ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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2860 - Vol. 38 / Edição 2 / Período: Maio - Agosto de 1972
Seção: Artigos Originais Páginas: 176 a 180
IMPEDÂNCIA ACÚSTICA DO OUVIDO MÉDIO, SUAS APLICAÇÕES CLÍNICAS
Autor(es):
Otacilio Lopes Filho

Noção básica da Impedância do Ouvido Médio

A audição do ponto de vista filogenético é de desenvolvimento mais recente do que o equilíbrio. Segundo Stevens e col(1), esta propriamente dito, só se formou quando alguns peixes adquiriram bexigas natatórias. Eram órgãos primitivos que serviam para a orientação dos peixes na água, com uma audição rudimentar. O ouvido médio no entanto só começou seu desenvolvimento quando estes animais se tornaram anfíbios. O ouvido primitivo sofreu uma série de transformações afim de se adaptar às novas condições de vida terrestre. Na água o som era transmitido de um meio liquido para outro meio liquido o que resultava numa oposição pouco acentuada à sua passagem Com a nova condição de vida (terrestre) a onda sonora, do meio aéreo se projetava ao meio liquido (o ouvido interno) sofrendo uma grande perda de sua energia pela oposição na transmissão de um meio ao outro. Cerca de 99,9% deste som era refletido .

Para Moller(2) a principal função do ouvido médio seria a de melhorar a transmissão do ar para o ouvido interno, pois sua transmissão direta (para a perilinfa) iria resultar naquela grande perda de energia.

Se por um lado o ouvido médio, foi construído para facilitar a transmissão da onda sonora ao nosso ouvido interno suas características por outro lado, também oferecem alguma resistência à passagem deste som. Quando um som penetra o conduto auditivo externo e atinge a membrana do tímpano, parte deste é refletido e parte à absorvido pela membrana. Aquela oposição que o ouvido médio apresenta à passagem da onda sonora é o que definimos de impedância Acústica do ouvido médio. Ela pode ser avaliada com certa precisão através daquele resíduo de som que é refletido pela membrana, e que pode ser convenientemente medido e analisado.

Histórico

As primeiras referências a impedância de nosso ouvido foram feitas por Luscher(3), que tentou sua avaliação através de métodos muito primitivos. Na realidade foi Troger(4) no início deste século quem deu os primeiros passos objetivos e práticos neste campo.

Schuster(5), foi na realidade, quem em 1934 fez as primeiras medições da Impedância do Ouvido Médio, usando para tal um equipamento que ele havia construído para medir a impedância acústica de materiais industriais. Usando os princípios de Schuster, Metz(6) em 1946 apresentou o primeiro e talvez o mais completo estudo sobre a Impedância do Ouvido, relacionando seus achados em pacientes normais, com pacientes portadores de várias disacusias.



FIG. 1 - Ponte eletromecânica de Zwislosky(7).



FIG. 2 - Ponte Eletroacústica de MADSEN (do autor).



Mais tarde em 1961 Zwlslosky(7) apresenta um aparelho, destinado a medida da impedância do ouvido médio: pequeno, prático, preciso, mas de uso extremamente cansativo, principalmente para crianças.

Foi Terkildsen e Nielsen(8) que em 1960 aplicando seus conhecimentos de eletrônica a ponte original de Metz, possibilitaram a construção de novo equipamento, agora mais simples e de fácil uso clínico. Desde esta época os autores Escandinavos vem fazendo estudos a respeito das características da Impedância do nosso ouvido sem que os seus colegas da América do Norte se interessassem pelo problema.

Apenas após os trabalhos de Alberti e col.(9) e Jerger(10) usando um modelo do aparelho, ainda mais simplificado e construído pela MADSEN Electronics Company, da Dinamarca o método foi difundido na América do Norte e hoje é parte da rotina audiológica dos grandes centros de Audiologia.

Aplicações Clínicas

As medidas obtidas através do Impedanciômetro de MADSEN podem ser classificadas em: estáticas e dinâmicas. Estática seria á medida da complacência do Tímpano em seu ponto de máximo deslocamento. Dinâmicas, seriam a Timpanometria (ela avalia a mobilidade do tímpano e as condições funcionais do ouvido médio, em respostas a graduais modificações de pressão no conduto auditivo externo) e a pesquisa do Reflexo do músculo do Estribo.

Através das medidas destes três elementos uma série enorme de informações a respeito do ouvido médio e da localização de disacusias podem ser obtidas.

Diagnóstico diferencial entre as Disacusias de Condução

Quando em muitos casos pelas dificuldades de maceramento do ouvido contralaleral, o diagnóstico de uma Disacusia, se puramente condutiva, ou mista pode ser definido pela medida da Impedância do Ouvido médio. O diagnóstico entre Otosclerose e Interrupção da cadeia ossícular é extremamente simples, pois os resultados obtidos são de valores numéricos opostos (desde que a membrana timpânica se encontre normal). Nas Otites Médias Crônicas Serosas, mesmo quando o exame clínico, não nos possibilita a visualização de alterações da membrana timpânica ou ainda quando em crianças pequenas sua avaliação é difícil ou do ponto de vista audiológico ou clínico, o método nos dá com rigorosa precisão elementos para o diagnóstico. Não só o diagnóstico pode ser feito nestes casos, como a avaliação da evolução através da terapêutica instituída, indicando-nos do momento oportuno para a colocação do carretel de drenagem. Em outros casos pode revelar uma evolução satisfatória da medicação empregada, e evitar a intervenção sobre a membrana timpânica .

Quando colocado o carretel de drenagem, podemos através do Impedanciômetro de MADSEM constatar o seu funcionamento, se está ou não permeável.

Nas Paralisias Faciais Periféricas

Através da pesquisa do reflexo do músculo do estribo, podemos determinar o nível de uma paralisia facial periférica. Quando a paralisia se faz acima da saída do ramo do nervo facial para o músculo do estribo, o reflexo estará ausente, no ouvido do lado da paralisia. 0 inverso ocorrerá se a paralisia for na porção descendente do nervo, abaixo da saída do nervo para o músculo do estribo. Esta pesquisa é de máxima importância pois associada aos outros métodos de diagnóstico topográfico daquelas lesões, nos indicarão da via de acesso a ser usada na terapêutica cirúrgica, se for o caso.

Segundo Kristensen(11) a função do músculo do estribo é das primeiras a se recuperar, quando uma paralisia facial periférica caminha para a cura. Assim sendo o aparecimento de um reflexo do músculo do estribo num paciente, com paralisia facial periférica é um elemento a mais para sua avaliação prognóstica.

Na Pesquisa do fenômeno do "recrutamento"

Num paciente com audição deficiente em um dos ouvidos a pesquisa do "recrutamento" é relativamente fácil. O mesmo não ocorre quando a disacusia é bilateral e simétrica. Nestes casos sabemos que os métodos atualmente empregados são de pouca valia. Metz1E em 1952 demonstrou que através do método da Impedância Acústica, se pode pesquisar o "recrutamento" de modo objetivo, sem a colaboração do paciente, em indivíduos com disacusias bilaterais Hoje se conhece o método como "Recrutamento objetivo de METZ".

Na Indicação das próteses auditivas principalmente em crianças

Através do "método objetivo de METZ", podemos em crianças que apresentam profundas disacusias e que ainda não tem idade suficiente para completar satisfatoriamente um teste audiológico, determinar se sua disacusia é recrutante ou não. Podemos ainda pela medida do limiar do reflexo do músculo do estribo saber a que nível recruta. Estes dados são da mais alta importância na prescrição de uma prótese auditiva. Da mesma maneira que são aplicados em crianças, podem ser utilizados em adultos, com maior limite de segurança, uma vez que são objetivos, não dependendo pois da resposta do paciente.

Pesquisa da Fadiga (Tone Decay)

Anderson e col.(13) verificaram que uma fadiga pronunciada do reflexo do músculo do estribo é um sinal audiológico evidente de lesões retrococleares. Este teste é comparável ao "Tone Decay" e tem a vantagem de ser objetivo. Num indivíduo normal o reflexo sofre uma lígeira fadiga, não maior do que 30 ou 40%, nas freqüências de 500 e 1.000 Hz. Se esta for maior do que 50% nos primeiros 5 segundos é evidência de lesão retrococlear. Em sete pacientes com audição dentro dos limites da normalidade, Anderson e col. através deste teste puderam determinar a presença de tumor do nervo acústico e extirpá-lo em tempo adequado.

Tuba muito aberta

A tuba auditiva muito aberta ou muito permeável, traz ao paciente sintomas extremamente desconfortantes, alterações auditivas de pouca monta, mas ruídos objetivos e outros incômodos Pelos métodos comuns seu diagnóstico é muito difícil e talvez seja esta a causa de sua raridade da literatura da especialidade. MetZ14 através do método da Impedância demonstrou a facilidade com que o diagnóstico pode ser feito. As variações expontâneas da impedância durante a medição são tão grandes, que permitem sua detecção com facilidade.

Avaliação quantitativa da função tubária

Holmquist(15,16 e 17), estudando a função da tuba auditiva através do método da Impedância, pode estudá-la do ponto de vista qualitativo, tanto com tímpanos íntegros, como nos casos de perfurações timpânicas. Sua avaliação através deste método nos pré-operatórios de timpanoplastias, se revelaram surpreendentes. A maioria dos pacientes submetidos à cirurgia, em ouvidos crônicos, e que não obtiveram a pega do enxerto, ou nos quais resultou um pequeno ganho auditivo eram justamente aqueles, nos quais os testes da função quantitativa da tuba revelaram uma pobre função tubária.

Diagnóstico Otoneurológico

Os processos neurológicos que acometem o tronco cerebral, produzem uma interrupção do arco reflexo para o músculo do estribo. Sua pesquisa nestes casos segundo Greisen e co1.(18) são de grande importância no diagnóstico de localização daquelas lesões.

Diagnóstico de Pequenos Tumores Glômicos do Ouvido Médio

Pequenos tumores glômicos do ouvido médio, que ainda não provocam sintomatologia muito apreciável além de pequenos zumbidos, que são relatados pelos pacientes, podem ser diagnósticos pelas variações de Impedância do Ouvido médio, que provocam (ainda que mínimas) durante sua pulsação. Por métodos extremamente fáceis e ainda pelo registro gráfico destas variações da Impedância que podem ser comparados com os registros das pulsações do paciente, aqueles tumores podem ser diagnosticados e adequadamente tratados quando ainda muito pequenos.

Comentários

Nossa experiência até esta data é de cerca de mil exames através da Impedância usando o aparelho de MADSEN modelo ZO-70. Estamos plenamente convencidos, sobre sua utilidade clínica .O teste completo pode ser feito em 90 segundos para cada ouvido.

A cada dia mais informações, vamos obtendo pela sua utilização e acredito hoje ele já deva fazer parte da bateria de testes audiólógicos, com valor superior que hoje utilizamos.

Resumo

O autor apresenta um novo método para avaliação objetiva da função do ouvido médio e de certos processos que envolvem a tuba auditiva, cóclea e outros elementos de importância no diagnóstico audiológico. Conceitua a Impedância do Ouvido Médio, apresentando suas várias aplicações clínicas. O equipamento utilizado, foi o Impedanciômetro de MADSEN modelo ZO-70.

Bibliografia

1. Stevens, S. S. e Warshofsky, F. - Sound and Hearing, 1968, Time Inc. N. York.
2. Moller, A. R. - An Experimental Study of the Acoustic Impedance of the Middle Ear and its Transmission Properties. Acta Otolaryng. 60 :129-149.
3. Luscher (1929), apud Terkildsen e col. Otolaryng. suppl. 158.
4. Troger (1930), apud Stevens, S. S. e col. Hearing, Its Psychology and Physiology. J. Wiley & Sons Inc. New York, 1938.
5. Schuster (1934) apud Metz, O. - The Acoustic Impedance Measured on Normal and Pa- thological Ears. Acta Otolaryng. suppl. 63, 1946.
6. Metz, O. - The Acoustic Impedance Measurede on Normal and Pathological Ears, Acta Otoralyng. suppl. 63. 1946.
7. Zwislocky, J. - Acoustic Measurements of the Middle Ear Function Armais Otol. 70: 598-606, 1961.
8. Terkildsen & Nielsen, An Eletroacustic Impedance Bridge for Clinical Use. Arch. Otolaryng. 72:339, 1960.
9. Alberti P. W. R. M. e col. - The Clinical Application of the Impedance Audiometry. Laryngoscope, 80:735-746, 1970.
10. Jerger, J. - Clinical Experiente with Impedance Audiometry. Arch. Otolaryng. 92:331-324, 1970.
11. Kristensen, H. K. - Topic Diagnosis of Peripheral Facial Nerve Palsy Annals Otol. 66:1113-1118, 1957.
12. Metz, O. - Threshold of Reflex Contractions of Muscles of The Middle Ear and Recruitment of Loudness. Arch. Otolaryng. 55:536-543, 1952.
13. Anderson, H. e col. Early Diagnosis of VIII th Nerve Tumors by Acoustic Reflex Tests. Acta Otolaryng. supp. 263, 1970.
14. Metz, O. - Influence of the Patulous Eustachian Tube On the Acoustic Impedance of the Ear. Acta Otolaryng. suppl. 109, 1953.
15. Holmquist, J. Eustachian Tube Function Assessed with Tympanometry. Acta Otolaryng. 68, 501-508, 1969.
16. Holmquist, J. - The Role of the Eustachian Tube in Myrimgoplasty. Acta Otolaryng. 69:289-295, 1968.
17. Holmquist, J. - Eustachian Tube Function in Patients with Eardrum Perforations Following Chronic Otitis Media. Acta Otolaryng. 68 : 391-401, 1969.
18. Greisen, O. e col. - Stapedius Reflexes and Oto-Neurological Examinations in Brain-Stem Tumors. Acta Otolaryng. 70:366-370, 1970.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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