ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2912 - Vol. 40 / Edição 2 / Período: Maio - Dezembro de 1974
Seção: Artigos Originais Páginas: 148 a 151
Blastomicose de Laringe e Traquéia* Aspectos clínicos, tratamento e seqüelas
Autor(es):
Alvaro P. Barbosa**,
Pedro Paulo de Azevedo Sodré*** e
Clóvis Machado Araujo****

A blastomicose sul-americana, afecção relativamente comum em nosso meio, cujo agente etiológico é o "Paracoccidiodes brasiliensis", costuma ser encarada, do ponto de vista clínico em formas tegumentares (mucosas ou cutâneo-mucosas), linfáticas e viscerais4. As primeiras, por sua freqüência e por serem consideradas "porta de entrada" da infecção têm sido assunto de interesse no campo da Otorrinolaringologia, visto que as lesões iniciais mais comuns estão localizadas na boca e orofaringe. Assim, diversos especialistas têm se dedicado aos aspectos clínicos e terapêuticos da moléstia, destacando-se os trabalhos de Novas demonstrando o papel das "amigdalites ocultas" como foco inicial de importância, Rezende Barbosa2 realizando levantamento estatístico de importância na ocasião além de outras comunicações. Geralmente acompanhada de lesões bucofaríngeas ou concomitante com as formas pulmonares, a localização laríngea isolada é mais rara, sendo poucos os autores que por ela têm se interessado, em que pesem as dificuldades diagnósticas e os problemas advindos de seu tratamento1, 3, 6. Pela própria situação mais profunda do órgão, não visualizada em exame menos minucioso, temos verificado com alguma freqüência passarem despercebidos casos cujo diagnóstico correto só vem a ser efetuado em fase avançada, com envolvimento extenso e por vezes destrutivo. Do ponto de vista terapêutico o uso sistemático de novas medicações, as quais o P. brasiliensis tem se mostrado altamente sensível é traduzido por regressão rápida das lesões. Tal fato, benéfico em outros órgãos, pode trazer para a laringe complicações de gravidade, representadas pelas seqüelas cicatriciais que no grau mais elevado conduzem a sub-estenoses ou mesmo a estenose total do órgão. Acreditamos que o presente estudo, analisando alguns aspectos da blastomicose "primitiva" da laringe e traqueia, possa contribuir para maior compreensão do problema.

Material

O material estudado é constituído por 12 casos, atendidos no Hospital Brigadeiro (PAM - INPS), Santa Casa de Misericórdia de Santos e Disciplina de ORL da Fac. Ciên. Méd. da PUC, no período de 1968 a 1974. Em todos os casos, a exceção de 1, de especial interesse no estudo, a lesão encontrava-se limitada à laringe ou laringe e traquéia, não havendo antecedentes ou sinais de lesões buco-naso-faríngea, atuais ou não, e a teleradiografia do tórax sempre foi normal. Onze dos pacientes eram de sexo masculino, com apenas 1 paciente de sexo feminino na série. A idade média foi de 46 anos, variando de 37 a 58 anos. Quanto a procedência, 50% dos casos eram da Capital e adjacências (Grande São Paulo) e 50% do Interior. Apenas dois dos pacientes eram de raça parda, os restantes 10 de raça branca. Em todos os casos o diagnóstico foi confirmado por exame anatomopatológico de biópsia de laringe com evidenciação do "P. brasiliensis".

Diagnóstico

A - Sintomas

O sintoma inicial mais comum foi a disfonia persistente, encontrada em todos os casos, à exceção de 1. A odinofagia alta ocorreu em 5 pacientes e a dispnéia de tipo obstrutivo alto em 3. Houve referência de escarro hemoptóico em 2 (dos 3 casos com envolvimento traqueal). Perda de peso corporal foi relatado, em maior ou menor grau, por todos os pacientes.

B - Sinais clínicos

O estado geral, por ocasião do primeiro atendimento, pôde ser avaliado de regular para mal, à exceção de 3 casos.

Enfartamento ganglionar cervical bilateral, de tipo inflamatório, foi observado em um único paciente. Traqueostomia prévia havia sido executada em um dos casos, já portador de estenose cicatricial de vias aéreas.

C - Exame ORL

Afastada a presença de lesões em atividade ou sinais de seqüelas de outras regiões, o exame laringológico revelou a extensão da afecção, exposta a seguir:

comprometimento supraglótico - 1 caso
comprometimento glótico-supraglótico - 6 casos
comprometimento glótico - 3 casos
comprometimento glótico-subglótico - 2 casos

Por ocasião da biópsia, sob laringoscopia direta, a intervenção endoscópica foi ampliada com traqueobroncoscopia nos casos de acometimento da região subglótica, ocasião em que foi constatada presença de extensão do processo à mucosa traqueal.

D - Exame radiográfico

A teleradiografia de tórax foi executada em todos os casos, que à exceção do já referido, revelou-se normal, sem sinais de lesões em atividade ou residual. No paciente portador de lesão pulmonar associada, foi realizado estudo planigráfico da traquéia, pela suspeita de estenose traqueal na vigência do tratamento.

E - Exames laboratoriais

O exame bacteriológico do escarro para pesquisa de BAAR, visando afastar possibilidade de tuberculose associada foi efetuado na maioria dos casos, sempre com resultado negativo. Na impossibilidade de requisitarmos a reação de fixação de complemento para blastomicose (de Fava-Netto), a hemossedimentação foi utilizada mais com finalidade de controle de tratamento, embora por vezes os achados não coincidissem com a evolução clínica dos casos. Outros exames laboratoriais realizados (hemograma, glicemia, etc.) não forneceram dados diagnosticais de importância.

Tratamento

Baseados na experiência anterior nos pacientes portadores da afecção em outros órgãos, o tratamento inicial de escolha foi a sulfametoxipiridazina, na dosagem de 1 g diária; esta dose foi mantida, via de regra, por 1 ano, apesar da regressão completa da lesão; ao final dos primeiros doze meses, a dose diária foi reduzida à metade. Em dois pacientes ocorreu resistência ao tratamento com sulfa, sendo substituída a medicação pela Anfotericima B, com bons resultados. Apenas 1 dos casos foi considerado clinicamente curado, após 2 anos de tratamento ininterrupto com sulfatoxipiridazina e seguimento por mais 1 ano, sem sinais de recidiva. O paciente com traqueotomia prévia já nos chega às mãos sem sinais de lesão em atividade, com estenose cicatricial de laringe e traquéia. Na avaliação da eficácia do tratamento a hemossedimentação teve valor apenas relativo, sendo de importância fundamental o exame laringológico e repetição do exame AP em casos de dúvida.

Seqüelas

Em 4 dos pacientes da série ocorreram seqüelas, consideradas de gravidade:

estenose da laringe e traquéia - 1 caso
estenose de traquéia e brônquios - 1 caso (óbito)
anquilose de articulação cricoaritenóideas - 1 caso
destruição completa da epiglote - 1 caso

No paciente com estenose cicatricial de laringe e primeiros anéis traqueais, após insucesso do tratamento endoscópico dilatador, optamos por terapêutica cirúrgica, com remoção de sub-glote e extremidade craneal da traquéia, com anastomose termino-terminal. já no início do ato cirúrgico notamos haver intensa reação cicatricial perilaríngea e peritraqueal, com dificuldade no reconhecimento das estruturas vizinhas; apesar da cirurgia ter sido completada sem lesão de n. recurrente, observou-se recidiva da estenose após 3 meses. No momento, encontra-se com molde laríngeo persistindo com traqueostoma provisório. O caso de estenose de traquéia e brônquios, único na série em que havia associação com lesões pulmonares, a resposta ao tratamento com sulfametoxipiridazina foi intensa e rápida, com regressão quase completa da lesão de nível glótico em apenas 45 dias. Concomitantemente, instalou-se dispnéia progressiva o que nos levou à suspeita de estenose traqueal; submetido a traqueobroncoscopia foi verificada estenose difusa e acentuada da traquéia e brônquios-fonte; biópsia na ocasião não evidenciou lesão em atividade, mas sim substituição do epitélio respiratório por tipo escamoso. Submetido a traqueostomia de urgência, com colocação de cânula extra-longa, o paciente permaneceu ainda internado, em tratamento intensivo e com uso maciço de corticósteroides, mas ocorreu óbito por insuficiência respiratória baixa, 4 meses após a internação; por ocasião dos últimos exames não existiam mais sinais de lesão em atividade na laringe. O caso de anquilose de articulações cricoaritenóideas, com traqueostoma provisório, não foi submetido a tentativa de correção de seqüela, pois permanece em tratamento, mesmo sem sinais de atividade, por apenas 6 meses. No paciente com destruição completa de epiglote não houve necessidade de intevenção, visto ser oligossintomático (discreta dificuldade ocasional à deglutição).

Conclusões:

1 - A incidência de blastomicose sul-americana, clinicamente primária ao nível da laringe pode não ser tão rara quanto se pensa, o sintoma mais comum sendo a disfonia contínua (cerca de 80%), seguida pela odinofagia (50%);

2 - O diagnóstico conclusivo pôde ser determinado em todos os casos por 1 única biópsia ao nível da laringe;

3 - Não foi observada maior preponderância de localização mais anterior ou mais posterior das lesões laríngeas; pudemos classificar melhor a extensão do processo por sua localização quanto aos andares da laringe: glótico, sub-glótico ou supraglótico; em 50% dos casos houve envolvimento glótico-supraglótico; em 3 casos ocorreu extensão de lesões à traquéia;

4 - O emprego da sulfametoxipiridazina mostrou bons resultados, havendo regressão das lesões em geral no prazo de 6 a 12 meses; em apenas 2 casos foi observado o aparecimento de resistência, nos quais foi utilizada Anfotericina B, com bons efeitos;

5 - Apenas 1 dos casos tratados pôde ser considerado, pelo menos aparentemente curado, após 2 anos de tratamento ininterrupto, estando sem sinais de atividade em seguimento de 1 ano;

6 - Em 4 pacientes ocorreram seqüelas, de relativa gravidade, havendo 1 caso de óbito por estenose de traquéia e brônquios.

Resumo

Os autores apresentam estudo de 11 casos de blastomicose sul-americana primária de laringe, acrescidos de 1 caso com associação pulmonar. Os aspectos clínicos, terapêuticos e as seqüelas são analisadas.

Summary

Primitive laryngeal envolvement are reported in 11 cases of blastomycosis (P. brasiliensis). Clinical aspects, treatment and sequelae are analysed.

Bibliografia

1. Aprigliano, F. - Afecções benignas do laringe. Rev. Bras. ORL, 26:27 jan., 1958.
2. Barbosa, J. E. R. - Estatística dos casos de blastomicose naso-buco-laríngea, observados no Serviço de Oto-rino-laringologia da Santa Casa de São Paulo. Rev. Oto-lar. S. Paulo, 4(5-bis): 715, 1936.
3. Monteiro, A. e Aprigliano, F. - Blastomicose primitiva de laringe. Rev. Bras. ORL, 22(1):13, 1954.
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6. Sanson, R. D. - Sobre um caso de blastomicose das cordas vocais tratado pela eletrocoagulação através de uma laringo-fissura. Rev. Oto-Laring. 5. Paulo, 4(5-bis):689, set-out., 1936.




* Trabalho realizado no Serviço de Endoscopia da Santa Casa de Santos.
** Aux. Méd. da Disc. Otorrinolaringologia da Fac. Ciênc. Méd. Santos.
*** Instrutor de Ensino da Disc. Endoscopia Per-Oral da Fac. Ciênc. Méd. Santa Casa - São Paulo.
*** Prof. Regente da Disc. Otorrinolaringologia da Fac. Ciênc. Méd. P.U.C.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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