ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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2845 - Vol. 38 / Edição 2 / Período: Maio - Agosto de 1972
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 103 a 106
HEMORRAGIAS CATACLÍSMICAS NO PÓS-OPERATÓRIO TARDIO DE AMIGDALECTOMIAS
Autor(es):
Roberto Helcio Taube,
Donato de Oliveira,
Hugo Borges de Carvalho

O acidente hemorrágico, no pós-operatório tardio de amigdalectomia, por queda de escara, não é muito raro, sendo do conhecimento de todos otorrinolaringologistas. Entretanto, desejamos chamar a atenção para um tipo de hemorragia violenta, também na fase de cicatrização da loja amigdaliana, e que em alguns casos leva o paciente ao êxito letal. Tal tipo de hemorragia decorre de lesão de parede de algum vaso, mais profundo, quando se pratica a hemostasia da loja amigdaliana, durante o ato cirúrgico, parecendo-nos que tal lesão ocorra com mais freqüência quando se faz tal hemostasia no polo inferior, com pontos com agulha, que lesaria a bainha ou mesmo transfixaria a parede de outro vaso próximo. Nos pós-operatório tardio por fenômenos de necrose, a parede vascular lesada se romperia, ocorrendo desta forma, grave hemorragia para a loja amigdaliana.

Selecionamos três casos que nos parecem bastante interessantes, e que passamos a relatar.

CASO I: C.M., 12 anos de idade, sexo masculino, brasileiro, estudante, branco. Foi atendido no dia 13/3/70 pelo especialista de plantão no Setor de Emergência do Hospital Estadual Souza Aguiar, chocado, em anemia aguda, em virtude de perda abundante de sangue pela boca e nariz, em casa e no trajeto para o hospital. Segundo seus familiares, havia sido submetido a adeno-amigdalectomia há vinte e nove dias. Apresentara antes, por volta do 15º e do 20º dia de pós-operatório, episódios de hemorragias semelhantes, sendo socorrido no mesmo hospital em que fora operado, e recebido transfusões de sangue. Ao ser atendido nesta terceira crise, no H.E.S.A., não apresentava mais qualquer sangramento, e seu tratamento consistiu de transfusão de sangue, administração de plasma e hidrocortisona. Exame clínico geral, hemograma e coagulograma feitos logo em seguida, nada revelaram de significativo. Foi internado. No dia seguinte, minucioso exame O.R.L. nada revelou de anormal além de pequenos pontos hiperemiados nos polos inferiores de ambas lojas amigdalianas.

Recebeu alta quatro dias após, em ótimas condições físicas.

Três dias depois foi outra vez trazido ao hospital em anemia aguda, por hemorragia que apresentara momentos antes e que cessara também ao entrar em estado de choque. Após dissecção de veia, recebeu novas transfusões, sendo reinternado. O exame da faringe revelou-a normal, com lojas amigdalianas cicatrizadas. Alterações da crase sanguínea foram afastadas após detalhados exames pelo Instituto de Hematologia Dr. Arthur Siqueira Cavalcanti. Hipóteses de varizes esofageanas e úlcera gástrica também foram afastadas, após exames radiológicos.

No dia seguinte decidimos repetir o exame O.R.L., com o paciente em seu leito. Encontramos de anormal apenas um pequeno coágulo de sangue aderido ao polo inferior da loja amigdaliana esquerda. Ao ser removido, suavemente, com algodão, sobreveio intensa hemorragia, com sangue de aspecto venoso esguichando em jato contínuo, inundando imediatamente a boca e faringe. Como único recurso, no momento, colocamos tampão de gaze na loja, comprimindo-a fortemente com auxílio de uma pinça, enquanto levávamos rapidamente a criança ao Centro Cirúrgico, onde recebeu anestesia geral, sendo intubada, apesar das dificuldades. Colocado o abridor de boca, e com auxílio de aspirador, foi possível identificar pequeno orifício por onde esguichava sangue, sendo feito seu pinçamento com sucesso. Em seguida, foi dado um ponto de cat-gut 00 cromado, com agulha, alguns milímetros acima da ponta da pinça, que foi então aberta sem que voltasse a sangrar, confirmando nosso raciocínio de que a hemorragia provinha de lesão na parede de alguma veia situada a um ou dois milímetros da superfície cicatrizada da loja.

O paciente permaneceu internado durante duas semanas, em observação, e após sua alta, retornou para controle durante vários meses, em perfeitas condições.

CASO 2: S. da S. L., oito anos de idade, branco, sexo masculino, brasileiro, estudante.
Foi atendido em 13 de março de 1971, pelo otorrinolaringologista de plantão no H.E.S.A., com anemia aguda e hemorragia de loja amigdaliana direita, que cessou após remoção de coágulos, sendo em seguida submetido a transfusão de sangue. Informavam seus familiares que fora submetido a amigdalo-adenoidectomia há dez dias, e que há três dias apresentara episódio de hemorragia semelhante, sendo atendido no hospital em que fora operado.

Após o socorro nesta segunda crise de sangramento, e com resultados normais de hemograma, hematócrito, coagulograma e exame clínico geral, foi internado, permanecendo dois dias em ótimas condições, tendo a família solicitado alta. Antes de concedê-la, realizamos revisão O.R.L., encontrando no polo inferior da loja amigdaliana direita, junto à base da língua, pequeno abaulamento de coloração violácea. Levamos então a criança à sala de operações, onde foi submetida a anestesia geral, com soro glicosado correndo através de agulhas introduzidas em duas veias, deixando-se por precaução, frascos de sangue prontos para serem usados. Após intubação oro-traqueal foi colocado abridor de boca e exposto o abaulamento na loja amigdaliana, que ao ser tocado com a ponta do aspirador, deu lugar a violenta hemorragia, sendo infrutíferas várias tentativas de pinçamento, perdendo-se grande quantidade de sangue, que inundava a boca e faringe, sendo o aspirador insuficiente para limpeza do local. O paciente terminou entrando em choque hipovolêmico e fazendo parada cardíaca, sendo necessária atuação de cirurgião geral presente, que efetuou toracotomia e massagem cardíaca, enquanto se procedia transfusão de sangue, sob pressão.

Como o tempo de parada cardíaca possivelmente ultrapassara três minutos e o paciente se apresentasse em midríase, foi imediatamente medicado com doses elevadas de corticoesteroide, pelo neuro-cirurgião que fora logo chamado.

Com a situação mais calma, já que a hemorragia diminuíra consideravelmente, foi feita hemostasia da melhor maneira possível no momento, com pontos de tersilene 3-0, com agulha, no local do abaulamento que se havia rompido, cessando completamente o sangramento, mesmo após normalizada a pressão arterial. Com drenagem pleural fechada e respiração assistida por "Bird" foi então levado ao C.T.I., onde, algumas horas após, já se apresentava lúcido, com respiração espontânea. Dois dias depois foi transferido para a enfermaria, onde posteriormente foi retirado o dreno torácico.

Permaneceu internado ainda por treze dias, sob cobertura antibiótica, retornando após a alta, semanalmente, para controle, durante vários meses, sem que voltasse a apresentar hemorragia, e tendo desaparecido completamente aquele abaulamento com aspecto aneurismático.

CASO 3: R.S.G.. branco, brasileiro, sexo masculino, dez anos de idade, estudante. Submeteu-se a adeno-amigdalectomia em 27/2/70 no Hospital do I.A.S.E.G. Alta no dia seguinte, após ato cirúrgico e pós-operatório imediato normais. Seis dias após apresentou hemorragia, sendo atendido no Hospital Olivério Kraemer, como queda de escara, recebendo transfusão de sangue e sendo removido para o H.E.S.A., onde o tratamento foi complementado com uma transfusão de sangue total. Removido para o Hospital do I.A.S.E.G., foi reinternado por trinta e seis horas para observação. Não havendo mais sangramento e estando em boas condições clínicas, após exame O.R.L. teve alta.

Trinta dias depois foi acometido de nova hemorragia intensa, sendo levado para o Hospital Estadual Souza Aguiar, onde chegou já morrendo. Sua necrópsia, realizada no Hospital do I.A.S.E.G. pelo Dr. Cláudio Lemos, revelou:
1º Diapositivo: no polo inferior da loja amigdaliana direita nota-se ruptura de falso aneurisma.

2° Diapositivo: o mesmo aspecto anterior.

3° Diapositivo: o falso aneurisma dissecado, originário da artéria lingual. 4.e Diapositivo: o mesmo falso aneurisma dissecado.

Estudo histológico feito pelo anatomo-patologista levou a conclusão de falso aneurisma que se formou por lesão da parede da artéria lingual, provavelmente por agulha de sutura. Foram encontrados vestígios de cat-gut no local de formação do falso aneurisma.

Summary

The authors report on three cases of young patients who were treated for massive bleeding on the late post operative period of tonsillectomy. One of the patients died and post morten examination revealed a pseudoraneurism of the lingual artery which ruptured in the tonsillar fossa.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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