ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2854 - Vol. 38 / Edição 2 / Período: Maio - Agosto de 1972
Seção: Relato de Casos Páginas: 149 a 153
TRATAMENTO CIRÚRGICO DO RINOSCLEROMA
Autor(es):
Luiz Rogério Pires de Mello*,
Liacyr Ribeiro**

Considerações Gerais

O esclerornal - é uma doença inflamatória crônica de evolução muito lenta, localizando-se principalmente no revestimento mucoso das vias respiratórias. O início é na mucosa nasal, o que não impede o seu aparecimento nas vias aéreas inferiores, primariamente. Com a evolução atinge a mucosa oral e mais raramente zonas circundantes. A sinonímia é variada, tendo sido Von Hebra em 1870 o primeiro a estudá-la.

O primeiro trabalho publicado no Brasil foi de Adolpho Lutz em 1890.

O agente etiológico provável é a Klebsiella Rinoscleromatis, embora alguns autores considerem-no agente secundário, agindo isoladamente ou de parceria com um vírus filtrável ainda não identificado.

Pode ser encontrado, em pacientes com rinite atrófica fétida.

O escleroma apresenta três fases:

1 - ATRÓFICA - cuja anatomia patológica se confunde com a da Rinite Fétida;

2 - HIPERTRÓFICA - Fase característica da doença, pela presença de células vacuoladas de Miculicz, encerrando em seu interior bacilos de Von Frisch. Os corpúsculos hialinos de Russel são também encontrados.

3 - ESCLEROSE - Caracterizada por processo inflamatório inespecífico com degeneração hialina do tecido colagênico, que se transforma em tecido cicatricial fibroso.

Conclui-se que os elementos característicos do Escleroma só aparecem na segunda fase, por não se terem formado na primeira fase e desaparecem na terceira fase.
Pode atingir após ter perfurado o repto nasal, os seios paranasais, as vias lacrimo-nasais, a órbita, a tuba, a caixa do tímpano, o meato acústico externo, o laringo-faringe, levando neste caso a morte por asfixia.

Os exames complementares de Laboratório coma a Cultura e identificação da KR, as Soro Reações, a Intradermo Reação e a Biópsia são necessários para confirmação diagnóstica.

A Klebsiella Rinoscleromatis é um gram-negativo muito relacionado ao agente etiológico do Granuloma Inguinal.

Atinge de preferência os indivíduos cuja idade se localiza entre os 20 e 30 anos.

Apresentação do Caso Clínico

IDENTIFICAÇÃO: B. G. S., pardo, brasileiro, 39 anos, lavrador, casado, natural de Itaperuna - RJ.

Q. P. - Tumoração no nariz.

H. D. A. - Relata que aos 9 anos de idade levou uma queda de um cavalo fraturando o nariz, não havendo procurado nenhum facultativo para tal fato. Desde esta ocasião, após cicatrização do nariz notou mudanças em sua voz que estava se tornando fanhosa, e dificuldade de respirar por notar crescimento de "carne" nas fossas nasais, o que obstruía as mesmas; às vezes sentia mau cheiro, seguido de secreção mucosa, que fluía do nariz.

Há 18 meses levou outra queda de altura de 1 1/2 m., batendo com o rosto no chão e ficando desacordado por treze horas. Houve nova fratura basal, sendo operado e retirado pequeno fragmento ósseo do nariz e parte de tecidos moles, não surtindo efeito por não haver melhora respiratória. Houve também perda dentária. A partir desta época começou à notar que a tumoração que existia nas fossas nasais, começou a crescer progressivamente o que o tem obrigado a respirar quase que exclusivamente pela boca. O pouco que respira pelas fossas nasais, o é pela esquerda onde é visível a tumoração, estando a direita totalmente obstruída. Informa também, que após o aparecimento da tumoração sente-se um pouco confuso e esquecido, não conseguindo dormir a noite.

Exame Otorrinolaringológico

BOCA E FARINGE: Dentes em regular estado de conservação; Pilares anterior e posterior esquerdos e amígdala correspondente endurecidos, de aspecto cicatricial, pinçados, levando a úvula para a esquerda. A loja amigdaliana direita de aspecto normal.

FOSSAS NASAIS: A mucosa pituitária achava-se recoberta por crosta endurecida, esbranquiçada em ambos os lados, deixando má visualização das fossas nasais, que se encontravam atrofiadas e a presença das crostas, não deixavam que o septo e as conchas fossem reconhecidas.

Tentamos através de uma sonda gomada de Nelaton, cateterizar ambas as fossas nasais, sem resultado positivo.

Rinoscopia posterior: Feita com dificuldade, deixando que visualizássemos apenas o hemi-cavum à direita, nada esclareceu.

Laringoscopia Indireta: Sem anormalidades.

Laringoscopia Direta: Laringe com aspecto e motilidade normais. Ouvidos: Sem alterações.

Exame Dermatológico

Lesão tumoral, de consistência dura, de cor marfim vegetante, localizada na narina esquerda, onde apenas um estreito pertuito era visível.

Lesão destrutiva dos pilares amigdalianos à esquerda com desvio da úvula para o mesmo lado.

Exames Complementares

Análise urinária: Normal.

Fezes: Ancilostomídeo.

Sorologia para Lues: Negativo.

Bioquímica do Sangue: Uréia: 25 mg%; Creatinina: 1,1 mg% e Colesterol Total: 228 mg%.

Hemograma: Hm: 4.715.000, Hb: 13,2 g%, Ht: 41 %, VHS: 14 mm e 8 mm. Leucócitos: 5.300; Basófilos: 2; Eosinófilos: 7; Mielócitos: 0; Metamielócitos: 0; Bastões: 0; Seg. Linf.: 38; Monócitos: 3.

Resultado: Normocitose; Saturação hemoglobínica normal; Morfologia plaquetária normal.

RX de Tórax: Normal.

RX dos seios da face: Espessamento mucoso dos mesmos:

Teste de Montenegro no Antebraço esquerdo - Negativo em 48 horas.

Exame Histopatológico

"Os cortes de pele revelam epiderme com hiperceratose e formação de ninhos de ceratina ao nível da camada córnea, tendo por vezes polimorfonucleares de permeio; observam-se ainda acantose irregular e ao nível dá derme, ninhos de células grandes, vacuoladas, de núcleo pequeno (células de Mickulicz) ao lado de proliferação fibroblástica, infiltrado inflamatório constituído principalmente por plasmócitos e linfócitos. Espalhados pelo infiltrado vêem-se numerosos corpúsculos róseos, brilhantes, arredendados, ou poligonais, contendo, por vezes núcleos picnóticos (corpúsculos de Russel).

Tratamento Clínico

Complexo B, Valium, Rifocort - pomada, Garamicina e Estreptomicina. Primeiramente foram usadas 43 ampolas de Garamicina de mg.c/ 80 mg diárias, inicialmente, pela interrelação existente como já frisamos entre o Escleroma e o Granuloma Inguinal (respectivos agentes etiológicos) e, pela obtenção de ótimos resultados em um caso de Granuloma Inguinal.

Os resultados obtidos foram nulos.

Partimos para a Estreptomicina, mesmo sabendo dos problemas otológicos que poderiam surgir, fazendo inicialmente 1 g de 48 em 48 horas e a seguir 1 g de 24 em 24 horas por via intramuscular com resultados também nulos, após o uso de 28 g de Sulfato de Estreptomicina, sem manifestações de ototoxidade. (07 de outubro de 1970).

Tratamento Cirúrgico

Pela impossibilidade de resolução do processo pelos meios clínicos empregados, lançamos mão da cirurgia, com o único fito de erradicar o Rinoscleroma.

Na fossa nasal esquerda o rinoscleroma se estendia pelo lábio superior, penetrando pelo assoalho nasal, atingindo a mucosa septal anterior e expraiando-se para o interior da dita fossa e comprometendo as mucosas do assoalho, alar e septal, obstruindo-se completamente. Na fossa nasal direita o tumor anteriormente iniciava-se na mucosa do septo e na continuidade do revestimento mucoso, o rinoscleroma circundava o orifício nasal, deixando um pequeno pertuito que permitia a passagem de ar, insuficiente entretanto para uma respiração satisfatória.

O tratamento cirúrgico, consistiu na exerese do tumor e da mucosa comprometida, deixando, então a descoberto uma grande superfície da porção anterior das fossas nasais. Para reconstrução do forro nasal, foram feitos dois retalhos de pele do sulco naso geniano, retalhos esses que rodavam sobre si mesmo, tendo suas bases de implantação a nível das asas do nariz e penetrando para o interior das fossas nasais passando por baixo das asas nasais, ficando suas partes cruentas voltadas para o teto nasal, forrando este, parte do septo e assoalho das fossas nasais.A incisão na base da columela, permitiu a visualização de toda área de localização do tumor e, sendo retirada a esquerda, pequena parte da cartilagem alar que estava envolvida pela tumoração. Nesse 1° tempo obtivemos um resultado satisfatório.

Deixamos para um segundo ato cirúrgico a exerese de outra porção do tumor que se estendia até o pilar anterior direito e úvula retraindo-se. Três meses após apresentou-se o paciente com uma retração estenosante das fossas nasais, que necessitou outra intervenção na porção anterior, fazendo com que usássemos desta vez enxertos livres de mucosa bucal, que foram envolvidas em pequenos cilindros de silicone esponjoso, o que garantiu a perfeita adaptação do enxerto ao leito endonasal. Completamos nessa intervenção a exerese do tumor da parte posterior das fossas nasais.

Com a retirada dos cilindros de silicone que envolviam o enxerto, ficamos temerosos de nova retração e então, idealizamos rolhas de silicone esponjoso; que mantivessem o orifício nasal nas dimensões desejadas, visto, suas características elásticas e ao mesmo tempo facilitou a livre passagem de ar pelas narinas e, para isso transfixamos os cilindros de silicone com tubos plásticos, permitindo então, ao enfermo, após a alta, continuar em sua residência, retirando-os e colocando-os, após a necessária limpeza.

Esse recurso propiciou a respiração nasal do paciente, diminuindo então a irritabilidade da mucosa faringica pela respiração bucal de suplência empregada e trouxe benefícios para o lado social, pela facilidade de maior arejamento nasal, pela impossibilidade de mau cheiro devido a eliminação das secreções que se encontravam estagnadas nas fossas nasais.

Após 60 dias dessa última intervenção, fizemos uma Rinoplastia com a finalidade de correção estética da pirâmide nasal.

Não há sinal de recidiva após vinte meses do tratamento cirúrgico.

Resumo

Os autores fazem uma revisão sobre Rinoscleroma e apresentam técnica Cirúrgica para sua erradicação, constando de:

a) Remoção do tumor de ambas as fossas nasais, deixando somente a cartilagem septal;

b) Demarcação e liberação de retalhos nasogenianos, usando apenas pele, após remoção do tecido subcutâneo, aplicando-os sobre as áreas desnudadas, para preservação da continuidade da mucosa nasal;

c) Enxertos livres de mucosa oral, moldados em silicone esponja, colocados sobre as áreas remanescentes e finalmente a clássica Rinoplastia é feita.

Há vinte meses, não há sinal de recidiva.

Summary

The autores review Rhinosclerona and a surgical technique for its irradication based on:

a) Remotion of the growth from both nasal cavities sparing only the cartilage septal;

b) Construction and liberation of the nazogenean fiaps using only skin after removal of the subcutaneous tissue applyng it over of the desnuded area of the tumor in order to preserve the continuity of the nasal mucosa;

c) Free grafts of oral mucosa are molded around silicone sponge are placed over the remmant areas and a classic Rinoplasty is done.

There has not been any recurrence in 20 months.

Bibliografia

1. Pereira, Capistrano: Escleroma - Contribuição ao seu estudo: Editor Borsoi. - 1-327, 1965.




* Professor Titular de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Campos e Professor da Faculdade de Medicina da U.F.F.

** Médico da Clínica de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Antonio Pedro da U. F. F, e do Centro Brasileiro de Cirurgia Plástica.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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