INTRODUÇÃOOs pólipos coanais (PC) são tumores benignos mucosos que, por definição, fazem protrusão pela coaria. São relativamente raros e representam 3-6 % dos pólipos nasais2. Esses pólipos são classificados segundo a origem de seu pedículo em: antrocoanais (origem no seio maxilar), etmoidocoanais e esfenocoanais. O pólipo esfenocoanal (PEC) constitui o mais raro dos pólipos coanais4.
Os PC foram descritos pela primeira vez em 1763, por Palfyn2; entretanto, foi em 1906 que Killian5 fez uma descrição mais detalhada sobre o tema. Kubo6 (1909) e Van Alyea13 (1956) confirmaram a origem intrasinusal dos PC; contudo, o primeiro relato sobre PEC é atribuído a Zuckerlandl1, 4, 14.
Os autores relatam seis casos de pólipos esfenocoanais atendidos no período de maio de 1996 a agosto de 2000, discutindo a sua origem, quadro clínico, avaliação diagnóstica e abordagem cirúrgica.
APRESENTAÇÃO DE CASOS CLINICOSA descrição dos sete casos estão na Tabela 1.
TABELA 1 - Quadro clínico, endoscopia nasal, tratamento prévio, resultado anátomo-patológico da peça cirúrgica e evolução pós-operatória dos pacientes com diagnóstico de pólipo esfenocoanal (REE = recesso esfenoetmoidal; pós-op = pós-operatório; D = direita; E = esquerda).DISCUSSÃOO pólipo esfenocoanal (PEC) surge a partir da linhagem edematosa e hiperplásica da submucosa da parede do seio, passa através do seu óstio, protruz para a coaria e, algumas vezes, para a nasofaringe14. Sua patogênese ainda é incerta e várias teorias foram propostas. Entre elas, a mais aceita é a de que se origine a partir de um cisto submucoso secundário a uma trombose de vasos linfáticos causada por uma inflamação pós-infecção do seio1, 2, 10. A associação com deficiência imunológica e alergia é controversa. Eloy e colaboradores2 consideram a relação com alergia variável. Ileri e colaboradores4 acreditam que os pólipos cresceriam sob influência de condições inflamatórias e alérgicas; entretanto, Crampete1 acredita que esta relação não exista. Em nosso relato, nenhum dos pacientes realizou testes alérgicos.
O PEÇ acomete principalmente adolescentes (maiores de 10 anos) e adultos jovens2, não apresentando predileção por sexo2. Em nossa casuística, a idade variou de oito a 43 anos (idade média de 30,5 anos), sendo que, dos seis casos apresentados, quatro eram do sexo feminino e dois do sexo masculino (Tabela 1).
Os sintomas do PEC consistem principalmente em obstrução nasal unilateral, devido a progressão do pólipo dentro da cavidade nasal e da coaria. Freqüentemente, pode ser acompanhado de rinorréia purulenta homolateral e uma desconfortável sensação de tosse2. Se o pólipo for volumoso, obstruindo totalmente a nasofaringe, obstrução nasal bilateral pode ocorrer. Alguns pacientes podem cursar com hipoacusia condutiva, por obstrução da tuba auditiva1. Em crianças menores de 10 anos, os sintomas podem ser semelhantes aos de hiperplasia de adenóide ou rinossinusite crônica3. A cefaléia é causada pela obstrução do seio esfenoidal, o qual apresenta inervação derivada do primeiro ramo do nervo trigêmeo (V1) e fibras aferentes, a partir do gânglio esfenopalatino1, 8. Segundo Sethi e colaboradores11, lesões isoladas do esfenóide, tanto inflamatórias quanto expansivas, cursam com cefaléia como, principal sintoma, freqüentemente retro-orbitária, com a incidência variando de 33% a 81%. Na nossa casuística, obstrução nasal unilateral foi o principal sintoma, seguido de cefaléia e rinorréia purulenta unilateral (Tabela 1).
O diagnóstico de PEC é feito através do quadro clínico, endoscopia nasal e exames de imagem, sendo que a evolução da endoscopia e da tomografia computadorizada (TC) colaborou para o aumento de novos casos diagnosticados11. Ileril opta preferencialmente pela endoscopia, assim como o nosso serviço, complementando com a TC de seios paranasais. Em alguns casos, no entanto, não é possível precisar com exatidão a origem do pólipo e, nestes casos, a cirurgia endoscópica endonasal toma-se um procedimento diagnóstico e terapêutico, uma vez que permite uma visualização perfeita da inserção do pedículo do pólipo7.
Na endoscopia, o PEC geralmente apresenta-se entre o septo nasal e a concha média, em contraste com o pólipo antrocoanal (PAC), que é visualizado dentro do meato médio, passando entre a concha média e a parede lateral da cavidade nasal. Observa-se a presença do pólipo na coaria e, algumas vezes, pode se visualizar a sua inserção no recesso esfenoetmoidaf. No nosso relato, apenas no Caso 1 e no Caso 5 a identificação da origem da inserção do pólipo não foi possível, devido a dificuldades ao exame, pelo seu volumoso tamanho.
Na TC de seios paranasais, os pólipos se apresentam como uma massa solitária e, como são relativamente hipocelulares, aparecem como imagens hipoatenuantes, levando à opacidade do seio acometido14. Devem ocupar a região posterior da cavidade nasal, invadir a coaria através do recesso esfenoetmoidal a partir do óstio do esfenóide e estar dentro deste seio (Figuras 1 e 2). Algumas dificuldades podem ser encontradas na diferenciação entre o PEC e o PAC pela TC, se houver sinusite maxilar associada ao PEC, pois, neste caso, o seio maxilar aparecerá opaco e um diagnóstico incorreto de PAC poderá ser feito1, 2, 14. A TC, além de permitir a observação do sítio de implantação do pólipo, permite também a identificação de eventuais variações anatômicas, que são de conhecimento fundamental na abordagem cirúrgica dos seios paranasais2.
A ressonância magnética não faz parte da rotina na investigação de pólipos coanais; contudo, é exame de escolha nos casos em que houver suspeita de alteração maligna2.
Quanto ao diagnóstico diferencial, é importante ter em mente que papiloma invertido deve ser sempre considerado em casos de PC de origem incomum7, 9. Em pacientes jovens, massas unilaterais devem levantar suspeita de nasoangiofibroma. Em indivíduos mais velhos, neoplasias como o carcinoma espinocelular, o adenocarcinoma, o rabdomiosarcoma ou o linfoma devem ser consideradas2. Pólipos solitários mediais à concha média sugerem meningocele2. Em casos duvidosos, a biópsia deve ser realizada, para a elucidação diagnóstica, sempre após exames de imagem que afastem a possibilidade de meningoceles, meningoencefaloceles ou tumores vascularizados como o nasoangiofibroma. Em nossa casuística, não houve necessidade de realização de biópsia em nenhum dos pacientes.
Figura 1. Caso 4: a) corte coronal de tomografia computadorizada (TC) evidenciando inserção do pólipo na parede anterior do seio esfenoidal à direita; b) corte axial de TC mostrando a extensão do pólipo para a coana e rinofaringe.
O tratamento de todos os pólipos coanais é cirúrgico e consiste na remoção completa do pólipo, seu pedículo e sua base de implantação no seio1, 2, 14. Para tanto, é necessário saber, pré-operatoriamente, a origem do pólipo, a fim de programar a abordagem cirúrgica mais adequada. O diagnóstico incorreto leva a um procedimento cirúrgico inadequado, como a não exploração do seio esfenoidal ou mesmo a antrostomia do seio maxilar, o que expõe o paciente a maior risco de recorrências1. No nosso relato, o Caso 4 havia sido submetido à cirurgia prévia em outro Serviço, e acreditamos que, por diagnóstico incorreto da origem do pólipo, a não exérese da sua inserção resultou em uma recidiva do quadro em menos de dois anos.
A cirurgia endoscópica endonasal oferece uma excelente visualização de todos os seios acometidos; sendo assim, é um procedimento efetivo no tratamento de PEC1, 4, 7. Foi popularizada em 1978, por Messerklinger, e passou a ser utilizada no tratamento da sinusite crônica recorrente. No início da década de 90, passou a ser utilizada na remoção de PAC7. Em crianças, deve ser o procedimento de escolha, uma vez que a abordagem transseptal não é aconselhável durante o crescimento. No entanto, como o seio esfenoidal é o último a se desenvolver, seio hipotrófico pode ser encontrado durante a cirurgia endoscópica nas crianças, levando a dificuldades na remoção total do PEC e na abertura do seio1. Eloy e colaboradores2 (1996) recomendam esfenoidotomia ampla intranasal, com controle endoscópico e tratamento no mesmo tempo de outra alteração, se presente, em outro seio.
Figura 2. Corte axial de TC evidenciando alargamento do óstio do seio esfenoidal à direita e o acometimento do mesmo pelo pólipo.
Durante a exérese do PEC, pode se ou não remover a parte póstero-inferior da concha média. Segundo Ileri e colaboradores4, a ressecção desta região melhora a área exposta; contudo, em nosso Serviço, este procedimento não é realizado, a fim de se preservar ao máximo a fisiologia e anatomia nasal. Deve se ampliar o óstio do seio e retirar qualquer componente doente que ainda tenha restado, a fim de evitar recidivas1, 4. Simples polipectomias estão associadas com maior recorrência2. A abordagem do seio esfenoidal deve ser cuidadosa, uma vez que a artéria carótida interna e o nervo óptico estão presentes na sua parede lateral, podendo ocasionalmente estarem deiscentes em 25% e 6% dos casos, respectivamente12.
O estudo histopatológico da peça cirúrgica deve sempre ser realizado. A macroscopia mostra um pólipo com forma de gota, com uma porção intranasal e outra intrasinusal. A porção intranasal apresenta-se firme, translúcida, amarelada, mais ou menos avermelhada, com aspecto liso e regular. A porção intrasinusal pode ser cística ou polipóide, e contém um líquido claro que pode se solidificar, em contato com a temperatura ambiente, em poucos minutos. Microscopicamente, o pólipo é uma formação cística coberta por epitélio respiratório, com ocasional metaplasia epidermóide2. O estroma é edematoso e contém infiltrado inflamatório, com neutrófilos, macrófagos e monócitos, com predomínio de plasmócitos, raramente apresentando eosinófilos ou linfócitos2, 7, 14.
Todos os pacientes relatados foram submetidos à cirurgia endoscópica endonasal, com ressecção completa do pólipo e de seu pedículo no seio esfenoidal. O anátomo-patológico revelou pólipo inflamatório em todos os casos. Todos os pacientes, exceto no Caso 1, que abandonou o seguimento após 1 ano, encontram-se em acompanhamento ambulatorial e não apresentam recidivas até o presente momento.
CONCLUSÃOPela nossa experiência, pólipos esfenocoanais devem ser tratados através da cirurgia endoscópica endonasal, pois esta permite total remoção do pólipo e sua origem do seio esfenoidal, com a mínima alteração da anatomia e fisiologia da região.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. CRAMPETE, L.; MONDAIN, M.; ROMBAUX, Ph.. - Sphenochoanal polyp in children. Diagnosis and treatment. Rhinology, 33: 43-45, 1995.
2. ELOY, PH; EVRARD, I.; BERTRAND, B.; DELOS, M. - Choanal polyp of sphenoidal origin. Report of two cases. Acta oto-rbinolaryngologica belg., 50: 183-189, 1996.
3. GORDTS, F.; CLEMENT, P.A.R. - Unusual choanal polyps. Acta oto-rhino-laringologica belg., 51: 177-180, 1997.
4. ILERI, F.; KOYBASIOGLU, A.; USLU, S. - Clinical presentation of a sphenochoanal polyp. Eur Arch Otorhinolaryngol, 255: 138-139, 1998.
5. KILLIAN, G. - The origin of choanal polyp. Lancet, 2: 81-82, 1906.
6. KUBO, J. - Uber die eigentliche ursprungsstelle und die radikaloperation der solitaren choanalpolypen. Arch Laryngol Rhinol., 21: 81, 1909.
7. LOPATIN, A.; BYKOVA, V.; PISKUNOV, G. - Choanal polyps: One entity, one surgical approach?. Rhinology, 35: 79-83, 1997.
8. PEARLMAN, S. J. Et al. - Isolated Sphenoid Sinus Disease. Laringoscope, 99: 716-720, 1989.
9. PETER K. M. et al. - Case report of a mass that mimicked na antrochoanal polyp. ENT- Ear, Nose and Throatjournal, 78. 556-557, august,1999.
10. PIQUET, J. et al. - Microchirurgie endonasale du polype antrochoanal. Acta Otorhinolaringol Belg., 46- 267-271, 1992.
11. SETHI, D. S. - Isolated sphenoid lesions: Diagnosis and management. Otolaringol Head Neck Surg., 120: 730-736, 1999.
12. STAMMBERGER, H. et al - Essentials of functional endoscopic sinus surgery, 1993.
13. VAN ALYEA, O. E. - Management of non-malignant growths in the maxillary sinus. Ann Otolaryngol., 65: 714-722, 1956.
14. WEISSMAN, J. L.; TABOR, E. K.; CURTIN, H. D. Sphenochoanal Polyps: Evaluation with CT and MR Imaging. Radiology, 178: 145-148, 1991.
* Médico Pós-Graduando da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
** Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
*** Professor Doutor da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
**** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Trabalho apresentado como tema livre no 35° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, realizado no período de 17 a 20 de outubro de 2000, em Natal /RN.
Endereço para correspondência: Marcus Miranda Lessa - Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas - FMUSP - Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 6° Andar - Sala 6021 - 05403-000 São Paulo/ SP - Telefone: (0xx11) 3069-6288 - Fax: (0xx11) 270-0299 - E-mail: marcusmlessa@hotmail.com
Artigo recebido em 26 de janeiro de 2001. Artigo aceito em 27 de fevereiro de 2001.