INTRODUÇÃOO uso de enxertos em ririoplastias é um procedimento amplamente utilizado quando necessitamos corrigir estética e funcionalmente o nariz que sofreu perda de substância devido a traumatismo, infecção crônica ou problemas iatrogênicos decorrentes de cirurgias anteriores. Porém, a escolha do tipo de enxerto a ser utilizado ainda causa polêmica, já que é muito comum a reabsorção do material enxertado no período pós-operatório. Há vários tipos de enxertos descritos na literatura, que podem ser subdivididos em autógenos, homógenos, heterógenos e aloplásticos. Os enxertos homógenos são aqueles cujo material a ser utilizado é obtido de cadáveres ou bancos de enxerto (material retirado de outros indivíduos, durante cirurgias funcionais). Entre eles, podemos citar fragmentos de cartilagem ou osso, que, em geral, são irradiados, para evitar qualquer tipo de infecção ou contaminação4, 14, além de diminuir sua capacidade antigênica. Porém, altas taxas de reabsorção com a utilização desses tipos de enxerto são descritas por diversos autores. Os enxertos heterógenos são aqueles obtidos de outra espécie que não a humana. É descrita a utilização de cartilagem bovina processada em glutaraldeído e irradiada3; porém, o problema da reabsorção no pós-operatório permanece. Os materiais aloplásticos como o silicone, mersilene, surgicel11, polietileno, teflon e carbono10, entre outros, também são utilizados em cirurgias nasais. O problema desse tipo de enxerto é a grande chance de extrusão do material, além das reações de corpo estranho, que o paciente possa apresentar, e infecção16. Logo, os enxertos autógenos (retirados do próprio indivíduo) são os mais recomendados para a correção das irregularidades nasais; e, entre eles, podemos citar as cartilagens costal, da concha2, 6, 8 e do septo nasal5, 7, 9, os ossos (calvária, etmóide, vômer, crista ilíaca) e a fascia temporalis1, 6, 8, tecido subcutâneo existente entre as cartilagens laterais superiores e inferiores13, ou gálea. Os três últimos geralmente são empregados quando queremos corrigir pequenas irregularidades do dorso nasal, após a colocação de algum dos outros tipos de enxerto.
O objetivo deste trabalho é mostrar o emprego de outro tipo de material autógeno não descrito anteriormente, de fácil manuseio e obtenção, oriundo da própria fossa nasal, para a correção desses defeitos12.
MATERIAL E MÉTODOForam selecionados 12 ratos wistar, submetidos à biópsia da mucosa nasal com o auxílio de microscópio, sob sedação. Dos fragmentos retirados, foi separada a mucosa da submucosa, com o intuito de remover as glândulas que existem em abundância nesse tecido. A mucosa foi implantada através de uma pequena incisão feita com bisturi convencional, no mesmo ato cirúrgico, sob a pele da cabeça do animal, entre as duas orelhas, por esta ser uma região mais difícil de o mesmo manipular a ferida com suas patas dianteiras ou traseiras. A incisão foi suturada com fio mononylon 4-0 e o local foi marcado com a tinta utilizada para demarcar regiões a serem expostas à radioterapia. Os pontos foram removidos em uma semana. Os ratos foram sacrificados após quatro meses do procedimento inicial, por injeção intracardíaca de anestésico em doses elevadas. A região entre as orelhas dos animais onde foi implantada a mucosa, desde a epiderme até a camada muscular, foi retirada para estudo histopatológico. As amostras removidas foram processadas segundo a normatização utilizada convencionalmente, com fixação em formol tamponado a 10%, inclusão em parafina, microtomia e coloração pelos métodos de hematoxilina-eosina, tricrômico de masson e azul de toluidina.
RESULTADOSDos 12 ratos submetidos ao procedimento cirúrgico, um morreu durante o ato operatório, devido a uma depressão respiratória. Os outros 11 ratos permaneceram bem durante os quatro meses; e, após eles serem sacrificados, foram retiradas amostras da região do implante da mucosa para estudo histopatológico.
A epiderme estava preservada em todos os fragmentos, assim como o tecido conjuntivo subepitelial (derme) e a camada muscular esquelética (Figura 1). Em nenhum dos onze casos estudados foi encontrado qualquer vestígio de mucosa entre a pele e a camada muscular (Figura 2). Nos fragmentos obtidos de seis animais o tecido estava estruturalmente normal. Em um dos 11 casos pudemos observar um infiltrado inflamatório mononucleado focal. Na amostra obtida de um dos animais verificamos a existência de uma crosta fibrino leucocitária, com retração da epiderme e presença de grande quantidade de neutrófilos e bactérias (cocos) na superfície. Em amostras de três animais, encontramos cisto epidermóide de inclusão, com grande quantidade de queratina e alguns pêlos em seu interior (Figura 3).
Não foi encontrado qualquer indício da mucosa implantada, nem reação inflamatória no local, com exceção de um caso.
DISCUSSÃONo trabalho experimental, não encontramos qualquer vestígio da mucosa implantada sob a pele nos 11 casos estudados. O achado dos cistos epidermóides de inclusão pode ser decorrente do ponto de mononylon dado para fechar a incisão, que carregou algumas células da epiderme para-o interior do tecido. A crosta fibrino-leucocitária provavelmente foi decorrente de manipulação na região da incisão pelo animal, com infecção bacteriana secundária.
Figura 1. Pele e músculo esquelético justaposto, sem vestígios da mucosa implantada (HE AOX63).
Figura 2. Detalhe da figura anterior no nível no implante.
Esses resultados nos permitem inferir que a mucosa parece servir de guia para que a cicatrização se processe de forma uniforme, com restitutio ad integrum, evitando que a epiderme sofra retração nas regiões onde o dorso nasal apresenta pequenas irregularidades. A mucosa provavelmente foi reabsorvida pelo organismo, não deixando resquícios. Como nas rinoplastias não temos por hábito suturar o dorso do nariz do paciente, evitamos as complicações que ocorreram nesse experimento, como a infecção secundária e os cistos epidermóides de inclusão.
Existem relatos do uso da concha média para a correção de fístula liquórica15; porém, não há descrição na literatura do emprego deste tipo de enxerto em rinoplastias. Já a utilização do osso conchal, acreditamos que ele seja de extrema valia, pois a concha nasal está no mesmo campo operatório e é de fácil manipulação, evitando assim um outro tempo cirúrgico para a obtenção de alguma outra estrutura que possa. ser utilizada para a correção do dorso nasal.
Foram realizadas várias cirurgias no Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo utilizando essa técnica, com bons resultados estéticos, e foi isso que nos motivou a realizar o trabalho experimental, para conhecer melhor o comportamento da mucosa, sob a pele. Relatamos alguns casos onde foi utilizada apenas a mucosa, e outros onde o emprego da mucosa foi associado ao do osso conchal, para ilustrar o presente trabalho. O intuito da realização do trabalho experimental e da apresentação destes casos foi atribuir um novo uso para a concha nasal inferior, facilitando o procedimento cirúrgico, já que a conchotomia parcial inferior é um procedimento freqüentemente realizado durante as rinosseptoplastias. Os resultados pós-operatórios dos pacientes foram extremamente favoráveis, e eles estão satisfeitos com o resultado estético das cirurgias. Três dos quatro pacientes operados já estão em seguimento por mais de dois, anos, com período máximo de três anos e cinco meses.
Figura 3. Cisto epidermóide de inclusão na hipoderme (HE AOX25).
APRESENTAÇÃO DE CASOS CLÍNICOS1) F. C., do sexo masculino, com 22 anos de idade, admissão no Serviço em 19/5/97.
Obstrução nasal constante, piorem fossa nasal esquerda, e nariz torto para a direita após acidente automobilístico ocorrido dois meses antes da admissão. Ao exame otorrinolaringológico apresentava laterorrinia, afundamento do osso próprio nasal esquerdo e desvio septal em quilha ocluindo a fossa nasal esquerda. O paciente foi submetido à rinosseptoplastia em agosto de 1997, com retificação do septo, conchotomia parcial inferior, realização das osteotomias medianas e paramedianas, para centralizar a pirâmide nasal, e colocação de múltiplos fragmentos de cartilagem retirados do septo nasal, para corrigir o afundamento do osso próprio. O dorso nasal ficou extremamente irregular à palpação e, para reparar o defeito, os autores utilizaram-se da mucosa da concha inferior. O paciente ficou extremamente satisfeito com o resultado estético e funcional pós-operatório12 (Figuras 4A, 413, 4C, 4D, 4E, 4F).
Figuras 4A, 4B, 4c. Pré-operatório.
Figuras 4D, 4E, 4F. Pós-operatório
2) 1. D. C., do sexo feminino, com 22 anos de idade, admissão no Serviço em 27/7/95.
Dor no nariz e na cabeça, obstrução nasal, febre e lesão em palato duro há cinco anos da admissão no Serviço. Internada por 19 dias em outro hospital para tratamento clínico com antibióticos, evoluiu com afundamento do dorso nasal e, no momento da entrada no Serviço queixava-se apenas da aparência do nariz, não apresentando mais obstrução nasal. O exame otorrinolaringológico evidenciou dorso nasal ósseo rebaixado. O septo estava centrado e os cornetos eram descorados e hipertrofiados. Não havia seqüela em palato. Feitas sorologias para sífilis e leishmaniose, que se mostraram negativas. A paciente foi submetida em agosto de 1996 à rinoplastia, com colocação de enxerto de concha auricular direita porém, não ficou satisfeita com o resultado, pois o dorso nasal permanecia rebaixado. Foi reoperada em novembro de 1997, com colocação de concha auricular esquerda através das incisões transfixante do septo e intercartilaginosa. Como o dorso permanecesse rebaixado, optou-se por realização de conchotomia inferior e utilização do osso conchal e da mucosa da concha nasal, os quais foram cuidadosamente dissecados como enxertos. O osso foi colocado sobre a cartilagem da concha auricular e a mucosa foi posicionada acima dos dois enxertos, para correção das irregularidades. A paciente ficou bastante satisfeita com o resultado estético (Figuras 5A, 5B, 5C, 5D, 5E, 5F).
Figuras 5A, 5B, 5c. Pré-operatório.
Figuras 5D, 5E, 5F. Pós-operatório.
3) M. M. B. C. S., com 34 anos de idade, natural do Ceará, admissão no Serviço em 3/1/96.
Obstrução nasal desde a infância. Mãe refere que o nariz da paciente afundou quando tinha três meses de idade. Desde então, queixa-se de obstrução nasal bilateral, pior a esquerda, com rinorréia e saída de crostas. Fazia uso crônico de vasoconstrictores tópicos nasais. Ao exame, apresentava rebaixamento do dorso nasal, desvio septal leve para a esquerda, em quilha, a partir da zona I e concha nasal direita hipertrofiada. A fossa nasal esquerda era ampla. As sorologias para sífilis e leishmaniose foram negativas. Em dezembro de 1996 foi realizada rinoplastia, com colocação de enxerto das duas conchas auriculares, preservando o pericôndrio. A paciente evoluiu, no 10° dia pós-operatório, com saída de secreção purulenta através da incisão intercar tilaginosa direita. Foi introduzido antibiótico (cefalosporina de terceira geração); porém, no 23°- pós-operatório, apareceu um abaulamento de aproximadamente 1 cm na parede lateral direita do nariz, próximo ao ligamento cantal. Realizada drenagem com saída de secreção serosangüinolenta e mantido antibiótico. Após 15 dias os sinais de infecção regrediram; porém, após algum tempo, houve reabsorção do enxerto. Em dezembro de 1998, a paciente foi reoperada e optou-se pior realização de conchotomia inferior direita e colocação do osso conchal sobre o dorso nasal, revestido pela mucosa da concha nasal cuidadosamente dissecada. A paciente melhorou das queixas estéticas; porém, permanece com crostas em fossas nasais (Figuras 6A, 6B, 6C, 6D, 6E, 6F).
Figuras 6A, 6B, 6C. Pré-operatório.
Figuras 6D, 6E, 6F. Pós-operatório.
4) M. F. C. M., com 21 anos de idade, admissão no Serviço em 30/9/99.
Obstrução nasal desde criança, constante, pior à esquerda, e nariz torto. Referia duas Cirurgias anteriores, a primeira há dois anos; porém, permanecia com as queixas de nariz torto e entupido. Ao exame, apresentava desvio da pirâmide cartilaginosa para a esquerda, desvio septal para a esquerda (zonas I e II) e conchas nasais inferiores moderadamente hipertrofiadas. Foi realizada rinosseptoplastia em dezembro de 1999, com descolamento do dorso, septoplastia, osteotomias medianas e paramedianas, conchotomia inferior bilateral, colocação de enxerto de fragmento de cartilagem do septo nasal e mucosa da concha nasal cuidadosamente dissecada sobre o dorso, para corrigir algumas irregularidades. O resultado pós-operatório até o momento é satisfatório.
5) V. T., com 16 anos de idade. Admissão e cirurgia em 1998.
Trauma nasal há cinco anos da admissão, com afundamento do dorso nasal e desvio de septo anterior para a esquerda, às custas de fratura da cartilagem quadrangular do septo. Realizada rinosseptoplastia, com utilização de enxerto de osso conchal e mucosa da concha inferior, com bom resultado estético até o momento.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. BAKER, T. M. & COURTISS, E. H. - Temporalis fascia grafts in open secondary rhinoplasty. Plast. Reconstr. Surg., 93: 80210, 1994.
23 CONLEY, J. - Intranasal composite grafts for dorsal support. Arch. Otolaryngol., 111: 241-5, 1985.
3. DE CAROLIS, V. A. - A newly designed minigraft to achieve angularity and projection of the nasal tip: the asymetrical bipiramidal graft. Ann. Plast. Surg., 30: 122-30, 1993.
4. DINGMAN, R. O. & GRABB, W. C. - Costal cartilage homografts preserved by irradiation. Plast. Reconstr. Surg., 50: 516-7, 1972.
5. FONTANA, A.; MUTI, E.; CICERALE, D.; RIZZOTTI, M. Cartilage chips synthesized with fibrin glue in rhinoplasty. Aesth. Plast. Surg., 15: 237-40, 1991.
6. GUERREROSANTOS, J. - Nose and paranasal augmentation: autogenous, fascia, and cartilage. Clin. Plast. Suyg., 18: 65-86, 1991.
7. GUNTER, J. P. & ROHRICH, R. J. - Augmentation rhinoplasty: dorsal onlay grafting using shaped autogenous septal cartilage. Plast. Recontr. Surg., 86: 39-45, 1990.
8. MAHÉ, E.; HARFAOUI-CHANAOUI, T.; FARGES, D.; BARRAULT, S.; ZOJAJI, A. - Le greffon cartilagineux conchal "delta" dans les rhinoplasties secondaires ou post traumatiques. Ann. Chir. Plast. Fsthét., 36- 209-14, 1991.
9. McKINNEY, P. - Na aesthetic dorsum. The CATS grafts. Clin. Plast. Surg., 23: 233-44, 1996.
10. PATROCÍNIO, J. A. - O uso do implante de carbono na correção cirúrgica do nariz em sela. São Paulo, 1985: (Tese Mestrado - Escola Paulista de Medicina).
11. PEYNÈGRE, R.; BOSSARD, B.; GILAIN, L.; DELACOUR, I.; LACCOURREYE, O.; COSTE, A.; CHABARDES, E. - Le greffon de poudre d'os amalgamé et armé dans la correction de l'arête nasale. Ann. Oto-laryngol., 107: 71-5, 1990.
12. PEREIRA, C. S. B.; DOLCI, J. E. L.; DESTAILLEUR, D. E. L. Uso de enxerto autógeno de mucosa de concha nasal para a correção de irregularidades do dorso nasal em rinoplastias. Apresentação de um caso. Anais do 34° Congresso Brasileiro =de Otorrinolaringologia (Porto Alegre), pg. 209, 1998.
13. ROMO III, T. & SHAPIRO, A. L. - Aesthetic reconstruction of the platyrrhine nose. Arch. Otolarymgol. Head Neck Suig., 118: 837-41, 1992.
14. SCHULLER, D. E.; BARDACH, J.; KRAUSE, C. J. - Irradiated homologous costal cartilage for facial contour restoration. Arch.Otolaryngol. Head Neck Surg., 103: 12-5, 1977.
15. WAX, M. K.; RAMADAN, H. H.; ORTIZ, O.; WETMORE, S. J. - Contemporary management of cerebrospinal fluid rhinorrhea. Otolaryngol. Head Neck Surg.,116- 442-9,1997.
16. WOLFE, S. A. - Autogenous bone grafts versus alloplastic material in maxillofacial surgery. Clin. Plast. Surg., 9: 539-40, 1982.
* Pós-Graduanda (Doutorado) em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
** Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
*** Pós-Graduando (Mestrado) em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
**** Professora Doutora Chefe do Departamento de Anatomia Patológica da Santa Casa de São Paulo.
O primeiro caso relatado foi apresentado no 34° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia (ver referência 12).
Endereço para correspondência: Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo - Rua Cesário Mota Júnior, 112 - Pavilhão Conde de Lara - 4° Andar - Telefone: (0xx11) 3226-7235 - Fax (0xx11) 222-8405.
Artigo recebido em 13 de fevereiro de 2001. Artigo aceito em 27 de abril de 2001.