de acordo com a dieta preferencial do paciente, isto porque não podemos impor ao paciente que passe a ingerir o que não aprecia ou não está habituado. Ocorre, ainda, que o paciente estando passando bem, não mais se submete a dietas e assim, ficamos impossibilitados de saber a que mais são sensíveis.
TABELA I
Em muitos pacientes notamos verdadeiros paradoxos, tais como:
A - Pacientes altamente sensíveis a inalação de pó doméstico, ou de esporos de fungos de bibliotecas, a inseticidas e com testes cutâneos positivos para os mesmos, e que não obtiveram melhora com tratamento de autovacinas e dissensibilização e que também apresentavam intensa sensibilidade aos agentes físicos como: pós inertes, substâncias voláteis, etc., que após investigação minuciosa da alergia alimentar e eliminação dos alergenos alimentares aos quais eram sensíveis, conseguimos eliminar as manifestações que se apresentavam nas vias aéreas superiores e mesmo as gastrointestinais e outros aparelhos passando a apresentar sensibilidade aos inalantes e agentes físicos bastante diminuída ou totalmente ausente;
B - Outro aspecto que nos chamou a atenção é de que as reações alérgicas das vias aéreas superiores quando correm por conta da alergia alimentar, são quase sempre manifestações tardias, isto é, aparecendo pelo menos 24 h após a ingestão.
Dificilmente as manifestações aparecem no primeiro ou segundo dia após o acréscimo dos alimentos e sim a partir do terceiro dia, com intensificação durante alguns dias e manutenção da intensidade durante alguns dias, quando há continuidade de ingestão, há decréscimo da intensidade com episódios (crises) de intensificação sintomatológica que muitas vezes coincidem com a atuação de agentes físicos ou alérgicos inalatórios. Se os alimentos são ingeridos com intervalo de pelo menos cinco dias sempre ou quase sempre aparecem as crises também 24 ou 48 h, mesmo quando não estiverem presentes os agentes físicos climáticos e alérgicos inalatórios;
C - Além das manifestações tardias já, no terceiro ou quarto dia com freqüência, se complicam com processos infecciosos e os pacientes passam a apresentar febre e secreções purulentas, ficando o quadro alérgico completamente mascarado;
D - Outro aspecto interessante é a observação que pudemos fazer que em um mesmo paciente os diferentes alergenos alimentares com certa freqüência apresentam reações em partes diferentes do organismo, por ex.:
Alergeno alimentar "A" - Rinite
Alergeno alimentar "B" - Faringite
Alergeno alimentar "C" - Laringite
Alergeno alimentar "D" - Urticária
Alergeno alimentar "E" - Labirintopatia
Alergeno alimentar "F" - Otite externa
E - Sinais e sintomas que eram atribuídos pelo paciente e mesmo por médicos a outras etiologias, tais como, cefaléia, principalmente a retroorbicular, hemicraniana, enxaquecas, distúrbios gástricos como digestão difícil, eruptações com azia, sonolência após as refeições, indisposição, obstipações intestinais, assim como diarréias ou mesmo quadro desintérico intenso e de longa duração, sem diagnóstico etiológico, tonturas giratórias, náuseas, vômitos, corrimentos ginecológicos, urticária, edema angioneurótico, desapareceram completamente só ressurgindo pela ingestão dos alergenos alimentares incriminados.
ConclusõesA - A diminuição da sensibilidade aos alergenos inalatórios e agentes físicos, cremos ser devida á normalização da mucosa das vias aéreas e que então não mais é hiperérgica e hipersensível;
B - O fato das reações alérgicas nas mucosas das vias aéreas superiores serem tardias é o que dificulta seu diagnóstico e faz com que se atribua aos alergenos inalatórios e agentes físicos, porque estes despertam crises de manifestações alérgicas ou de tipo alérgico, logo após a sua ação sobre as mucosas;
C - Concluímos também que os alergenos alimentares só produzem manifestações alérgicas em crises agudas, quando ficam afastados por algum tempo e que não o fazem quando ingeridos diária ou quase diariamente, conseguindo, assim, apenas manifestações discretas e perenes;
D - Quando há complicações infecciosas com febre há necessidade de administração de antibióticos e corticoesteróides para obter regressão do processo, assim permanecendo apenas as reações alérgicas;
E - A observação de que os alergenos alimentares provocam reações em diferentes aparelhos já era conhecida, mas que existiam distintos locais de manifestações nas vias aéreas superiores não encontrei em publicações consultadas.
ResumoForam estudados 50 casos de rinopatia alérgica, usando-se dietas de substituição e verificou-se que 80% dos pacientes se beneficiaram, passando a não mais apresentar a sintomatologia com a supressão dos alimentos aos quais eram sensíveis.
A alergia alimentar desempenha papel importantíssimo na rinopatia alérgica perene, mesmo estando associada á inalatória.
A sensibilidade acentuada dos pacientes aos agentes físicos pode ser atribuída às alterações que ocorram na mucosa devido às reações alérgicas decorrentes, principalmente da alergia alimentar, devendo a inalatória dar a sua contribuição, alterações estas que a tornam hipersensível a hiperérgica.
SummaryHave beeing studied 50 cases of rinopaty alergic, using substitution diets and we verifyed that 80% of patients have benefits, and did'nt present any sintomatology with supression of foods to what they were sensible. Food alergy performs important paper in perpetual alergy rinopatie, even when associated at inalatory ones. Great sensibility of patients to fisic agents may be attributable to alteration of mucos membrane by alergic reaction in deccourrence, principally of foods allergy, and inalatory one should give her contribution, and these alterations turn them hipersensible and hiperergic.
Bibliografia1. Bryan W. T. K. and Oryan M. P. - The application of in vitro cytotoxic reactions .to clinical diagnosis of food allergy. The Laryngoscope, 70: 810-824, June 1960.
2. Kaufman W. - The comphehensive Management of Patients Suffering from Food induced allergens. Int. Arch Allergy 6:361-369, 1955.
3. Paparella M. M. and Shumrick D. A. - Otalaryngology - volume 3 Head and Neck, chapter 4 - allergy in Otolaryngology by William T. K. - W. B. Saunders Company - 1973.
4. Rinkel H. J.; Lee C. H., Brown, D. W. - Willonghby, I. W. and Williams. - The diagnosis of food allergy - Arch. Otolaryngology 79 71-79, 1964.
5. Wilfiams R. I. - Modern concepts in clinical management of allergy in otolaryngology. The Laryngoscope 76:1389-1415, August 1966.
* Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Estadual, Francisco Morato de Oliveira - São Paulo, serviço de ORL (Prof. Moises Cutin); - Estudo realizado a partir de 1969.
** Médico contratado do HSPE, serviço de ORL Professor assistente da Escola Paulista de Medicina da disciplina de ORL.