INTRODUÇÃORabdomiosarcoma (RMS) é uma neoplasia maligna originária de células mesequimais primitivas. É o sarcoma de partes moles mais freqüente na criança, e pode ocorrer em qualquer local do corpo. A expressão clínica da doença está diretamente relacionada à sua localização. O sítio primário mais freqüente do RMS é a cabeça e pescoço seguidos pelo trato gênito-urinário e extremidades.1,2,3 Considerando todos os sarcomas de partes moles de cabeça e pescoço, o RMS é também o mais comum.4,5 Têm predominância pelo sexo masculino com dois picos de incidência: um na primeira década, outro na segunda década de vida.
Existem várias classificações histopatológicas para o RMS. A adotada pelo nosso serviço é a Classificação Internacional de Rabdomiosarcomas. Esta classificação inclui os seguintes subtipos: botrióide, de células fusiformes, embrionário, alveolar, indiferenciado e sem outras especificações (SOE).6 O tipo histológico mais freqüente é o embrionário. RMS botrióide é considerado um subtipo do RMS embrionário e é o de prognóstico mais favorável.1,2,3,7,8
O Intergroup Rhabdomyosarcoma Study (IRS) é uma equipe multidisciplinar, multicêntrica, composta por pesquisadores provenientes de grandes centros para tratamento de câncer nos EUA e Europa. O IRS vem conduzindo vários protocolos que estudam a biologia e o tratamento do RMS em crianças desde 1972, cujos resultados norteiam as condutas em casos de RMS em vários países.
O primeiro IRS (IRS-I) classificou os pacientes com RMS em 4 grupos clínicos baseados na extensão da doença e no tipo de cirurgia realizada (Tabela 1).9,10
A sobrevida está muito relacionada ao grupo clínico a que pertence o paciente. Um estudo realizado pelo IRS mostrou que a sobrevida em cinco anos para pacientes nos grupos clínicos I, II, III, IV foi de 83%, 70%, 52% e 20% respectivamente.1
IRS definiu, na cabeça e pescoço, três grandes regiões anatômicas de acometimento primário pelo RMS com importância para o prognóstico: orbital, parameníngeo, não parameníngeo. A localização parameníngea é a mais freqüente e compreende: fossa infratemporal, nasofaringe, orelha média, mastóide, seios paranasais. A localização não parameníngea compreende todo o resto: parótida, região submandibular, couro cabeludo, orofaringe, laringe.1,2,10 O RMS orbital é o de melhor prognóstico, seguido pelo RMS não parameníngeo e pelo parameníngeo devido à dificuldade de realizar ressecção cirúrgica completa das lesões nesta localização. IRS I referiu sobrevida em 5 anos de 89%, 55% e 47%, para lesões orbitais, não parameníngeas e parameníngeas respectivamente.1
Além do tipo histológico, da localização da lesão, de sua ressecabilidade, o prognóstico depende também do tamanho do tumor e de sua vascularização. Os tumores maiores e mais vascularizados têm pior prognóstico.
O tratamento de escolha para o RMS é uma combinação de cirurgia, quimioterapia, radioterapia como demonstraram os estudos realizados pelo IRS.1,2,7 Antes desses estudos a principal forma de tratamento para o RMS era cirurgia, com sobrevida pobre. Sutow et al. analisaram retrospectivamente prontuários de 78 crianças com diagnóstico de RMS tratados no período de 1946 a 1966, observando sobrevida global em cinco anos igual a 28%.11 Com a terapia combinada, a sobrevida global em cinco anos subiu para 55% no IRS I e 63% no IRS II.1,2
O nosso objetivo é estudar a ocorrência de RMS de cabeça e pescoço na infância e respectivos aspectos clínicos-histopatológicos e evolutivos.
MÉTODO Oitenta e dois pacientes com diagnóstico de sarcomas de partes moles atendidos no Instituto de Oncopediatria da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP - EPM) no período de agosto de 1988 a abril de 2002 foram incluídos neste estudo. Selecionamos os 24 prontuários de pacientes com acometimento de cabeça e pescoço (lesões localizadas acima do plano formado pela clavícula e corpo da sétima vértebra cervical). Foram excluídos dois prontuários incompletos. Dos prontuários foram obtidos os seguintes dados: sexo, idade, classificação histológica, grupo clínico, localização da lesão, evolução. Na nossa amostra nenhum paciente foi submetido a cirurgia como terapia definitiva; o procedimento cirúrgico limitou-se à biópsia. A classificação histológica foi realizada pelo Departamento de Anatomia Patológica da UNIFESP - EPM. Os pacientes foram classificados retrospectivamente de acordo com os grupos clínicos estabelecidos pelo IRS.
Foram estudados os seguintes parâmetros:
1) Incidência de RMS na infância
2) Incidência de RMS na cabeça e pescoço na infância
a) Distribuição segundo o sexo.
b) Distribuição segundo faixa etária.
c) Distribuição segundo tipo histológico.
d) Distribuição segundo localização primária.
e) Óbito X Localização da lesão.
f) Causa do óbito.
RESULTADOS Do total de 80 casos de sarcomas de partes moles que entraram para o estudo, 52 casos corresponderam ao RMS (Gráfico 1), destes últimos, 17 casos localizavam-se na cabeça e pescoço (Gráfico 2). Foram encontrados 22 casos de sarcomas de partes moles de cabeça e pescoço, dos quais 17 eram RMS (Gráfico 3). Os cinco casos restantes de sarcoma de partes moles de cabeça e pescoço corresponderam à: sarcoma alveolar de órbita, leiomiomiosarcoma de mandíbula, fibrosarcoma de seio maxilar, fibrosarcoma de mandíbula, neoplasia mesequimal de lábio.
Em relação aos 17 pacientes com diagnóstico de RMS de cabeça e pescoço, os achados foram:
A idade dos pacientes variou de 4 meses a 20 anos com idade média de 7,62 anos.
Oitenta e oito por cento dos pacientes pertenciam ao grupo clínico III e 12% ao grupo clínico IV.
A Tabela 2 mostra uma análise descritiva dos dados encontrados.
A Tabela 3 mostra a porcentagem de óbito em relação à localização do tumor; fazendo um paralelo com a causa mortis.
DISCUSSÃO No nosso estudo, 33% dos casos de RMS localizavam-se em região de cabeça e pescoço. Intergroup Rhabdomyosarcoma Study I (IRS I) acompanhou 686 pacientes até 21 anos de idade, com diagnóstico de RMS, por um período de 7 anos; observaram incidência de RMS nesta região igual a 37%.1 À imagem do primeiro estudo, o IRS II acompanhou 999 crianças, encontrando incidência de 34% de RMS na cabeça e pescoço.2 Karakas et al. realizaram estudo retrospectivo dos prontuários de 51 pacientes; a incidência de RMS nesta localização foi de 31,4%.3
RMS é o sarcoma de partes moles mais comum na cabeça e pescoço na infância. No presente estudo, o RMS foi o responsável por 77% das neoplasias nessa região. Weber et al., analisando retrospectivamente fichas médicas de 188 pacientes adolescentes e adultos com sarcomas de partes moles de cabeça e pescoço, também encontraram um maior número de casos de RMS nesta região, mas numa incidência bem menor (18%).4 Nos adultos existem outros sarcomas de partes moles a serem considerados, que tem importância devido à maior incidência, por exemplo: liposarcoma, histiocitoma, angiosarcoma, leiomiosarcoma.
Em relação ao sítio primário de acometimento, encontramos em torno de 53% dos pacientes com comprometimento orbital. A literatura aponta a localização parameníngea como a mais freqüente: 50% dos casos de RMS de cabeça e pescoço ocorrem nesta localização.10
O tipo histológico mais freqüente neste estudo foi o RMS embrionário (64,6%) seguido pelo botrióide (11,8%). IRS I e II classificaram os RMS utilizando o "Sistema Convencional": RMS alveolar, embrionário, botrióide, pleomórfico e indiferenciado. No estudo realizado pelo IRS I e II, respectivamente 56% e 51% dos casos eram RMS embrionário.1,2 Karakas et al. também observaram predominância deste tipo histológico em 80,4%.3
Oitenta e oito por cento dos pacientes pertenciam ao grupo clínico III, 12% ao grupo IV. A literatura também mostra uma maior prevalência do grupo clínico III. Segundo Karakas et al., as porcentagens de pacientes nos grupos clínicos I, II, III, IV foram 3,9%, 23,6%, 47%, 25,5%, respectivamente.3 Em relação ao grupo clínico, IRS I encontrou os seguintes resultados: 15%, 25%, 41%, 19%, pertencentes aos grupos I, II, III, IV, respectivamente.1 Da mesma forma, IRS II mostrou as seguintes proporções: 12,5%, 17%, 53,25%, 17,25% do grupo I para o IV, respectivamente.2 Na população deste estudo não houve pacientes nos grupos I e II. Isso se deve ao fato de que nenhum paciente pôde ser submetido à cirurgia como terapia definitiva, devido à localização da lesão. O procedimento cirúrgico limitou-se à biópsia.
A idade média no diagnóstico foi de 7,62 anos, com predominância na faixa etária dos 5 aos 9 anos (41%). O IRS I observou idade média de 7 anos, com predominância na faixa etária de 1 a 4 anos (34%).1 Karakas et al. e Daya et al. relataram idade média de 4,5 e 4,9 anos, respectivamente.3,7
A literatura aponta predominância do RMS de cabeça e pescoço no sexo masculino (59%).7 No nosso estudo encontramos 53% dos pacientes deste sexo.
Dos sete pacientes vivos, 5 encontravam-se livres de doença, todos com diagnóstico de RMS embrionário (1 botrióide), de localização orbital, pertencentes ao grupo clínico III. Dos 2 pacientes vivos com doença, um apresentava RMS alveolar de parótida, pertencente ao grupo clínico IV, resistente ao tratamento, outro era RMS orbital recidivado.
Cem por cento dos pacientes com RMS na localização parameníngea foram a óbito, na maioria por progressão do tumor, confirmando o pior prognóstico da lesão nesta localização.
CONCLUSÃO Do estudo de 80 casos de sarcoma de partes moles de cabeça e pescoço em crianças pudemos concluir, em relação ao Rabdomiosarcoma:
É o sarcoma de partes moles mais comum na criança como um todo, bem como na região de cabeça e pescoço.
Houve diferença na distribuição quanto ao sexo, com predominância do sexo masculino.
Foi mais comum na faixa etária dos 5 aos 9 anos.
Tipo histológico mais comum foi o embrionário.
Na cabeça e pescoço, o sítio primário orbital foi o mais freqüente.
RMS parameníngeo apresentou um maior índice de óbito, principalmente como resultado da progressão do tumor. O RMS orbital apresentou o menor índice, na maioria por complicação do tratamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Maurer HM, Beltangady M, Gehan EA et al. The Intergroup Rhabdomyosarcoma Study-I: a final report. Cancer 1988;61:109-220.
2. Maurer HM, Gehan EA, Beltangady M et al. The Intergroup Rhabdomyosarcoma Study II. Cancer 1993;71:1904-1922.
3. Karakas Z, Agaoglu L, Biner B et al. Results of Rhabdomyosarcoma treatment in a developing country. Acta Med Okayama 2000;54(4):173-177.
4. Weber RS, Benjamin RS, Peters LJ et al. Soft Tissue Sarcomas of the Head and Neck in Adolescents and Adults. Am J Surg 1986;152:386-392.
5. Gorsky M, Epstein JB. Head and Neck and intra-oral soft tissue sarcomas. Oral Oncology 1998;34:292-296.
6. Asmar L, Gehan EA, Newton WA, et al. Agreement among and within Groups of Pathologists in the Classification of Rhabdomyosarcoma and Related Childhood Sarcomas. Cancer 1994;74:2579-2588.
7. Daya H, Chan HSL, Sirkin W, Forte V. Pediatric Rhabdomyosarcoma of the Head and Neck. Is There a Place for Surgical Management? Arch Otolaryngol Head and Neck Surg 2000;126:468-472.
8. Wharam MD, Beltangady MS, Heyn RM et al. Pediatric Orofacial and Laryngopharyngeal Rhabdomyosarcoma. An Intergroup Rhabdomyosarcoma Study Report. Arch Otolaryngol Head and Neck Surg 1987;113:1225-1227.
9. Maurer HM, Moon T, Donaldson M et al. The Intergroup Rhabdomyosarcoma. A Preliminary Report. Cancer 1977;40:2012-2026.
10. Wexler LH, Helman LJ. In: Pizzo PA, Poplack DG. Principles and Practice of Pediatric Oncology. 3ª edição. Philadelphia: Lippincot-Raven Publishers; 1997. 799-
11. Sutow WW, Sullivan MP, Ried HL et al. Prognosis in Childhood Rhabdomyosarcoma. Cancer 1970;25:1384-1390.
Endereço para correspondência
Dra. Beatrice Mª J. Neves
Rua dos Otonis, 684 V. Clementino São Paulo SP 04025-001
Fone/fax: (0xx11) 5539-7723
E-mail: asabranca@uol.com.br
Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica do Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da UNIFESP-EPM; apresentado no 36º Congresso Brasileiro de otorrinolaringologia, no período de 19 a 23 de novembro de 2002.
Artigo recebido em 04 de dezembro de 2002.
Artigo aceito em 23 de janeiro de 2003.
1 Pós-graduanda do Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
2 Professor Titular do Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
2 Professora Assistente do Instituto de Oncopediatria da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
3 Pós-graduanda do Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
4 Professor Associado do Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
5 Chefe de Clínicas da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica do Depto. de ORL-DCH da UNIFESP-EPM.