RBORL - Impressão de Artigos

Se bem que existam referências de estudos da atividade elétrica coclear em seres humanos desde 1935 (1,8,9,10,11) sua investigação sistemática foi iniciada com trabalhos do grupo de Rubens (5,15,16,17,18,19). Os registros destes autores eram realizados em pacientes portadores de defeitos na membrana timpânica ou adquiridos durante intervenções cirúrgicas no ouvido médio, por meio de um eletródio colocado sobre a membrana da janela redonda ou em suas imediações. Os potenciais registrados, microfônicos costeares e de ação do nervo acústico, eram de amplitude muito baixa, motivo pelo qual os registros não eram satisfatórios.

Somente depois da introdução de técnicas de adição digital em tempo real, com computadores digitais(6), é que foi possível conseguir uma melhoria substancial da relação sinal/ruído e efetuar registros destes potenciais de muito baixo nível.

Utilizando este tipo de instrumentação, e por meio de eletródios que perfuravam a membrana timpânica e entravam em contato com o promontório, o grupo de Aran e Portmann conseguiram mostrar as características do potencial de ação do nervo acústico em adultos e crianças normais e em diversos estados patológicos do ouvido interno(2,3,4,12,13). Um procedimento análogo foi utilizado por Ronis14 para estudar as respostas elétricas costeares antes e depois de estapedectomias.

A sensibilidade dos instrumentos citados é suficientemente grande como para permitir a realização de registros em locais distantes da cóclea, gerador dos potenciais auditivos. Vários autores têm realizado registros no canal auditivo externo(7,20,22,23) e também no lóbulo da orelha(21), com bons resultados e evitando os inconvenientes da colocação de um eletródio no ouvido médio.

Em nosso laboratório foi montada a instrumentação necessária para efetuar registros da atividade elétrica coclear no homem, por meio de eletródios colocados no canal auditivo externo. Este trabalho apresenta os resultados preliminares obtidos com esta técnica.

Métodos

Eletródios. Os eletródios para registro são fabricados com arame de aço inoxidável de 0,2 mm de diâmetro isolados com "Formvar". O esmalte é retirado de ambos extremos e um deles afilado com um disco abrasivo para obter uma ponta aguda. Com anestesia local prévia, a ponta do eletródio é inserida na pele do canal auditivo externo, em posições variáveis na proximidade da membrana timpânica. O extremo livre do eletródio é dobrado e fixado ao lóbulo da orelha com esparadrapo. Um disco de prata é utilizado como eletródio de referência, por trás da orelha, e um terceiro eletródio, também de prata, colocado na frente, serve como conexão de terra.

Estimulação auditiva. Utilizaram-se cliques produzidos por um alto-falante eletrostático de 50 mm Isophon, polarizado a 300 V e ao qual se aplicam pulsos retangulares de 0,01 rins e voltagem variável entre 0 e 150 V. A polaridade idestes pulsos pode ser invertida com o fim de produzir cliques de condensação ou de rarefação. A freqüência de. repartição dos estímulos é controlada por um estimulador Grass S-4G, que também serve como elemento de sincronização dos diversos instrumentos de registro, inclusive a câmara fotográfica. Usualmente utilizamos uma freqüência de 10 cliques por segundo. O alto-falante é colocado em um suporte especial a uma distância de 20 mm da orelha, sem entrar em contato com ela.

Sistema de registro. O eletródio ativo conecta-se à entrada diferencial de um pré-amplificador Grass P-4, operado com uma amplificação de 24000, com filtros para as freqüências inferiores a 35 Hz e superiores a 10 kHz. A saída do pré-amplificador conecta-se a um osciloscópio Tektronix 502 A, pára observação direta, e à entrada da computador instrumental Nicolet NC-1072. Este analisador é operado com o convertidor analógico-digital SD-72A e a unidade de varredura SW-71A. Normalmente utilizamos uma varredura de 512 pontos, com um tempo por ponto de 20 us, o que resulta num tempo total de análise de 10,24 ms. São somadas de 64 a 4096 respostas, segundo os. casos. O resultado do processamento aparece na tela de um osciloscópio Tektronix. 5103N, e é fotografado com uma câmara Grass C-4L.

Resultados e Comentários

Contando-se com a instrumentação adequada, o registro de potenciais cocleares no canal auditivo externo do homem não oferece grandes dificuldades. Todavia, é imprescindível adotar todas as precauções possíveis para reduzir interferências e artefatos, já que por ser o nível dos sinais muito reduzido, e pelas características da análise por somação repetitiva, facilmente podem obter-se respostas falsas.

FIG. 1 - Potencial de ação do nervo acústico induzido por cliques, registrado no canal auditivo externo de um homem com audição normal. Soma de 512 respostas. A barra vertical indica o tempo de produção do clique e os quadrados as ondas N1 e N2. A barra horizontal corresponde a 1 ms.

Os presentes experimentos foram realizados em um reduzido número de casos, com o fim de aperfeiçoar a técnica, por isso não é possível estabelecer, ainda, os padrões médios de resposta para sujeitos normais. Verificamos que as características das respostas variavam de um sujeito para outro, porém que eram relativamente constantes em cada um, se se repetia o registro no mesmo lugar do canal auditivo.

FIG. 2 - Resposta obtida no mesmo experimento da fig. 1, com a intensidade do estímulo reduzida em 10 dB. Soma de 512 respostas (ver fig. 1).

Em quase todos os casos foi possível identificar as ondas negativas, N1 e N2, características dos registros do potencial de ação do nervo acústico realizados no gato, cobaia e outros animais de experimentação. A fig. 1 mostra um dos registros obtidos em um sujeito normal. A diminuição da intensidade do estímulo produziu neste caso uma caída da amplitude da resposta, maior para N1 que para N2, (fig. 2). A resposta de alta freqüência do sistema utilizado é reduzida, pelos filtros empregados, mas mesmo quando esta é aumentada, como o registro da fig. 3, não se observa um potencial microfônico comparável ao registrado em animais. Este fato, que já foi assinalado por Coats e Dickey(7) é provavelmente conseqüência da posição do eletródio em relação ao gerador coclear. Os registros humanos no promontório mostram um potencial microfônico coclear conspícuo(3).

A presença de ruído, simultaneamente com os estímulos, produz mascaramento, refletido pela diminuição da amplitude das ondas do potencial de ação, como se pode ver na fig. 4. Em um único caso de hipoacusia neurosensorial unilateral testado, encontramos um padrão de resposta normal no lado são e uma resposta reduzidíssima no ouvido afetado (fig. 5).

FIG. 3 - Efeito do aumento da resposta de alta freqüência do sistema de amplificação sobre o potencial de ação. As pequenas oscilações que precedem a N1 provavelmente correspondem ao potencial microfônico coclear. Soma de 512 respostas (ver fig. 1).

FIG. 4 - Mascaramento do potencial de ação do nervo acústico humano, por exposição simultânea aos cliques e ao ruído branco. Observe-se a diminuição das ondas, especialmente N1. Soma de 512 respostas (ver fig. 1).

FIG. 5 - Resposta elétrica coclear induzida por cliques em um paciente com hipoacusia neurosensorial. Soma de 4096 respostas (ver fig. 1).

É nosso propósito realizar registros em um número grande de ouvidos normais a fim de estabelecer os padrões normais de resposta e suas variações, para posteriormente investigar a possibilidade do uso da técnica como instrumento diagnóstico(12,15).

Resumo

Descrevem-se as características de um sistema de registro de atividade elétrica coclear no homem. Consiste de um sistema de geração de cliques de características controladas, para estimular o ouvido em um circuito acústico aberto. A atividade elétrica é recolhida com um eletródio flexível inserido na pele do canal auditivo externo. Os potenciais são amplificados, filtrados e analisados por um computador digital de programas fixos. Os resultados preliminares obtidos em um reduzido número de experimentos mostraram respostas variáveis de um sujeito para outro porém constantes em cada indivíduo. As respostas mais correntes foram potenciais de ação do nervo acústico com duas on2 das negativas de amplitude decrescente, sendo insignificante o potencial microfônico coclear. Este padrão de resposta é similar ao encontrado por outros investigadores que utilizaram metodologia similar.

Summary

The characteristics of a system for recording the human cochlear electrical activity are described. It consists esentially of a system for producing clicks of controlled characteristics that stimulate the ear in an open acoustical system. The electrical activity is recorded with a flexible electrode inserted under the skin of the external ear canal. The cochlear potentials are amplified, filtered and analyzed with a fixed-program digital computer. The preliminary results obtained in a small number of experiments showed variable responses from one subject to another but constant in each one. The more common responses were auditory nerve action potentials with two negative waves of diminishing amplitude, with an insignificant cochlear microphonic. This response pattem is similar to the findings of other researchers that have applied the same technical approach.

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* Trabalho realizado com o auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Processo Méd. 71/539.