ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2819 - Vol. 47 / Edição 2 / Período: Maio - Agosto de 1981
Seção: Artigos Originais Páginas: 115 a 120
TESTE AUDIOLÓGICO DE IDENTIFICAÇÃO DAS SENTENÇAS SINTÉTICAS 5
Autor(es):
**Nicanor Letti

Resumo: Apresentamos em língua portuguesa o teste audiológico das sentenças sintéticas e sua técnica de manipulação com os pacientes. Foi aplicado em normais em sua forma de competição contralateral. Em português os resultados foram idênticos ao da língua inglesa. Estudamos dois pacientes um com lesão de área de Brocca do lobo frontal e o outro no lobo têmporo-ocipita 1 (giro de Helsch) mostrando que sua aplicação avalia adequadamente estas lesões através das sentenças ouvidas no ouvido contralateral.

INTRODUÇÃO

As funções fásicas do córtex parieto-têm poro-ocipita 1 desenvolvidas durante a evolução do indivíduo pela capacidade perceptiva do órgão auditivo, alcançam sua função plena quando conseguem interpretar comunicações complexas como a linguagem falada. Quanto mais lógica for a mensagem mais fácil será seu entendimento, isto é sua gnosia e memorização.

Por outro lado as frases que não tem um significado lógico ou são incoerentes permitem testar a capacidade de discriminação auditiva com todo seu mecanismo complexo. Significa que o indivíduo consegue interpretá-las após tê-las recepcionado através das vias acústicas até o córtex e conclui de sua incoerência.

A audiologia moderna aproveitou esta característica da logicidade das mensagens em nível cortical e avalia a função do mecanismo interpretativo através de testes específicos. Alcançou portanto a otologia, através de sua ciência auxiliar, testar mais um degrau da via acústica que são as células da área de Helsch do giro temporal superior.

Eletrofisiologicamente é impossível decompor em nível central as informações sensoriais auditivas em elementos simples ou como os denominou Bocca (1, 2, 4) de "quanta de informação". No sentido psicológico um som não é uma mensagem se ele não tem estrutura ou organização interna. Uma palavra, uma frase são elementos coerentes e constituem uma mensaqem. Quanto maior for o grau de coerência, de autocorrelação e de ligação entre os sons menos entropia existirá na mensagem. 0 poder fundamental de discriminação dos centros corticais é diminuir a entropia das mensagens recebidas.

Bocca e Galearo (1, 2, 3 e 4) foram os pioneiros, desde 1955 desenvolveram testes especializados para analisar as estruturas centrais do entendimento auditivo. Estes autores demonstraram uma série de fenômenos básicos:

1. Nos paciente com lesão unilateral do lobo temporal e deficiência no entendimento da linguagem pode ser detectada no ouvido contralateral ao lobo temporal afetado.

2. As deficiências unilaterais por lesão do lobo temporal podem ser realçadas por processos que dificultam a discriminação de uma mensagem como: interposição de um filtro nas freqüências graves, interrupção no tempo da apresentação da mensagem ou aceleração na leitura.

3. Os pacientes com problemas centrais apresentam muitas vezes dificuldades de fusionar mensagens biaurais coerentes.

4. Os pacientes com certas lesões também não tem habilidade de identificar ou responder apropriadamente mensagens não coerentes biaurais.

Vários são os testes propostos para identificar audiologicamente estes fenômenos, que surgem por lesões têmporo-parietais. Jerger e Col (5, 6, 7, 8, 9 e 10) desde 1965 estudam e aplicam um teste excelente para esta finalidade. Denomina-se de Teste de Identificação das Sentenças Sintéticas (SSI-Syntetic Sentences Information). Tem duas modalidades: o da mensagem contracompetente (CCI - Contra Competing Message) e o da mensagem competente ipsi-lateral (I CM - Ipsi - Competing Message). Este teste junto com a pesquisa da função da intensidade sonora sobre a capacidade discriminativa de palavras foneticamente balanceadas (PI-PB) e da presença do "rollover" constituem a bateria central de testes audiológicos destes autores.

A finalidade desta comunicação é apresentar o teste de identificação das sentenças sintéticas em sua modalidade contra-competente, a primeira vez, em versão portuguesa e com os resultados em indivíduos normais e em dois pacientes com lesão central localizada e comprovada.

MATERIAL E MÉTODO

Foram examinados 20 indivíduos de 18 a 25 anos de idade, todos estudantes de Medicina, com exame otológico e audiométrico tonal liminar normal e submetidos ao teste de identificação das sentenças sintéticas modalidade contracompetente. As frases gravadas e elaboradas a partir de listas de palavras foneticamente balanceadas em portugues, com significado incoerente ou semi incoerente. As frases foram gravadas por um locutor especializado e com dicção correta (antigo repórter Esso do nosso rádio), em uma faixa de uma fita de gravação e na outra a história de um relato histórico do escritor e político gaúcho Lindolfo Collor sobre as proezas de Giusepe Garibaldi durante a Guerra dos Farrapos do século passado, que todos os habitantes do Estado aprenderem na Escola ou ouviram pelo cancioneiro popular, tendo portanto conhecimento geral dos fatos.

As sentencas escolhidas em número de dez foram as seguintes:

1 - Baile claro pagou a quota do mel.

2 - Quem vai de trem tem céu azul.

3 - Seda pura vem para o carro andar.

4 - Costa alta da mala grita mais fácil.

5 - ódio inútil na façanha do alto circo.

6 - Marco brilhante na mãe de letra triste.

7 - Arco da vida no laço do rico.

8 - Buscar o tema no sal da carne.

9 - Belo som no rádio alto da vizinha.

10 - Cinco homens armados no banco da rua.

Para aplicação técnica do teste usamos um aparelho gravador e reprodutor Phillips ASP - 2, HP 8743, N 4512 com dispositivo que permite variar a intensidade das duas faixas da fita, podendo assim influenciar biauralmente sobre as mensagens ouvidas. O lado que ouve a história é a mensagem competidora e aquele que identifica as frases é o que se anota e o paciente assinala em um botão luminoso que está na sua frente. Isso significa que o paciente estará ouvindo permanentemente de um lado uma história guerreira e no outro de maneira intermitente frases incoerentes que além de serem interpretadas deverão ser assinalados em um mostrador a sua frente onde estão escritas. Inicialmente as frases e a mensagem competidora são oferecidas ao peciente na mesma intensidade, após aumenta-se de 10 e 10 decibéis a mensagem competidora e verifica-se a percentagem de acertos mantendo-se as frases com a intensidade inicial.

As frases na fita estão gravadas em seqüência variável para o paciente não decorar sua posição e responder pelo sentido. O técnico dispõe de uma folha onde as frases estão na seqüência correta e vai anotando os pontos luminosos que são acionados pelo paciente segundo a identificação que consegue discriminar.

Foram também examinados dois pacientes com lesão central, fig. n° 1, um com uma lesão angiomatosa na base do lobo frontal e era portador de uma disartria. Uma outra moça com dilatação ventricular (fig. n° 2) e lesão agnósica típica, produzida por traumatismo com coma. Ambos tinham lesões comprovadas por tomografia computorizada e a audiometria tonal era normal.

A maneira de encontrar o limiar auditivo de cada paciente é a audiometria tonal liminar, usando-se a intensidade de 30 a 40 dB acima do limiar para cada paciente na freqüência de 1.000 c/s.

RESULTADOS

A anotação dos resultados realiza-se em uma ficha como a da fig. n° 3, que após o cálculo da percentagem dos acertos são transpostos para o gráfico. Significa que o paciente recebeu durante o teste em um ouvido as frases de maneira alternada segundo a gravação da fita e no outro a mensagem contra competente é aumentada de intensidade até atingir uma diferença de 40 ou 50 decibéis. 0 fundamental no teste é a dificuldade que acarreta ao indivíduo a mensagem contra competente sobre a audição correta das frases, e esta dificuldade aunierna com a intensidade com que é apresentada. Entretanto os individuos normais conseguem discriminar corretamente as frases apesar da contra corrnpeténcia da história no ouvido oposto.

Em todos os casos normais examinados a curva foi uma linha reta idêntica a da fig. n.° 5.

No caso patológico do paciente com disartria mas com boa audição verificamos que a mensagem contra competente não alterou a capacidade discriminativa tanto de um ouvido como do outro. No paciente com agnosia e perturbação de ritmo da linguagem vemos que existe uma alteração nítida da discriminacão com as frases no ouvido contra lateral à lesão.



Fig. 1 - Tomografia computorizada do paciente com lesão angiomatosa da área de Brocca do lado E - havia hemiplegia lado D e disartria.



Fig. 2 - Tomografia computorizada do paciente com lesão pós coma - com grande edema cerebral e dilatação ventricular - agnosia, alteração do ritmo da fala, desatenção, anomias e acalculias. Havia alteração tanto do lado D como do E.



Fig. 3 - Folha de anotação para uso da técnica de audiologia onde estão assinaladas as seqüéncias gravadas da fita para o cálculo da percentagem dos acertos.



Abaixo a intensidade da história e da mensagem contra competente que após será transposta no gráfico com a razão média da competência (RMC) e da percentagem de acertos.



Fig. 4 - Gráficos dos normais - mostrando que apesar da contra competência intensa da história os pacientes foram capazes de discriminar todas as sentenças. As linhas obliquas indicam o deslocamento médio das respostas. 0 mesmo aconteceu com o paciente com lesões angiomatosas na área de Brocca.



Fig. 5 - Grafico das respostas do paciente com lesão pareto-temporal bilateral com má discriminação das sentenças sintéticas com mensagem contra competente.



DISCUSSÃO

O teste das sentenças sintéticas com uma mensagem competitiva no lado oposto ao ouvido onde estão sendo escutadas avaliam a capacidade do córtex parieto-témporo-ocipital, mais especificamente o giro de Helsch e permitem também em casos de disartrias ou afasias expressivas localizar a lesão por exclusão na área de Brocca na base do lobo frontal onde se realizam as integrações motoras que ajustam os sistemas coordenadores da emissão da voz e da articulação da fala. E necessário que o paciente tenha visão normal e que saiba ler pois as mensagens ouvidas devem ser acompanhadas em um painel a sua frente onde estão assinaladas.

Nas lesões unilaterais do lobo temporal a deficiência no entendimento da fala é detectada no ouvido contralateral. Este fato inicialmente descrito por Bocca (1) foi confirmado por Jerger (5) (6) e seus colaboradores em pesquisas sucessivas desde 1964.

Em indivíduos normais, as curvas em língua portuguesa se superpoem às curvas em inglês. Permitindo portanto uma avaliação adequada de toda a problemática da compreensão associada ao córtex cerebral contralateral.

Jerger (9) ainda opinava que nas lesões do lobo temporal podem aparecer diferenças no teste ipsilateral, mas não tão apreciáveis como nas lesões do tronco cerebral.

A mensagem competitiva contralateral é especialmente sensível para as alterações do lobo temporal. Pacientes com alterações do tronco cerebral tem poucas dificuldades com o teste das sentenças.

Numa lesão do lobo temporal esquerdo, por exemplo, surgirá uma resposta normal quando a mensagem é passada pelo lado esquerdo, mas aparecerá grande deficiência quando as sentenças são enviadas pelo lado direito.

Podemos desta forma raciocinar audiologicamente em lesões centrais com certa segurança, o que abre uma nova perspectiva para a audiologia, ocupando agora toda a via auditiva sem interrupção.

O material em língua portuguesa que utilizamos mostrou-se viável e de fácil compreensão. As grandes dificuldades estão ainda na aparelhagem, mas cremos que brevemente a indústria colocará no mercado um sistema compacto para tais testes.

Os dois casos apresentados mostram que o teste confirma as lesões detectadas pela tomografia computorizada e permite uma orientação excelente para recuperação foniátrica destes pacientes, além de permitir um prognóstico razoável sobre a lesão, pois a tomografia somente mostra-o, mas o teste faz sua avaliação funcional.

SUMMARY

Syntetic sentences information test contra competing message

We present the syntetic sentences information test and its handing technics with the patients in portuguese language.

It was applied to normal people in its form of contra competing message.

The results in portuguese as well in english were the some. We studied two patiens, one with a lesion in Brocca's area of frontal Iobe and the other with a lesion in the temporal-occipital Iobe (gyrus of Helsch). The test shows a good evaluation of tesse lesions through the sentences heard in contralateral ear.

BIBLIOGRAFIA

1. Bocca, E, Binaural Hearing: another approach. Laryngoscope 65:1164,1955.

2. Boca, E., Calearo, C., Cassinari, V. e Migliavacca, F. - Testing -cortical" hearing in temporal lobe tumors, Acta Otolaryng. 45: 289, 1955.

3. Bocca, E., Clinical aspects of cortical deafness. Laryngoscope 68: 301, 1958

4. Bocca E, e Calearo, C., Central Hearing Processes in J. Jerger ed: Modern Developments in Audiology, chapter 9: 337 - 370, 1963.

5. Jerger, J., - Auditory test for disorders of the central auditory mechanism in: Neurological Aspects of Auditory and vestibular disorders, chapter V: 77 - 93, 1964. Charles Thomas Editor.

6. Speaks, C., Jerger, J., Jerger, S.,

7. Jerger, J., Jerger, S., - Psychoacoustic t~omparison of cochlear and VII

8. Speaks, C. Jerger, J., Trammel, J., - Comparison of sentences identification and conventional speech discrimination scores. Journal of Speech and Hearing Research 13: 755 - 767, 1970.

9. Jerger, J., Speaks, C. e Trammel, J. - A new approch to speech audiometry, in Hearing measurement. Chapter 31: 287 - 295, 1971.

10. Jerger, J. - Diagnostic Audiometry in: J. Jerger, Modern. Developments in Audiology - 2° edition - chapter 3: 75 - 115, 1973.




* Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

** Chefe do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da UFRGS e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do HCPA.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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