A laringoscopia indireta deve ser considerada o primeiro método de exame de que dispomos para ver a laringe, colher valiosos informes e observar boa parte da sua fisiologia. A laringoscopia direta clássica permite imagem real e direta da laringe, o exame de áreas que não visualizam bem na laringoscopia indireta como a região subglótica e a dos ventrículos e a verificação do aspecto infiltrativo de uma lesão e da mobilidade de determinadas áreas através do toque instrumental. Entretanto, no método clássico de laringoscopia direta, as manipulações endolaríngeas são feitas com uma só mão pois a outra segura o laringoscópio e como a visão é monocular não há sensação de profundidade. A laringoscopia de suspensão possibilita ao cirurgião realizar com maior facilidade as intervenções por permitir o uso das duas mãos. A adaptação de lupas em frente à abertura do laringoscópio de suspensão permite ao laringologista não só reconhecer precocemente importantes detalhes das alterações iniciais das lesões da mucosa laríngea bem como operar com ampliação de imagem. Scalco e col. (1960) realizaram, ao que parece, a primeira microcirurgia laríngea, e, embora desde esta época venha ganhando importância cada vez maior, deve ser encarado como método que veio complementar e não substituir todos os outros, não se devendo recorrer a ele como método exclusivo. Ele deu ao laringologista um formidável e apaixonante meio para o diagnóstico e tratamento das afecções da laringe: a microlaringoscopia permitindo ver toda a alteração da mucosa laríngea e de diferenciar, dentro de limites bem seguros, entre afecções benignas, pré-cancerosas e cancerosas; a microcirurgia possibilitando o aparecimento de novas técnicas e o aperfeiçoamento daquelas já existentes, dando ao laringologista maior segurança e precisão para a execução das mesmas. O objetivo deste trabalho é o de apresentar a nossa experiência pessoal acumulada entre julho de 1970 a julho de 1974. Durante este período realizamos 245 intervenções microcirúrgicas em 238 pacientes. Destes, 129 casos já foram apresentados em trabalho anterior (Thomé e col., 1974).
TécnicaO doente é levado á sala de cirurgia 40 minutos após a administração do pré-anestésico. A anestesia empregada é a geral com intubação endotraqueal, curarização e respiração controlada ou assistida. A sonda escolhida é a de borracha ou aramada números 26 ou 28, introduzida por via oral e fixada de encontro a comissura labial esquerda, após ter sido insuflado o cuff. A sonda deve ultrapassar bem a região subglótica para não desintubar durante as manobras de introdução do laringoscópio. Antes de colocar o laringoscópio, para não machucar a gengiva (nos doentes desdentados) ou os dentes, deve-se proteger essas estruturas com um tubo de borracha, cortado longitudinalmente, ou qualquer outro tipo de protetor. Tal precaução é importante nos doentes com dentes mal conservados ou com coroa de jaqueta que podem se romper quando o laringoscópio é apoiado sobre eles. Em doentes com dentição completa e regular, a borda inferior, plana, do laringoscópio apóia-se sobre vários dentes ao mesmo tempo e praticamente não há riscos. Após a colocação do laringoscópio adequado ao doente ele é fixado com o braço de Riecker de apoio torácico. O apoio deve somente manter o laringoscópio e não ajudar a expor a laringe. O apoio pode ser diretamente sobre o tórax do doente ou sobre uma mesa de Mayo colocada logo acima do tórax. Em seguida, o microscópio Zeiss com cabeçote reto e munido de objetiva de 400 mm é conectado em frente á abertura do laringoscópio de tal modo a fazer coincidir o raio luminoso do microscópio com o eixo do laringoscópio. Após focalizar, procura-se a visão binocular.
Técnicas microcirúrgicasPolipo - O polipo é apreendido com uma pinça e tracionado em direção à luz da laringe. O seu pedículo é seccionado com uma tesoura. As lâminas da tesoura são movidas paralelamente a borda da corda e mantidas sob visão, para evitar lesar o ligamento vocal. As rebarbas da mucosa e a reação da corda vocal contralateral devem ser retiradas com uma pinça sacabocado até deixar as cordas bem retilíneas (figura 1).
Cisto - A mucosa que recobre o cisto é apreendida com uma pinça e com uma tesoura seccionamos a mucosa abaixo do cisto. Aparece a cápsula do cisto que é separada da corda vocal com um descolador. A mucosa ao longo do cisto é seccionada á medida que vamos progredindo no deslocamento até a retirada extracapsular de rodo o cisto (figura 2).
Nódulo - A mucosa acima do nódulo é apreendida com uma pinça e tracionada para a frente e para baixo. Isto provoca um rasgo na mucosa atrás do nódulo. Em seguida a pinça apreende a mucosa abaixo do nódulo e com tração suave em direção superior, a remoção do nódulo é completada. Evita-se com essa manobra o arrancamento da mucosa no sentido anteroposterior além do estritamente necessário (figura 3).
Câncer - Em tumores malignos pequenos nós realizamos uma decorticação no local da lesão não com fim terapêutico mas exclusivamente diagnóstico. Cremos que essa conduta é melhor do que praticar biópsias dirigidas seja em superfície ou seja em profundidade. Pode-se também praticar eletrocoagulação de superfície cruenta após ter praticado a decorticação (figura 4).
Laringite crônica hiperplárica - Realizamos a decorticação de ambas as cordas no mesmo ato cirúrgico, respeitando a comissura anterior. Infiltramos a mucosa com uma solução de xilocaina e adrenalina, incisamos a mucosa com um bisturi e a descolamos respeitando o ligamento vocal. Com uma tesoura seccionamos a mucosa acompanhando a corda na sua face subglótica. A mucosa retirada em bloco é encaminhada para o exame histológico, em cortes seriados, no intuito de descobrir toda eventual transformação epiteliomatosa (figura 5).
Granuloma pós-intubação - O granuloma é apreendido com uma pinça e seu pedículo seccionado com uma tesoura (figura 6).
Úlcera de contacto - As bordas da úlcera são retiradas com bisturi e descoladores (circunsição de Kleinraraer, 1968) e seu leito central é preservado. Não se deve usar o bisturi elétrico. A ponta da cartilagem aritenóide quando saliente é seccionada.
Paralisia bilateral dos abdutores - Com o desenvolvimento da microcirurgia endolaríngea, reavivou-se a técnica de Tornell. Fazemos uma incisão na mucosa no meio da superfície da corda vocal até a cúpula da cartilagem aritenóide. A seguir, extirpamos um pequeno triângulo da mucosa e a aritenóide é retirada subpericondrialmente de sua articulação. A seguir as fibras musculares do másculo vocal são retiradas cuidadosamente. A quantidade de músculo retirado é importante e depende do peso do doente e das dimensões da laringe (Kleintasser, 1968). A exérese do músculo interaritenoideo oferece também bons resultados.
Paralisia unilateral - Quando a corda paralizada está em posição paramediana (lesão do nervo tecurtente) ou intermediária (lesão do nervo vago), fazemos uma injeção intracordal de silicone gel para aumentar o seu volume e deslocá-la para a linha mediana. Esta conduta puramente mecânica possibilitará que a corda vocal normal encontre a paralizada, fechando o hiato entre elas, melhorando a voz, o cansaço vocal e a tosse se torna mais eficiente. Usamos para esse fim seringa e agulhas construídas sob nossa orientação. A injeção é feita na face lateral da corda vocal (entre o músculo tireoaritenóideo e a cartilagem tireóide), na porção média da corda vocal ligamentosa. Uma segunda injeção, é feita no mesmo ato cirúrgico, quando necessário, mais posterior á primeira, lateral ao processo vocal da cartilagem aritenóide (figura 7).
Sinequia pós-cirúrgica - A sinequia é resecada ao longo das bordas das cordas vocais com tesoura ou bisturi. Introduz-se, em seguida, uma agulha grossa (de fora pata dentro) na membrana tireohioidea e na membrana cricotireoídea. Passa-se, por dentro das agulhas, fio de mononylon cujas extremidades são apreendidas no endolatinge e retiradas para fora do laringoscópio. Essas extremidades são fixadas a uma pequena placa. Os fios que saem pelo pescoço são puxados pata cima, tracionando a placa para dentro da laringe. Quando a placa se localiza entre as cordas, amarra-se externamente os fios a um pequeno tubo de polietileno ou a botões (figura 8).
Edema de Reinke - Faz-se a exérese da mucosa exuberante (localizada ou difusa) com pinça e tesoura, até se conseguir o aplanamento das bordas das cordas vocais.
Fotografia laríngea
Faz-se adaptação de um corpo de câmara fotográfica Contarex que permite tirar fotografias através do sistema de lentes do microscópio ao mesmo tempo em que realizamos a cirurgia endoscópica. Tem a vantagem de utilizar o aumento do microscópio que se pode variar e conseguir fotos ampliadas do processo que estamos examinando ou operando. A câmara adaptada ao divisor de raios óticos permite trabalhar com visão binocular.
FOTOGRAFIA
DiscussãoO progressivo aperfeiçoamento do ponto de vista instrumental e técnico da microscopia laríngea concorreu, indiscutivelmente, para uma verdadeira cirurgia funcional de lesões pequenas como nódulos, polipos, cistos, edemas, granulomas, úlceras de contacto. Trouxe vantagens também para os casos em que se deve fazer um trabalho prolongado como na papilomatose difusa, decorticação das cordas vocais, atitenoidectomia e hemicordectomia submucosa, correção das sinequias das cordas vocais. Entretanto, há alguns fatores que a dificultam ou mesmo a limitam. Com relação ao doente, é possível prever as dificuldades já durante a laringoscopia indireta e verificando a constituição física do doente. O doente alto, magro com o pescoço pouco musculoso, representa um caso muito bom. O doente baixo e musculoso, com pescoço curto e grosso, com pouca abertura da boca, com dentes superiores grandes e em proa, com a musculatura da base da língua potente e grossa, certamente oferecerá dificuldade na introdução do laringoscópio. A própria introdução da sonda endotraqueal já é trabalhosa nestes doentes e muitas vezes é impossível colocar o laringoscópio mesmo recorrendo a laringoscópios de menor calibre. Nestes casos o pequeno tamanho do pescoço não assegura a hiperextensão dorsal da cabeça necessária para introduzir o laringoscópio onde já existe um afastamento insuficiente entre as arcadas dentárias. A falta de dentes facilita a colocação do laringoscópio, pois amplia a largura do orifício bucal. Por outro lado, a interposição de um protetor dentário grosso, cria uma espessura suplementar aumentando as dificuldades em colocar o laringoscópio. Outra dificuldade são os doentes com laringe infantil ou com alteração morfofuncional da coluna. Nos casos de exposição difícil, pode-se comprimir a cartilagem tireoide para fazer aparecer a comissura anterior. Os laringoscópios de Kuhl e col. (1971) expõe com maior facilidade a comissura anterior. A anestesia geral, com curarização e intubação endotraqueal permite o silêncio laríngeo e oferece a segurança da ventilação pulmonar em uma intervenção onde a duração é variável. A visão da laringe é muito pouco prejudicada pois a sonda de intubação pouco atrapalha: ela fica no espaço interaritenoideo e libera a porção ligamentosa das cordas vocais. Quando a sonda é colocada na comissura anterior (a ponta do laringoscópio abaixo dela) libera a glote cartilaginosa para o tratamento das lesões posteriores. Nesse esquema, empregamos a anestesia para a grande maioria dos doentes nos quais realizamos microcirurgia. Não tivemos a necessidade de contraindicar a microcirurgia devido à anestesia geral. Se o doente é portador de grave deficiência de ventilação (menor do que 50% de ventilação), graves doenças hepáticas, cardiopatias não compensadas, insuficiência renal grave, existe evidentemente restrições quanto á anestesia. Nestes casos, optamos pela administração de agentes voláteis não halogenados e fazemos laringoscopia direta clássica (com o instrumental delicado da microcirurgia) pois estas alterações sobrepujam as indicações da microcirurgia.
A posição do operador com os cotovelos afastados, braços semi-estendidos e o comprimento dos instrumentos utilizados ocasionam um ligeiro tremor na extremidade distal dos instrumentos. Cremos que essas dificuldades, o laringologista á medida que vai adquirindo experiência, pode perfeitamente contornar. Essas dificuldades podem também ser resolvidas apoiando os cotovelos sobre uma pequena mesa para dar maior firmeza às mãos. Um exame otorrinolaringológico completo é importante antes da realização da microcirurgia laríngea pois o tratamento deve ser dirigido não só á lesão laringea mas também a outras afecções das vias aero-digestivas superiores, quando existentes. Assim é que deve-se tratar uma sinusite, corrigir septo desviado, realizar amidalectomia, retirar vegetações adenoides. Os doentes, no geral, recebem alta após se recuperarem da anestesia. O repouso de voz de 2-3 dias e a restrição ao fumo são obrigatórios. Nas afecções em que existe componente funcional é indicado tratamento foniátrico posterior. No que concerne à técnica cirúrgica, os princípios básicos que regem as cirurgias endoscópicas endolaríngeas ainda são válidos e devem ser respeitados. Deve-se preservar o mucosa da comissura anterior para evitar sinequias e não lesar o ligamento da corda vocal. O aproveitamento do fato de que a maioria dos ditos "tumores benignos" quando tracionados através de uma pinça, separarem-se no plano entre o tecido normal e patológico, originou uma das técnicas mais usadas:
- preensão da lesão com uma pinça;
- tração em direção á luz laríngea;
- secção de sua inserção com tesoura ou bisturi.
No que refere á patologia laríngea, ao nosso ver o câncer, mesmo inicial, é um dos limites da microcirurgia quanto ao tratamento. O câncer da laringe é para ser diagnosticado por via endoscópica mas tratado por via externa. Embora tecnicamente a exérese de uma corda seja possível, nós cremos que ela não traz vantagens sobre a conduta que adotamos para o tratamento do câncer da corda vocal móvel. Empregamos nestes casos a radioterapia de prova, iniciada sob nosso controle, para verificar a resposta do tumor. E feita geralmente com cerca da metade da dose cancericida e completada por meio da própria radioterapia em casos favoráveis ou seguida de cirurgia quando a resposta é negativa. Não vemos razão de abandonar essa orientação que nos tem dado excelentes resultados, pela cordectomia endolaringea. Partindo desse princípio, nós empregamos a microcirurgia, nos casos de tumores malignos, para a exploração de pequenas lesões já evidentes na laringoscopia indireta. Torna-se possível observar as características de superfície e. os limites da lesão com grande precisão de detalhes. A parafina foi o primeiro material a ser empregado para a injeção intracordal por Brüningr (1911). Quando as complicações tardias apareceram segundo à injeção de parafina para fins cosméticos em outras partes do corpo, o uso da parafina na laringe foi abandonada embora nenhum efeito adverso tenha sido registrado na laringe. Como o princípio do método de Brünings era excelente, uma série de substâncias foram testadas e a pasta de Teflon-Glicerina desenvolvida por Arnold (1962 ) é a que tem dado melhores resultados tanto experimentais como clínicos. Os silicones líquidos produzidos pela Dow Corning (viscosidade até 12.000cs), são bem tolerados pelos tecidos mas são completamente reabsorvidos em um período de 1 a 4 meses (Rubin, 1965; Weathues, 1973). A American Food and Drug Administration (F.D.A.) só permite o uso desse silicone para fins experimentais. O silicone gel (viscosidade acima de 100 000cs) produzido pela Koken Kogyo, Japão, conhecido comercialmente por Elicon, necessita de uma seringa especial que é fornecida pelo fabricante. Dadas as dificuldades em obter essa seringa, nós construímos uma seringa com base na japonesa e que nos tem permitido injetar o Elicon (e também a pasta de Teflon-Glicerina, que era injetada através da seringa de Brunings). Nós empregamos o silicone gel em 8 doentes com disfonia paralítica com excelentes resultados iniciais. O hiato entre as cordas vocais foi fechado, a voz melhorou muito e os doentes sentem-se muito contentes com os resultados obtidos.
ResumoO autor apresenta 238 casos nos quais realizou microcirurgia da laringe. Enfoca as técnicas microcirúrgicas e salienta a sua conduta frente ao câncer da laringe. Mostra os seus resultados iniciais com a injeção intracordal de silicone gel no tratamento das disfonias paralíticas e de outras lesões cordais.
SummaryThe author give account of their four year experiences obtained in microsurgery of the larynx. The therapeutical advantages of this method are revealed in different diseases, emphasizing the excellent results achieved with intracordal injection of silicone gel (Elicon) in the improvement of glottal closure in unilateral cord paralysis in paramedian or intermediate positions.
Referências Bibliográficas1. Arnold, G. E. - Vocal Rehabilitation of Paralytic disphonia. IX - Tecnique of Intracordal Injection. Arch. Otolaryng. 76:358-368, 1962.
2. Brünings, W. - Ueber eine neue Behandlungs-methode der Rekurrenslähmung. Verh. Deutsh. Laryng. 18: 93-111, 1911.
3. Kleinsasser, O. - Microlaryngoscopy and endolaryngeal microsurgery. Philadelphia, Saunders, 1968.
4. Kuhl, I. A.; Ribeiro, R. F.; Maya, P. C. & Osowski, L- A. - Microcirurgia do laringe. Trabalho de pesquisa da Disciplina de Otorrinolaringologia da U.F.R.G.S. Porto Alegre, 1971.
5. Rubin, H. I. - Intracordal Injection of silicone in Selected Dysphonias. Arch. Otolaryng. 81 : 604-607 1965.
6. Scalco, A. Ñ.; Shipman, W. F. & Tabb, H. 8. - Microscopia Suspension taryngoscopy. Ann. Otol. (St. Louis) 69:1134-1138, 1960.
7. Thomé, R.; Buck, A. G. & Dias, A. - Microlaringosgopia e microcirurgia da laringe. Rev. Ass. Med. Bras. 20:153-155, 1974.
8. Westhues, M. - Operative Behandlung der Adduktorenlahmung (Medianverlagerung). Z. Laryng. Rhinol. 52:640-645, 1973.
* Assistente-Doutor da Clínica de Endoscopia Peroral do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médico-Encarregado do Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo.