INTRODUÇÃOO granuloma posterior da laringe ocorre geralmente na região correspondente ao processo vocal da aritenóide, sendo relacionado a três fatores predisponentes: o abuso vocal, a doença do refluxo gastroesofágico (Gerd) e a intubação orotraquea7-9, 12, 15, 16, 20. Na falta de evidência de algum desses fatores, consideramo-lo como de causa idiopática16. É um processo inflamatório inespecífico formado por tecido de granulação18, com forte predomínio no sexo masculino, exceto os casos pós-intubação16. Desde as primeiras descrições na literatura, o papel do abuso vocal na sua gênese tem sido evocado9; no entanto, o tratamento indicado era a cirurgia, com resultados frustrantes, pois a recidiva com este método é freqüente, exceto quando pós-intubação2, 10, 16. A identificação dos fatores desencadeantes com o conseqüente tratamento direcionado mostra resultados animadores6, 7, 16; no entanto, a regressão nem sempre ocorre, principalmente nos idiopáticos, mesmo associando a fonoterapia ao tratamento para Gerd16. Recentemente a injeção de toxina botulínica (Botox) na prega vocal tem sido utilizada com bons resultados14, 16, como recurso alternativo, quando os tratamentos instituídos são ineficazes. A toxina botulínica é uma neurotoxina produzida pela bactéria anaeróbia gram negativa Clostridium botulinum, que atua seletivamente nos terminais nervosos colinérgicos, bloqueando a liberação do mediador químico acetilcolina3, 11, 19, 21. O bloqueio da liberação do mediador na junção neuromuscular provoca uma desnervação muscular funcional, isto é, uma paresia ou paralisia do músculo. Esta dernervação química provocada pela neurotoxina estimula o crescimento de brotamentos axonais laterais e o efeito de Botox permanece até que um destes brotamentos estabeleça uma nova junção neuromuscular, o que ocorre por volta de três meses1.
O objetivo de nosso trabalho é o relato de um caso de granuloma posterior da laringe e de seu seguimento mostrando a regressão após a injeção de Botox no músculo tireoaritenóideo.
MATERIAL E MÉTODOPaciente com 53 anos de idade, com queixa de dor na garganta há seis meses, à telelaringoscopia, apresentava granuloma na região correspondente ao processo vocal da aritenóide esquerda (Figura 1a) e medialização da prega vestibular direita à fonação (Figura 1b). Por apresentar sintomas sugestivos de Gerd, foi medicado com Omeprazol, 40 mg/dia, e Cisaprida, 20 mg/dia, tendo sido, concomitantemente, encaminhado a fonoterapia, para redução da tensão à fonação. Após 40 dias de tratamento, como não houvesse regressão do granuloma, foi indicada a injeção de Botox. Foram injetadas 5 UI de toxina botulínica por via transcutânea e transluminar no músculo tireoaritenóideo esquerdo, após anestesia tópica da laringe com solução de neotutocaína a 2%, e sob visão fibroscópica. O seguimento foi realizado por mero da telelaringoscopia - um dia, sete dias, trinta dias, e um ano após a injeção.
Figura 1a e 1b. Telelaringoscopia antes da injeção de Botox® a: respiração, b: fonação.
RESULTADOAs Figuras de 1a a 5 mostram imagens da laringe do paciente antes da injeção de Botox - sete dias, trinta dias em um ano após a realização deste procedimento.
DISCUSSÃONos casos de granuloma pós-intubação, o trauma da mucosa da região aritenóidea pode dar início à lesão, cuja reparação provoca o aparecimento do granuloma. A mucosa da região aritenóidea,é mais fina na mulher20, o que poderia explicar a maior incidência deste tipo de granuloma no sexo feminino. Esse fato, porém, não explica a gênese dos granulomas relacionados aos demais fatores desencadeantes, uma vez que nos casos não relacionados à intubação ocorre incidência quase absoluta no sexo masculino7, 8, 12, 16. Para explicar este fato, podemos evocar a configuração laríngea da mulher, que não é semelhante à do homem; a relação entre as porções intermembranácea e intercartilagínea (proporção glótica - PG) da prega vocal no homem é maior que a da mulher, o que torna a laringe feminina mais suscetível a traumas por intubação orotraqueal na região posterior17. Como nos casos pós-intubação o fator causal do granuloma não se perpetua, geralmente observa-se sua regressão espontânea, ou por meio de fonoterapia agressiva ou ainda resolução após remoção cirúrgica, em geral realizada nos mais volumosos ou nós casos bilaterais16.
Figura 2a e 2b. Telelaringoscopia 7 dias após a injeção de Botox® - a: respiração, b: fonação.
Figura 3a e 3b. Telelaringoscopia 30 dias após a injeção de Botox® - a: respiração, b: fonação.
Por outro lado, a mesma configuração da laringe no sexo feminino, em que a presença de fenda triangular posterior ou médio posterior é freqüente, em função da mesma PG, torna a região aritenóidea mais protegida, com menor impacto durante a adução das pregas vocais. Ao contrário, o predomínio de ausência de fenda posterior em laringes no sexo masculino relacionado à maior PG torna a região aritenóidea susceptível de receber o impacto inicial das forças adutoras na fonação (Figura 4). A Figura 4 mostra a aproximação que se inicia pelos processos vocais durante a adução das pregas vocais, em laringes com padrão masculino.
Figura 4. Telelaringoscopia mostrando em seqüência a adução para o início de fonação laríngea padrão masculino - impacto na região aritenóidea.
Nos granulomas não relacionados à intubação orotraqueal pode se encontrar como fator desencadeante o abuso vocal9, 16, responsável pelo trauma na região aritenóidea durante a adução das pregas vocais para a fonação. A Gerd, isoladamente, pode causar irritação química na região posterior da laringe ou mesmo provocar traumas não fonatórios, como a tosse e o hábito de pigarreara. Estes sintomas podem estar relacionados à irritação local provocada pelo refluxo, como também serem conseqüentes ao reflexo vagal ou o resultado dos dois processos atuando conjuntamente15. A agressão pela Gerd pode ainda estar associada à do abuso vocal. O tratamento direcionado a estes fatores nem sempre obtém a regressão do granuloma e mesmo com a cirurgia as recidivas são freqüentes16.
Nosso paciente apresentava sintomas de refluxo e sinais de abuso vocal, com medialização da prega vestibular à direita, evidentes à telelaringoscopia (Figura 1b). Dessa forma, o tratamento foi instituído tanto para a Gerd como para o abuso vocal, durante 40 dias, sem modificação do tamanho do granuloma (Figura 1a e 1b).
A toxina botulínica tem sido utilizada mais freqüentemente para a melhora da voz na distonia focal laríngea de adução (disfonia espasmódica) 4, 5, 13. A denervação química que resulta na paresia predominantemente dos músculos tireoaritenóideos e talvez do cricoaritenóideo lateral14 não provoca alterações consideráveis. Seu uso nos granulomas está relacionado à diminuição da força adutora, não apenas durante a fonação mas também na deglutição, tosse e hábito de pigarrear. O seguimento do paciente após a injeção de Botox mostrou pouca alteração da mobilidade da laringe no dia posterior à injeção. Contudo, sete dias após, a telelaringoscopia evidenciou paresia de prega vocal esquerda e diminuição significativa do granuloma. Como efeito adverso, a voz se apresentava soprosa e com rebaixamento da intensidade, pois permanecia fenda (Figuras 2a e 2b) durante a fonação. Trinta dias após a,injeção o granuloma já havia desaparecido, e observava-se melhora significativa da soprosidade vocal (Figuras 3a e 3b). A evolução descrita indica que a supressão ou diminuição do trauma na região aritenóidea foi suficiente para que o organismo se recuperasse. O desaparecimento de evidências do efeito do Botox na prega vocal ocorreu ao redor do terceiro mês após o seu emprego. O seguimento após um ano mostrou ainda comportamento hipercinético e permanência do início do contato à adução nos processos vocais das aritenóides (Figura 4); no entanto, não havia qualquer evidência dá formação de novo granuloma (Figuras 4 e 5), demonstrando a eficiência do tratamento mesmo a longo prazo.
Figura 5. Telelaringoscopia lano após injeção de Botox®.
Exceto .pelo fato de ter permanecido por aproximadamente trinta dias com voz soprosa, o que não impediu sua comunicação e seu desempenho profissional como chefe de pessoal, neste paciente o uso do Botox mostrou grande eficácia em pouco tempo, sem prejuízos profissionais e sem grandes dispêndios com tratamento cirúrgico.
CONCLUSÃOConsideramos a injeção de Botox na laringe um grande avanço no tratamento do granuloma, sendo um procedimento seguro e eficaz e que pode ser utilizado nos casos que não respondem ao tratamento clínico.
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* Professor Assistente Doutor do Departamento de Fundamentos Biológicos da Faculdade de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC - Especialista em Otorrinolaringologia.
** Assistente Mestre da UNESP-IA. Fonoaudióloga, Especialista em Voz.
*** Professor Titular de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Diretor do INLAR - Instituto da Laringe - SP.
**** Acadêmica de Medicina da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Endereço para correspondência: Paulo Pontes - Rua Dr. Diogo de Faria 171 - Vila Clementino - 04037-000 São Paulo/ SP
Telefone: (0xx11) 5549-2188 - Fax: (0xx11) 5575-9649.
Artigo recebido em 26 de setembro de 2000. Artigo aceito em 30 de maio de 2001.