INTRODUÇÃO
As tonsilites são quadros infecciosos de ocorrência freqüente na população mundial, maior nas crianças que nos adultos. É um quadro altamente doloroso, causando intenso mal-estar, com acentuada perda da qualidade de vida. O diagnóstico e o tratamento são procedimentos de fácil realização. O agente etiológico mais comum é o Streptococcus hemolítico do grupo A. Situações em que o tratamento é inadequado podem evoluir para uma complicação, não muito infreqüente, que é o abscesso peritonsilar. O quadro clínico mais comum é: odinofagia, febre, mal-estar geral, halitose, quadro de toxemia, gânglios cervicais dolorosos, irradiação da dor ao ouvido, salivação por incapacidade de deglutir, usualmente inclinação da cabeça para o lado comprometido e trismo. A faringoscopia, encontramos: palato mole abaulado e úvula deslocada para o lado oposto.
O abscesso peritonsilar é uma coleção de secreção purulenta localizada no palato mole, na região supratonsilar, no tecido frouxo entre a tonsila e a parede muscular, constituída após uma tonsilite aguda, cujo agente etiológico é o Streptococcus hemolítico do grupo A.
Após uma crise de tonsilite aguda em que a dose de antibiótico foi insuficiente ou sua administração deu-se por um período menor que o necessário, o paciente começa a queixar-se que a dor, uma disfagia unilateral, aumentou acentuadamente, com irradiação para o ouvido, salivação por incapacidade de deglutir, gânglios cervicais, facies de sofrimento, língua saburrosa e usualmente inclinação da cabeça para o lado afetado. Ao exame, observamos o paciente com um quadro de toxemia, assimetria do palato mole, abaulamento do lado comprometido e a úvula deslocada para o lado oposto. O trismo, (devido à proximidade do músculo pterigoideo) é encontrado em todos os pacientes.
O tratamento dos abscessos peritonsilares é polêmico e apresenta divergências. A literatura mundial tem mostrado a eficácia das variadas abordagens terapêuticas, como: tratamento clínico3, punção aspirativa associada à antibioticoterapia, drenagem cirúrgica associada à antibioticoterapia e tonsilectomial, na fase aguda associada à antibioticoterapia.
O presente trabalho faz um estudo retrospectivo de 23 pacientes com quadro clínico de abscesso peritonsilar, diagnosticado clinicamente e submetido ao tratamento clínico hospitalar e ambulatorial, com sucesso terapêutico de 86,96%.
Fisiopatologia do abscesso peritonsilar
Abscesso é uma coleção de secreção purulenta confinada em um tecido, órgão ou espaço. Os sítios mais comuns de abscesso são a derme, pulmão, cérebro, fígado, rim - ou em cisto.
Os abscessos geralmente são causados por processos irritativos, que permanecem localizados, para depois se espalharem difusamente.
Com o foco infeccioso estabelecido, ocorre um aporte de neutrófilos (leucócitos), que fagocitam e digerem o tecido necrosado e lesado, convertendo-o em secreção mucopurulenta.
Um abscesso consiste, então, de uma coleção mucopurulenta, circundada por tecido inflamatório com intenso aporte de neutrófilos.
Enquanto o fator irritante permanece, mais aporte de leucócitos ocorre, mais tecido liqüefeito e mais secreção purulenta são formados.
A proteólise resulta em formação de grandes moléculas, aumentando a osmolaridade do líquido, extraindo mais líquido dos tecidos vizinhos. Eventualmente, a coleção purulenta alcança a superfície, ocorrendo a drenagem. A formação do pus envolve destruição definitiva do tecido, que pode ser restaurado pela cicatrização normal.
Algumas vezes, o elemento irritativo (bactéria) desaparece, por ação da defesa, antes do material purulento alcançar a superfície. Nessas circunstâncias, o mesmo pode ser reabsorvido ou permanecer como uma coleção líquida estéril (cisto) ou se desidratar e ficar circunscrito por um tecido fibroso capsular.
Um grupo de glândulas salivares localizado no espaço supratonsilar, glândulas salivares menores de Weber, tem sido implicado na patogênese do abscesso peritonsilar. Nos pacientes tonsilectomizados pós-abscesso, encontramos processos inflamatórios ou fibróticos, atingindo as glândulas salivares menores de glândulas de Weber, suspeitando-se com isso que o abscesso peritonsilar seja um processo infeccioso dessas glândulas. Não é necessário que o processo exsudativo se estenda até essas glândulas, mas sim que haja formação de abscesso nessas glândulas6.
A infecção do ducto de His, que se localiza entre o músculo constritor faringe superior e a tonsila, tem sido responsabilizado como possível fator etiológico do abscesso peritonsilar, e a sua não ressecção por ocasião da tonsilectomia é tido como causa de sua recidiva5.
MATERIAL E MÉTODO
Realizou-se análise retrospectiva dos dados contidos no sistema médico computadorizado da Clínica privada Instituto de Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia NAKAO, na cidade,, de Campo Grande /MS, e dos pacientes do Hospital Universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no período de 1996 a 1999, totalizando 23 indivíduos.
O diagnóstico de abscesso peritonsilar foi basicamente clínico: trismo, febre, quadro de toxemia, gânglios cervicais dolorosos, halitose, incapacidade para deglutir, quadro clínico superior a cinco dias de evolução, abaulamento do palato mole, com desvio da úvula para o lado contralateral.
A prescrição médica instituída ao paciente em regime de internação hospitalar constou de:
Soro glicosado 5% 500 ml + dexametasona 10 mg + rifamicina 500 mg + dipirona 2 ml, infundidos rapidamente (aproximadamente uma hora).
A seguir, infundia-se a mesma medicação a uma velocidade de 14 gotas/minuto.
A alta hospitalar acontecia quando o abaulamento e o desvio da úvula desapareciam, assim como o trismo. Os pacientes ficaram internados durante aproximadamente três dias.
Aos pacientes que optavam por tratamento ambulatorial, infundia-se em aproximadamente uma hora: soro glicosado 5% 500 ml + dexametasona 10 mg + dipirona 2m1 + rifamicina 500 mg a cada 12 horas.
Aproximadamente, oito horas após a medicação a dor retomava nos pacientes em tratamento sob regime ambulatorial, ao contrário do que ocorria em relação aos que permaneciam internados e sob soroterapia contínua.
Os pacientes que não preenchiam os requisitos do protocolo estabelecidos (o relato simples de abscesso peritonsilar sem descrição de abaulamento de palato, desvio da úvula e trismo) foram rejeitados.
RESULTADO
Dos 23 pacientes, 11 eram do sexo feminino; e 12, do masculino, em faixa etária compreendida entre sete e 45 anos, idade média 24,7 anos. A maior incidência ocorreu na faixa etária abrangida entre 11 e 30 anos (16 pacientes, 69,57%)
Todos os pacientes apresentaram acentuada regressão da dor após a infusão do primeiro soro.
Os pacientes que optaram pelo tratamento ambulatorial referiam que o quadro de disfagia retornava após 6 a 8 horas do término do soro. Depois de 12 horas da administração do primeiro soro, era administrado o segundo.
O facies de sofrimento desaparecia nas primeiras duas horas de tratamento.
Os pacientes que optavam pela hospitalização permaneciam com infusão venosa de antibiótico associado ao dexametasona e dipirona e não apresentavam o retorno da dor.
Sete pacientes permaneceram entre 48 a 72 horas internados.
Foram prescritos amoxicilina 500 mg de oito em oito horas, associado a prednisona 5 mg também de oito em oito horas por sete dias.
Dois (8,69%) pacientes apresentaram recidiva e foram tonsilectomizados fora da crise. Três (13,04%) pacientes apresentaram, durante o período de internação, drenagem espontânea do abscesso.
DISCUSSÃO
A documentação adequada dos pacientes é de importância fundamental para os estudos retrospectivos, assim como para uma avaliação médico legal. A não descrição adequada do quadro clínico pode inviabilizar posterior análise. A documentação incompleta dos prontuários, não relatando sinais e sintomas fundamentais, não nos permite confirmar o diagnóstico previamente realizado. Este é um equívoco que tem ocorrido, tanto nas clínicas particulares quanto nos prontuários das universidades.
O tratamento dos abscessos, qualquer que seja sua localização, é preferencialmente cirúrgico. Já os abscessos peritonsilares são abordados de modos variados, desde tratamento exclusivamente clínico4, assim como a drenagem associada ao tratamento clínico2 (em regime ambulatorial ou hospitalar7) ou aspiração do abscesso associado a tratamento clínico. Sexton e Babin (1987) demonstraram que não havia diferença entre o regime hospitalar e o ambulatorial quando se fazia a opção pela drenagem e antibioticoterapia venosa.
A dor referida pelos pacientes portadores de abscesso peritonsilar é intensa, impedindo-os de realizar suas atividades habituais. O facies de dor está invariavelmente presente. É de extremo valor para a qualidade de vida do paciente a diminuição imediata da dor, qualquer que seja a estratégia terapêutica adotada.
A decisão de optar por tratamento clínico no presente relato deu-se em função de o mesmo ser eficaz e rápido na resolução da dor e do quadro infeccioso. É uma terapêutica que apresenta alta adesão, baixa morbidade, pequeno percentual de recidiva, não invasivo, não demandando anestesia geral ou local, tendo a possibilidade de serem caráter ambulatorial ou em regime de internação hospitalar. Foram tratados 23 pacientes com quadro clínico de abscesso peritonsilar no período de 1996 a 2000. O tratamento consistiu de infusão venosa de antibiótico, analgésico e corticosteróide como antiinflamatório. Os pacientes que faziam uso do medicamento de 12 em 12 horas referiam recorrência da dor a partir da oitava hora pós-soroterapia. Já os que permaneciam sob infusão contínua de fármacos e internados, não apresentavam a recrudescência da dor. Cem por cento dos pacientes referiram acentuada melhora da dor nas primeiras duas horas de terapia venosa, 9 que se constituiu no ponto mais importante para a continuidade do protocolo terapêutico utilizado nesses últimos anos. Em ambas as modalidades, ambulatorial ou internação hospitalar, o abaulamento do palato mole, o desvio da úvula e o trismo tiveram sua regressão entre 48 e 72 horas. A drenagem espontânea ocorreu em três pacientes (13,04%) que estavam em tratamento sob regime de internação hospitalar. Nesses três pacientes o quadro de odinofagia, facies de sofrimento, febre e o trismo já não esta vam presentes quando ocorreu a drenagem espontânea. Considerou-se, para fins estatísticos, que esses pacientes tiveram sua resolução clínica em função da drenagem, o que levou à classificação de insucesso terapêutico. A drenagem cirúrgica não foi aventada, pelo fato de todos os pacientes submetidos ao tratamento preconizado referirem que a dor havia regredido consideravelmente, a ponto de permitir nas duas primeiras horas a ingestão de alimento líquido e pastoso.
A recidiva ocorreu em dois pacientes (8,69%), os quais foram submetidos à tonsilectomia. Os pacientes que foram tonsilectomizados não foram os mesmos que apresentaram drenagem espontânea.
CONCLUSÃO
O tratamento clínico medicamentoso por infusão venosa de antibiótico, analgésico e antiinflamatório hormonal foi eficaz no tratamento do abscesso peritonsilar em 86,96% dos casos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. CANNON, C. R. & CHAMBERS, A. - Peritonsilar abscess in children. J. Miss State Med Associ, 40 (3): 78-80, 1999. 2. EPPERLY, T. D. & WOOD, T. C. - New trends in the management of peritonsillar abscess. Am. Fam. Physician. 42 (1): 102-12, 1990. 3. HARA, K.; BABA, S.; MATSUMOTO, F.; OOISHI, M.; KAWAADA, Y.; ARATA, J.; SHINAGAWA, N.; SASSAKI, J. HAYASHI, K.; SUGMARA, T.; MATUSDA, S. - Clinical evaluation of biapenem in various infectious diseases, Jpn. J. Antibiotic, 52 (11): 629-60, 1999. 4. HARRIS, W. E - Is a single quinsy an indication forte tonsillectomy?, Clin. Otolaryngol. 16 (3):271-3, 1991. 5. IEMMO, M.; MAURER, J.; RIECHELMANN, H. - HNO, 140 (3): 94-6,1992. 6. PASSY, V. - Pathogenesis of peritonsillar abscess, Laryngoscope, 104: 185-90, 1994. 7. SEXTON, D. G. & BABIN, R. W. - Peritonsillar abscess: a comparison of a conservative and a more aggressive management protocol. Int. J. Pediatr. Otorhinolaryngol., 14 (2): 129-32, 1987.
* Professor Adjunto Mestre, Responsável pela Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. ** Acadêmico de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do sul. *** Professor Doutor da Disciplina de Estatística da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
Endereço para correspondência: Milton Nakao - Rua Marechal Cândido Mariano Rondon, 2372 - 79002-201 - Campo Grande/ MS - Telefone (0xx67) 783-4855/ 721-3166. E-mail: nakao.ms@bol.com.br Artigo recebido em 18 de janeiro de 2001. artigo aceito em 27 de março de 2001.
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