ISSN 1806-9312  
Quinta, 26 de Dezembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2851 - Vol. 38 / Edição 2 / Período: Maio - Agosto de 1972
Seção: Relato de Casos Páginas: 137 a 142
APARELHOS INDIVIDUAIS DE AMPLIFICAÇÃO SONORA NA CRIANÇA ESTADO ATUAL: INDICAÇÃO E ADAPTAÇÃO*
Autor(es):
ROBERTO DE MELLO,
IÊDA NASCIMENTO CHAVES PACHECO,
ISAIAS PAULO TOMAZINHO

Introdução

Para que uma criança se beneficie adequadamente do uso de aparelho de amplificação sonora, certos requisitos são necessários no que se refere a indicação e adaptação deste aparelho. 0 propósito deste trabalho é relatar a experiência da Disciplina de otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, nesta área, assim como atualizar o assunto, que é de grande interesse clínico.

Histórico

Tentativas de minimizar as deficiências auditivas revestiram-se de interessantes aspectos através dos séculos. Desde a palma da mão em concha, até as cornetas acústicas por vezes camufladas em objetos de adôrno, o deficiente auditivo via-se limitado no aproveitamento da amplificação sonora, com ganho nunca superior a 15 dB. Com o aproveitamento da energia elétrica para fins de amplificação, tornou-se possível a construção de aparelhos que permitiam grande amplificação sonora com relativa facilidade. Entretanto, somente com a utilização de válvulas e transistores foi possível a minutização dos aparelhos de amplificação. Atualmente, graças ao desenvolvimento da eletrônica, existe uma série enorme de aparelhos no mercado que se adaptam aos vários tipos de disacusia.

Componentes

Os principais elementos de um aparelho de amplificação sonora são: microfone, amplificador e receptor. Acrescenta-se uma outra peça, o molde, que é colocado no meato acústico externo. (Figura 1).



FIG. 1 - A figura mostra dois aparelhos de "caixa" ("body aid") (A) Danavox 727 PPX e (B) Zenith - Vocalizer II. (C) Receptores de tamanho reduzido; (D) receptores de tamanho convencional; (E) fio em Y; (F) pilhas; (G) filtros.



O som captado pelo microfone, faz com que a corrente elétrica seja conduzida ao amplificador. Este tem por função amplificar o sinal elétrico, enviando-o ao receptor, que converte os impulsos elétricos já amplificados em vibrações sonoras. Dependendo das qualidades destes componentes, é que um aparelho será melhor ou pior.

Tipos de Aparelhos

1 - Aparelhos convencionais: - são os de "caixa" ou de "bolso" ("body-aid"). Reproduzem mais fielmente os sons do que os outros tipos, pois possuem, na maioria das vezes, o receptor, microfone e amplificador de melhor qualidade e são principalmente indicados para crianças, por serem mais resistentes e abrangerem uma área de freqüência mais ampla, aproveitando as freqüências graves, além de serem de fácil manuseio. (Figuras 2 e 3).



FIG. 2 - Aparelho de amplificação sonora de "bolso" (body aid) Philips HP 8113. Cortesia do Centro Auditivo Philips.



FIG. 3 - Aparelho de amplificação sonora de "bolso" (body aid). Controle de volume (1); comutador (2); "plug" para receptor monoaural (3); "plug" para segundo receptor (4) binaural; pilhas (5); controle de tom (6); limitador de ganho (7); controle para balanceamento binaural (8); Microson 23. Cortesia do Sr. G. Gyurieza - Decibel.



2 - Aparelhos que em lugar do receptor convencional é empregado um vibrador ósseo. Sua utilização é limitada a crianças com perdas moderadas, em que não haja possibilidade de se colocar o molde no meato acústico externo (malformações congênitas, otites médias supuradas, etc.).

3 - Aparelhos retroauriculares: - são compostos de todos os elementos de um aparelho convencional. São também chamados de "aparelho atrás do ouvido". São indicados quando o paciente não apresenta uma perda auditiva acentuada; além disso, agradam mais, esteticamente, pelo fato de estarem relativamente ocultos, devido suas minúsculas dimensões. Somente os indicamos a crianças em idade escolar.

4 - Aparelhos embutidos em hastes de óculos: - idênticos aos retroauriculares, só que embutidos em hastes de óculos. Não os indicamos pois limitam-se a crianças Com deficiência visual associada e oferecem dificuldades de adaptação. Aparelhos do tipo "CROS" (Contralateral Routing of Offside Signal) não tem aplicação em crianças, pelo fato de se limitarem a disacusias unilaterais, que não causam sérios problemas de comunicação e aquisição da fala. Neste tipo o microfone fica no ouvido deficiente e amplificador-receptor em contato com o ouvido normal, através de molde aberto. O tipo "BICROS" tem um microfone no ouvido deficiente e o amplificador-receptor e um segundo microfone no ouvido normal. Limita-se o seu emprego a adultos, pois sua adaptação não é tão simples. O mesmo aplica-se a aparelhos de colocação intrameática, que não apresentam grande amplificação e são de baixa fidelidade.

Características Acústicas dos Aparelhos

1 - "Ganho acústico" ou simplesmente "ganho" (Gain): - é a diferença, em decibéis, entre a "saída" (output) e a "entrada" (input) de um aparelho de amplificação. Assim sendo, se um aparelho é alimentado com um som a 50 dB e o seu ganho é 45 dB, a saída será de 95 dB. O teste deverá ser realizado com o botão de controle de volume no máximo. As firmas comerciais fornecem esta informação, obedecendo a especificação da HAIC (Hearing Aid Industry Conference) que sugere o ganho médio nas freqüências de 500, 1.000 e 2.000 Hz.

2 - Saída máxima (output): - é o ponto além do qual não haverá amplificação. Exemplo: se um aparelho, independentemente das freqüências consideradas, tem uma saída de 110 dB e ganho de 45 dB, ao alimentarmos este sistema com um som de 80 dB, hão obteremos uma amplificação ao nível de 125 dB, mas no máximo a 110 dB. Por outro lado, um som a 65 dB também sairá a 110 dB, porém sem distorção.

3 - Distorção: - significa que o som amplificado sofreu alterações em termos de freqüência e amplitude, em relação ao som de entrada. Um aparelho ideal deverá ter uma saída máxima bem superior a perda auditiva média (500-1.000-2.000 Hz) do paciente; do
contrário o paciente para beneficiar-se da amplificação, deverá usar o aparelho no máximo de volume, fazendo com que o som amplificado seja distorcido.

4 - Faixa de freqüência: - a amplificação deverá estar entre 250 e 4.000 Hz para não afetar a inteligibilidade da fala. O ideal seria que o ganho fosse linear nesta faixa de freqüência. Entretanto, cada marca de aparelho tem sua própria marca de respostas. (Figura 4).

FREQUENCY RESPONSE



FIG. 4 - Curva de respostas para as várias freqüências do aparelho de amplificação sonora de "bolso" (body aid) Vocalizer II (Zenith). Cortesia do Sr. H. Loebinger - Centro Auditivo Brasileiro.



5 - Molde: - a adaptação de uma prótese auditiva deverá ser feita com molde anatômico do meato acústico externo. O molde tem duas funções: uma de conduzir os sons para dentro do meato acústico externo e a outra de sela-lo para evitar o escape de som, causando o aparecimento de um apito desagradável ("feed back"). Dependendo do caso, o molde poderá ser aberto ou fechado. O molde aberto é desejável quando se quer filtrar os sons graves. Achamos que sua melhor aplicação seja em adultos. Periodicamente é conferido, pois com o crescimento da criança e adaptação do conduto, os moldes tendem a não ficar bem ajustados, favorecendo o "feed-back". Pode-se empregar entre o receptor e o molde, tubo plástico, que dependendo de seu comprimento e diâmetro servirá de filtro, alterando a freqüência e intensidade. Como rotina pedimos aos vendedores que acoplem os receptores diretamente aos moldes, para que não haja perda de energia sonora e filtragem de certas freqüências. (Figura 5).

Indicações

1 - Disacusia neuro sensorial bilateral, superior a 45 dB, nas freqüências da fala.

2 - Pacientes portadores de perda condutiva. Por exemplo pacientes portadores de malformações congênitas que não podem submeter-se a tratamento cirúrgico. Pacientes que não apresentam boa resposta ao tratamento clínico; é o caso de uma criança com otite média serosa bilateral, em idade de aquisição da fala e que não reagiu satisfatoriamente à terapêutica.

3 - Pacientes portadores de "resíduos" auditivos, mesmo que somente em freqüências abaixo de 500 Hz.

Com relação a idade, acreditamos que quanto mais cedo uma criança puder usar um aparelho auditivo,: melhor será o prognóstico quanto a aquisição da fala, embora, saibamos que nenhum aparelho possa compensar totalmente.uma perda auditiva. Já temos indicado
aparelhos a criança de até 3 meses de idade. Entretanto, devido, a problemas de manuseio do menor, sugerimos que na presença de uma disacusia, pode-se esperar até o 6º ou mesmo 9º meses de idade.



FIG. 5 = A figura mostra um fio em Y (A) com receptor adequadamente acoplado ao molde- (B); molde acoplado ao receptor por meio de um tubo plástico (C) o que contra-indicamos.



Quase sempre indicamos aparelhos às crianças. levando-se em consideração:

a) resistência e durabilidade do aparelho;

b) "output", "ganho" e faixa de freqüência compatíveis com a deficiência. Geralmente estes itens são respeitados ao indicar-se aparelhos chamados de "caixinha" ou de "bolso" ("body aind"). Dependendo da existência ou não de recrutamento indicamos aparelhos com A.V.C (Controle Automático de Volume)

Estimulação Bilateral X Estimulação Unilateral

Os dois ouvidos deverão ser estimulados através do uso de um aparelho auditivo com dois receptores (fio em Y). Se houver uma diferença de mais de 15 dB entre os dois ouvidos, uso de dois aparelhos será o ideal. Os resultados comprovarão que esta criança aprenderá a entender e a produzir melhor a fala; a capacidade de localizar a fonte sonora dependerá do emprego de dois aparelhos. Raramente indicamos dois aparelhos devido a problemas de ordem econômica.

Seleção do Aparelho

Selecionar um aparelho de amplificação sonora adequado implica em uma série de testes fundamentais. O aparelho ideal deverá ser pequeno, leve, durável, barato e com boa qualidade de amplificação. Na seleção do aparelho o audiograma serve como guia, fornecendo o grau de perda auditiva da criança, através dos limiares tonais aéreo e ósseo; entretanto não se pode indicar um aparelho tendo como base somente estes dados. Ao fazermos a indicação para criança até 3 anos de idade utilizamos também testes de reação à voz, sons familiares à criança, música, etc. Importante é o teste de tolerância a sons fortes, pois o menor poderá apresentar rejeição ao aparelho por experimentar sensação de desconforto a sons demasiadamente intensos (recrutamento). A experiência de ouvir um ruído muito forte pode ser desagradável a uma criança habituada ao silêncio. Deve-se, inicialmente, regular o aparelho, ajustando-o progressivamente. Contudo, antes de escolher o aparelho definitivo, é interessante testar a criança com a saída máxima do mesmo. É preciso lembrar também que um aparelho satisfatório não deve ser rejeitado, simplesmente por ser potente demais, mas somente se for intolerável à criança, mesmo quando em baixo volume. Nesta situação, talvez um aparelho A.V.C. seja a solução.

Para crianças acima de 3 anos, além dos testes de tolerância, os limiares de recepção, de discriminação são sempre levados em consideração. Por vezes, torna-se útil gravar-se a emissão vocal da criança ao imitar sons que foram apresentados ao testar-se vários aparelhos.
Temos utilizado de rotina, a medida da Impedância acústica do ouvido médio, na determinação da presença e do limiar de recrutamento.

Outro teste empregado; com freqüência, é a Audiometria de Respostas Evocadas, feita em campo livre, principalmente em crianças que não cooperam ou que estão abaixo dos 3 anos de idade. Desta maneira podemos avaliar o ganho efetivo do aparelho.

Costumamos selecionar, no máximo, dois ou três aparelhos para a avaliação final, a fim de que a escolha não seja tediosa e extremamente trabalhosa.

Comentários

1 - Rejeitamos a idéia de que o uso de um aparelho auditivo conduza a trauma acústico ou piore a audição da criança. O aparelho meramente faz com que a criança aproveite melhor os restos auditivos que possue e aproveite sua audição. O falso conceito de que um aparelho de amplificação irá prejudicar a audição, não tem fundamentação que resista a uma análise científica criteriosa. O trauma acústico resulta de exposição a ruídos ou sons intensos e de duração prolongada, dependendo também do intervalo entre uma exposição e outra, e a fatores predisponentes (ototoxicose prévia, por exemplo). Os sons da fala, com o ,riais potente aparelho de amplificação, mesmo no máximo de volume, não são contínuos, mudando constantemente de intensidade, assim como há sempre intervalos de relativo silêncio. Além do mais, o trauma acústico é mais dificilmente produzido em pessoas com limiares rebaixados. Acrescente-se que a experiência prova não haver alteração significativa dos limares da criança, após anos de utilização do aparelhos.

2 - As vezes uma criança utiliza aparelho e não apresenta progresso na aquisição da fala. Neste caso, deve-se além de examinar o funcionamento do aparelho, reavaliar-se clinicamente o paciente.

3 - O aparelho facilita o aprendizado da leitura oro-facial e não o dificulta, como é erroneamente admitido em alguns círculos. A inteligibilidade da fala é reforçada, pois as pistas auditivas auxiliam a discriminação das palavras que estão sendo pronunciadas ou articuladas, desde que elas estejam dentro do contexto.

4 - Ao fazer uso de um aparelho de amplificação sonora, uma criança com disacusia neuro sensorial passa a ouvir a sua própria emissão vocal, requisito fisiológico e fundamental para que possa haver aquisição, controle e desenvolvimento da fala ("feed back auditivo").

Cuidados Especiais

Recomendamos sempre aos pais:

1 - Remoção da pilha quando o aparelho não estiver em uso;

2 - O manuseio do aparelho defeituoso, deverá ser feito exclusivamente por técnico habilitado;

3 - Uso do aparelho deverá ser gradual e progressivo;

4 - Orientação quanto a morosidade dos resultados do treino auditivo e a necessidade de motivar a criança a usar o aparelho;

5 - Estimular ao máximo a criança em idade pré-escolar que pode estar apresentando rejeição ao aparelho por considerar-se diferente das demais.

6 - Orientação fonoaudiológica.

Sumário

Os autores relatam a norma de conduta da Disciplina de ORL da F.C.M.S.C.-S.P. na escolha e indicação de aparelhos de amplificação sonora na criança. Ênfase foi colocada nos aparelhos mais atuais do desenvolvimento tecnológico nesta área. Aspectos práticos relativos ao uso e manuseio dos aparelhos também foram ventilados.

Summary

The most up to date information regarding the use and indication of hearing aids are described by the authors. Technical details and procedures aids for for proper choice of hearing children are also emphazised.

Bibliografia

1. Glorig, A. - Possibility of Injury by Amplified soud. The Young Deaf Child: Identification and Management. Acta Oto-laringológica. Supl.: 206 pág. 241, (1965).
2. Carver, W. F. - Hearing Aids: A Historical and Technical Review. Handbook of Clinical Audiology. J. Katz (editor) pág. 570. The Wllliams and Wilkins Co. (1972).




* Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia - Disciplina de ORL: Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia