ISSN 1806-9312  
Quarta, 30 de Outubro de 2024
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2776 - Vol. 67 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 2001
Seção: Artigos Originais Páginas: 372 a 379
Validade da Tomografia Computadorizada no Estudo do Acometimento Ósseo Mandibular nos Tumores de Loja Amigdalina e Região Retromolar.
Autor(es):
Maria B. N. Pascoal*,
Abrão Rapoport**,
José F. S. Chagas***,
Ricardo P. Souza****.

Palavras-chave: tomografia computadorizada, neoplasias de orofaringe, mandibulectomia marginal, carcinoma de amígdala

Keywords: computorized tomography; neoplasias aropharynx, martinal mandibulectomy, tonsil, carcinoma

Resumo: Introdução: A ressecção segmentar do ramo e ângulo da mandíbula tem sido preconizada desde a década de 40 por Martin (1941), Slaugter (1949) e Ward e Robben (1951), como parte do tratamento cirúrgico dos tumores de orofaringe - argumento que passou a ser questionado por Marcheta, Sako e Badillo (1964); frente aos estudos microscópicos do real acometimento ósseo mandibular nos tumores de cavidade oral e orofaringe. A avaliação radiológica prévia tem papel fundamental na decisão da manutenção da continuidade do arco mandibular. Objetivo: Avaliar, através de tomografia computadorizada, a extensão do acometimento ósseo mandibular e da musculatura pterigóidea, a relação entre a presença clínica de trismo e o acometimento ósseo mandibular, e quantificar o real acometimento e sua relação com a extensão de sua ressecção. Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e método: Avaliou-se prospectivamente o acometimento ósseo-mandibular de 18 pacientes portadores de carcinoma epidermóide de loja amigdalina e região retromolar. Também avaliou-se a presença de trismo, pela análise subjetiva, associada à avaliação radiológica prévia, através do estudo tomográfico do osso mandibular. O estudo histopatológico do osso mandibular foi posteriormente comparado aos achados da tomografia, bem como à presença do trismo. Resultados: Houve duas avaliações falso-positivas e 16 avaliações coincidentes. O estudo estatístico através do teste exato de Fisher demonstrou correlação significativa para os dois critérios avaliados, com um valor de p < 0,05. Conclusão: A avaliação tomográfica revelou-se método efetivo para avaliação do acometimento ósseo-mandibular e a avaliação prévia de trismo também demonstrou correlação com os achados histopatológicos.

Abstract: Introduction: The segmental resection of the ramus and angle of the mandible has been recommended since fortiers by Martin (1941), Slaugter (1949), Ward and Robben (1951), as part of the surgical treatment of the oropharynx tumors. This argument had been questioned based on the microscopic studies of the real mandibular bone involvement in tumors of oral cavity and oropharynx performed by Marcheta, Sako e Badillo (1964). The radiological findings has fundamental in the decision of the maintenance the continuity of the mandibular arch. Aim: Based on computer tomography evaluate, the extension of the bony mandibular involvement and of the pterygoid muscles, the relationship between the clinical presence of trimus and mandibular bony invasion and to quantify the real involvement and its relationship with the extension of the mandibular resection. Study design: Clinical prospective. Material and method: It was assessed mandibular invasion of 18 patients with squamous cell carcinoma of tonsillar fossa and retromolar region, prospectively. The trismus presence was also evaluated, associated to the evaluation previous radiological findings, through the tomography assessment of the mandibular bone invasion. The histopatological parameters of the resected bone was compared on to the tomography findings, as well as the presence of trismus. Results: There were two false-positives and 16 coincident evaluations. The statistical study through the Fisher's test demonstrated significant correlation for the two appraised approaches, with a value of p < 0,05. Conclusion: Tomography was an effective method to evaluation of the mandibular bone involvement and the previous evaluation of trimus also demonstrated correlation with the histopatological findings.

INTRODUÇÃO

Até a década de 70, os tumores avançados de loja amigdalina e região retromolar eram tratados exclusivamente com radioterapia. Somente os tumores restritos à loja e tumores resistentes à radioterapia tinham indicação cirúrgica14, 28. Resultados desapontadores em pacientes com lesões avançadas encorajaram os tratamentos combinados de cirurgia e radioterapia pós-operatória, com melhora dos índices de sobrevida40. Tecnicamente, a abordagem das regiões posteriores da cavidade oral e orofaringe pela via oral era dificultada pela impossibilidade de acesso aos limites profundos da lesão, e lateralmente era prejudicada pela presença do ramo ascendente da mandíbula.

Crile10 criou a cirurgia em monobloco para os tumores malignos de cabeça e pescoço, preconizando a ressecção da lesão, associada à mandibulectomia segmentar e ressecção dos linfonodos, denominando-a cirurgia composta, com base nos princípios regidos pela cirurgia de ressecção dos tumores malignos da mama e cólon e reto, divulgados por Halsted e Miles23. A técnica foi abandonada devido à alta taxa de mortalidade perioperatória. A partir de 1930, com os avanços da antibioticoterapia e técnicas anestésicas, Ward, em 1932, preconizou a cirurgia composta para ressecção dos tumores de cavidade oral; e, Martin em 1941, a ressecção composta para os tumores de região retromolar e loja amigdaliana28. Na época, os conceitos de disseminação tumoral calcavam-se na premissa de que o periósteo mandibular seria uma importante via de disseminação tumoral, sendo referidos índices de até 50%29. Acreditava-se que os prejuízos estéticos e funcionais, decorrentes da ressecção do osso mandibular, seriam secundários frente ao tratamento de patologia tão agressiva23, 28, 29.

A precariedade dos métodos de avaliação da época, tanto histológicos quanto radiológicos, não admitia o conceito de ressecções conservadoras. Mesmo a criação da chamada pull through operation, por Ward e Roben, que foi revolucionária para a época, e que se preconizava a manutenção do arco mandibular íntegro, limitava-se aos tumores menos avançados de língua ou que se estendiam para a gengiva, cuja margem mínima de tecido sadio deveria ser maior que 1 cm29.

Além da maior radicalidade oncológica, a ausência da mandíbula facilitava, sobremaneira, o acesso e fechamento das partes moles. Em alguns casos, o acesso era a única razão para sua remoção, quando a retirada do segmento lateral da mandíbula permitia o acesso oportuno e, portanto, direto, à loja amigdalina. Sua ausência diminuía o "espaço morto" facilitando o fechamento primário. É importante lembrar que os recursos de reabilitação eram bastante precários naquela época, baseados na aproximação das partes moles, em alguns retalhos de vizinhança, como o retalho frontal, retalhos de pele e em reabilitações protéticas23, 28, 29.

No início da década de 60, estudos pormenorizados e incontestáveis sobre os mecanismos de invasão mandibular demonstraram que o acometimento mandibular era verificado somente nas lesões fixas à mandíbula. Mesmo em lesões muito próximas (3 mm), o periósteo encontrava-se livre de acometimento tumoral, colocando em questão a via de disseminação tumoral pelo periósteo mandibular17. Restava o argumento de maior facilidade de fechamento, que passou a ser solucionado a partir do final da década de 70, com a criação do retalho de grande peitoral3.

Em âmbito nacional, a partir da década de 70, comprovou-se que a cirurgia conservadora do arco mandibular, denominada pull through operation, para tumores avançados da cavidade oral, não comprometiam a cura e sobrevida, com índices compatíveis com a literatura mundial1.

A teoria da via de disseminação linfática através do periósteo mandibular foi substituída pelo conceito de acometimento ósseo por contigüidade, dando-se ênfase a outros fatores, como o sítio da lesão, sua relação com o osso mandibular e q grau de infiltração cortical, relevantes para a decisão do tipo mais adequado de ressecção óssea5, 7, 8, 26.

O objetivo deste trabalho é avaliar, através de tomografia computadorizada, com cortes previamente padronizados, a extensão do acometimento ósseo mandibular e musculatura pterigóidea nos carcinomas espidermóides de região retromolar e loja amigdalina; e também correlacionar a presença clínica de trismo e o acometimento ósseo mandibular, quantificando o real acometimento do osso mandibular e sua relação com a extensão de sua ressecção.

MATERIAL E MÉTODO

O trabalho envolve 18 pacientes portadores de carcinoma epidermóide de loja amigdalina e região retromolar tratados no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital e Maternidade Celso Pierro (HMCP), da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), no período de março de 1999 a julho de 2000, compreendendo 17 indivíduos do sexo masculino. Quanto à idade, verificou-se que o indivíduo mais novo tinha 36 anos; e o mais velho, 70 - com uma média de 51,3 anos e mediana de 51,5 anos. O atendimento iniciou-se pelo preenchimento de ficha clínica, colheita de dados pessoais e anamnese. Em seguida, foram submetidos a exame físico de cavidade oral e orofaringe, à faringolaringoscopia direta, mediante a utilização de laringoscópio rígido de 2 mm, com ocular de 70°, palpação de cavidade oral, orofaringe e de pescoço, bilateralmente, para determinação do grau de comprometimento linfonodal. No exame físico da cavidade oral, além da avaliação dos limites da lesão, foram observadas a dentição dos pacientes e a presença de trismo. A ausência de dentição foi encontrada em 10 pacientes. Dos oito pacientes dentados, apenas dois possuíam dentição posterior, sem a presença de restaurações metálicas. Os seis pacientes restantes possuíam somente a dentição anterior. O diagnóstico da presença de trismo foi realizado através da avaliação subjetiva da abertura bucal.



Figura 1. Corte tomográfico axial, com invasão mandibular.



A dificuldade desta, secundária ao reflexo doloroso, foi solucionada através da solicitação da colaboração do paciente ou após a infiltração de solução anestésica de xilocaína a 2%, sem vasoconstrictor. Nos pacientes em que a abertura bucal foi limitada pelo processo doloroso, após a infiltração, a abertura bucal foi suficiente para a realização da oroscopia. O sinal clínico de trismo, evidenciado em quatro pacientes da série, foi considerado fator importante na determinação de acometimento de musculatura pterigóide e, conseqüentemente, passível de invasão mandibular.

Na grande maioria, os pacientes apresentavam lesão de loja amigdaliana, num total de 14 indivíduos, e os outros quatro estavam com lesão em área retromolar. Todos os pacientes foram estadiados com base na tabela de classificação dos tumores malignos da UICC (International Union Against Cancer1997) e todos se encontravam em estádios avançados. Dos 18 pacientes, cinco eram T3; e os outros 13, T4. O acometimento linfonodal_foi constatado em 14 pacientes da série, sendo que em oito o linfonodo foi menor que 3 cm ipsilateral (N1); em um, com linfonodos bilaterais menores que 6 cm (N2c); em dois, ipsilaterais múltiplos menores que 6 cm (N2b); e em três, maiores que 6 cm (N3). Quanto ao parâmetro M, nenhum paciente demonstrou cursar com doença à distância, mediante avaliação através de radiografia de tórax convencional. Após exame físico, e determinação do estádio, todos os pacientes foram encaminhados para realização de tomografia computadorizada. Foi padronizada, para o estudo, a tomografia computadorizada do espaço parafaríngeo, obtida através de cortes coronais e axiais de 5 mm de espessura, paralelos à orientação do palato duro ou osso hióide, com janela para tecidos moles e janela óssea, em tomógrafo helicoidal SYTECSRI (General Electric), com imagens impressas em filme da marca AGFA, com 45cm X 35 cm. Os cortes tomográficos contrastados foram obtidos mediante punção de veia de antebraço com contraste iodado Meglumina 30. O número médio de fases contrastadas foi de duas vezes. Na avaliação dos cortes tomográficos, foi dada ênfase à presença de extensão tumoral para a musculatura pterigóide, através do sinal radiológico da diminuição e deslocamento do conteúdo gorduroso do espaço mastigatório, e também para a presença de lise óssea evidenciada pela descontinuidade da superfície cortical no nível de ramo e ângulo mandibulares. A presença de sinais radiológicos positivos indicou acometimento mandibular. Para esses pacientes, foi preconizada a mandibulectomia segmentar. A biópsia foi realizada no ato da primeira consulta.



Figura 2. Corte tomográfico axial em "janela óssea", com invasão mandibular.



Após assinatura de consentimento por escrito, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, os pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico com envio das peças à mesma instituição. Os segmentos ósseos ressecados foram submetidos a processo prévio de descalcificação com ácido fórmico a 0,07%, para os segmentos menores, e ácido nítrico a 1% para os segmentos maiores. A coloração utilizada foi hematoxilinaeosina.

Todos os pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico com ressecção em monobloco, através de bucofaringectomia, associada à laringectomia em dois pacientes. Os quatro pacientes sem linfonodos metastáticos foram submetidos a esvaziamento dos níveis I, II, III (esvaziamento supra-omo-hióideo) e em um paciente associou-se esvaziamento supra-omo-hióideo contralateral, pois apresentava lesão que se aproximava da linha média do palato. O restante da série foi submetido a esvaziamento cervical radical modificado, unilateral em nove pacientes e bilateral em dois pacientes. A mandibulectomia segmentar foi realizada em 10 pacientes; e a mandibulectomia marginal, em oito pacientes. A análise estatística foi realizada através do teste exato de Fisher, em tabela de 2X2, através de programa de microcomputador SPSS (Statistical Package for Social Science), na versão para o programa Windows 6.0 (1985-1993).



Figura 3. Corte tomográfico axial sem evidência de lise óssea.



RESULTADOS

A análise prévia dos cortes tomográficos sugeriu extensão da lesão para os limites do osso mandibular em quatro pacientes. Na correlação entre os,achados de tomografia e os resultados dos exames anatomopatológicos, encontramos apenas dois pacientes com extensão para o osso mandibular. 14 pacientes da série não demonstraram acometimento ósseo, o que foi confirmado pelos resultados hitopatológicos. Dois pacientes foram considerados positivos para acometimento mandibular (falso-positivos); porém, os exames anatomopatológicos não confirmaram o envolvimento mandibular. A análise estatística, realizada pelo teste exato de Fisher, encontrou uma sensibilidade de 100%, com especificidade de 87,5%, com valor preditivo positivo e negativo de 50% e 100%, respectivamente. O valor de p foi menor que 0,05. Na avaliação clínica, quatro pacientes apresentaram presença de trismo. Submetidos a tratamento cirúrgico, o acometimento ósseo mandibular só foi confirmado em dois pacientes, demonstrando a falsa positividade nos remanescentes. O teste exato de Fisher foi novamente aplicado, encontrando os mesmos valores de correlação entre os sinais radiológicos e os resultados histopatológicos, ou seja, sensibilidade de 1,00%, especificidade de 87,5%. Para a avaliação da correlação entre a presença de trismo e o envolvimento ósseo mandibular, o teste apresentou um valor de p menor que 0,05.



Figura 4. Corte tomográfico coronal sem lise óssea (mesmo paciente).



TABELA 1 - Tipos de cirurgias realizadas.

Legenda: ECU - esvaziamento cervical unilateral; ECB - esvaziamento cervical bilateral; ECSOH - esvaziamento cervical supra orno hióideo; RR - rotação de retalho (miofascial de músculo peitoral maior); MS - mandibulectomia segmentar; MM - mandibulectomia marginal



DISCUSSÃO

A partir da década de 70, houve extensa publicação mundial sobre a conservação do arco mandibular para os tumores de cavidade oral e orofaringe4, 15, 20, 21. Os argumentos outrora ressaltados sobre as dificuldades de acesso à região amigdalina foram contornados através do renascimento das técnicas de osteotomias mandibulares medianas e paramedianas, inicialmente preconizadas por Roux (1836) e consagradas por vários autores13, 18. Houve um avanço importante nos métodos de síntese óssea, através da utilização de placas metálicas que reconstruíam a continuidade do arco mandibular. Tivemos oportunidade de realizar mandibulectomias marginais associadas a mandibulotomias paramedianas em oito pacientes da série, e pudemos comprovar a total facilidade de acesso às regiões profundas da orofaringe, bem como a pouca dificuldade técnica no manuseio das placas metálicas.



TABELA 2 - Análise comparativa da presença de acometimento ósseo mandibular, avaliado pela tomografia computadorizada e a avaliação histopatológica.

Teste de Fisher: 0,040 P < 0,05
Sensibilidade = 100%
Especificidade = 87,5%
Valor preditivo positivo = 50%
Intervalo de confiança: [ 9,2% a 90,8%]
Valor preditivo negativo = 100%
Intervalo de confiança: [73,2% a 100%]



TABELA 3 - Distribuição dos pacientes portadores de trismo correlacionados à avaliação anátomo patológica.

Teste de Fisher: 0,040 P < 0,05
Sensibilidade = 100%
Especificidade = 87,5%
Valor preditivo positivo = 50%
Intervalo de confiança: [9,2% a 90,8%]
Valor preditivo negativo = 100%
Intervalo de confiança: [73,2% a 100%]



A manutenção do arco mandibular íntegro passou a ser defendida, pois facilitava a reabilitação funcional, produzia um efeito estético próximo ao ideal, diminuía o tempo de internação e o período de recuperação do paciente e, principalmente, não comprometia os índices de cura.

Há apenas o inconveniente técnico de que, em mandíbulas desdentadas, a reabsorção db osso alveolar leva â superficialização do canal alveolar. Os autores argumentam em suas pesquisas que ás técnicas marginais de ressecções nos limites deste canal comprometem a radicalidade oncológica, pela sua facilidade de disseminação perineural. Indica-se, portanto, a ressecção segmentar em tumores com comprometimento de osso mandibular cujos limites se aproximem do canal mandibular. Além disso, a manutenção de um resquício de arco mandibular pouco espesso, ou seja, menor que 1 cm, nas mandibulectomias marginais, poderia promover fraturas1, 5, 8, 15. A prática de 10 mandibulectomias segmentares em nossa, casuística corroborou a teoria citada acima. Apesar da indicação para realização de mandibulectomias marginais com base nos critérios de ausência de acometimento ósseo, diante da espessura mandibular pequena, optamos pela ressecção segmentar. Com efeito, em três pacientes, a fratura ocorreu durante a osteotomia mandibular. Mas, em todos os pacientes submetidos a ressecções segmentares, apenas por esses critérios locais desfavoráveis, a ausência de envolvimento ósseo foi verificada.

A teoria da ressecção do arco mandibular para os tumores de orofaringe é ainda mais questionável do que para os tumores de cavidade oral, pois guardam uma distância razoável do arco mandibular. Mesmo em tumores avançados, com acometimento das estruturas do espaço parafaríngeo, e, particularmente, do espaço mastigador, a extensão da lesão para esta região acomete primeiramente a musculatura pterigóide, antes de se aproximar do ramo ascendente da mandíbula. O acometimento da musculatura pterigóide leva ao sinal clínico de trismo. Encontramos, entre os nossos pacientes, apenas quatro portadores de trismo, dos quais apenas dois demonstraram evidências histológicas de comprometimento ósseo. A análise estatística relacionando a presença dê trismo e o envolvimento ósseo foi significante estatisticamente. Como foi ressaltado em nosso material, todos os nossos pacientes apresentavam-se em estádios avançados. A ausência de trismo nos outros 14 pacientes, bem como a evidência negativa de acometimento ósseo mandibular, nos leva a crer que mesmo em estádios avançados a doença permanece restrita à musculatura pterigóide, poupando o osso mandibular. Como foi anteriormente referido, nos mecanismos de extensão tumoral a invasão da área retromolar e base da língua, com envolvimento do sulco pelve-lingual, predispõe localmente à invasão do osso mandibular, por serem áreas contíguas à lesão. Para esses locais, faz-se necessária a avaliação da interface entre o tecido tumoral e o osso mandibular da face interna da mandíbula e da linha oblíqua mandibular, que é a área anatômica correspondente à região retromolar.

Portanto, o foco da avaliação pré-operatória não se restringe mais à decisão da manutenção da mandíbula; e, sim em como avaliar seu acometimento e grau de extensão. A avaliação radiográfica do osso mandibular através da utilização da radiologia convencional, ou seja, com radiografias intra-bucais, radiografias panorâmicas e filmes periapicais, entre outros, foi amplamente debatida na literatura no passado, sem que houvesse consenso sobre sua utilização25, 30. As lesões com destruição maciça do osso são facilmente diagnosticadas, até mesmo pela avaliação clínica. As invasões mínimas não são visualizadas precocemente. A radiologia convencional não é capaz de diferenciar as lesões corticais decorrentes de infiltração tumoral de alterações corticais ocorridas pela remodelação óssea ocasionada pela perda dentária, ou pela presença de lesões decorrentes de processos patológicos benignos no nível do periodonto de inserção. Além disso, as radiografias convencionais fornecem imagem bidimensional, cuja sobreposição entre as duas corticais dificulta a visualização de processos de reabsorção óssea. Diante dessas limitações, a cintilografia óssea surge como um método alternativo e mais eficaz. Contudo, estudos subseqüentes demonstraram altas taxas de falso-positivos. A cintilografia óssea também não foi capaz de diferenciar processos inflamatórios benignos de invasão tumoral30.

A tomografia computadorizada surgiu no início da década de 70 e mudou sensivelmente o panorama da radiologia como método de avaliação para os tumores da cavidade oral e orofaringe. A primeira grande vantagem trazida pela tomografia foi a possibilidade de visualização das estruturas anatômicas dos espaços profundos da região cervical e sua contigüidade com a estrutura óssea da mandíbula, além da possibilidade de aquisição de cortes seriados de mínima espessura em planos axiais e coronais. A ressonância magnética surgiu a partir da década de 80, trazendo algumas vantagens técnicas em relação à tomografia computadorizada, sem contudo substituí-la.

A baixa resolução dos aparelhos de tomografia do início da década de 70 talvez tenha desencorajado inicialmente a utilização do método. Com o aperfeiçoamento e a criação de aparelhos de tomógrafo de última geração e desenvolvimento de programas específicos de informática para trabalhar tridimensionalmente as imagens obtidas, multiplicaram-se os recursos da tomografia, principalmente na avaliação de envolvimento ósseo11, 12, 19.

Em nossa opinião, a tomografia computadorizada é um excelente método para avaliação e estadiamento dos tumores de loja amigdalina, por fornecer informações detalhadas sobre sua extensão locorregional. O deslocamento lateral das estruturas do espaço parafaríngeo, levando à perda de nitidez do conteúdo gorduroso ou até mesmo o seu completo desaparecimento, a perda dos limites da musculatura do espaço mastiga tório e principalmente a interface entre os tecidos moles e o ramo ascendente da mandíbula, são os aspectos considerados relevantes a serem pesquisados na delimitação das lesões malignas da loja amigdalina e região retromolar2, 12, 19.

As desvantagens da tomografia computadorizada incluem a necessidade de utilização de meios de contraste, potencialmente tóxicos, a geração de distorções de imagem na presença de artefatos metálicos (restaurações de amálgama, coroas metálicas, placas de osteossíntese etc), a dificuldade de avaliação de envolvimento perineural do canal mandibular, a dificuldade de avaliação das irregularidades corticais pós extração dentária e a necessidade de mudança de posição para obtenção de cortes tomográficos coronais, bem como a impossibilidade de obtenção de cortes tomográficos em norma sagital6, 9, 22, 24.

A ressonância magnética tem a vantagem de obter imagens nos três planos espaciais sem que o paciente necessite de mudanças de posição. Submete-se o paciente a menores doses de radiação e, em termos de avaliação entre os limites da lesão e o tecido mole sadio, a ressonância demonstra uma nitidez bem maior, não apresentando o inconveniente de produzir imagens distorcidas frente a objetos metálicos.

Os autores partidários da utilização da tomografia alegam, em seus estudos, que a ressonância ainda é um método caro e pouco acessível para avaliações rotineiras. É inviável em pacientes portadores de claustrofobia, impossível de se realizarem pacientes portadores de aparelhos marcapasso e endopróteses e limitado na avaliação de pequenas infiltrações corticais9, 22.

Em nossa padronização do estudo tomográfico, optamos pela tomografia de espaço parafaríngeo. Conquanto nossos tumores não sejam lesões primárias desse espaço, a tomografia de espaço parafaríngeo foi escolhida por ser capaz de fornecer a visualização dos espaços profundos da região cervical. A padronização de cortes de 5 mm de espessura foi capaz de demonstrar com nitidez a interface entre a lesão e o ramo ascendente da mandíbula nos 14 pacientes, que foram considerados com estudo negativo para acometimento mandibular. Em um dos pacientes com estudo falso-positivo para acometimento mandibular, havia presença de trismo e invasão de palato duro. Diante dessa correlação, optamos pela realização de ressecção segmentar de mandíbula; porém, o estudo histopatológico revelou-se negativo para acometimento mandibular.

Quando submetidos à análise estatística, demonstraram correlação entre os achados tomográficos e intra-operatórios, com sensibilidade de 100%, especificidade de 87,5%, um valor preditivo positivo de 50%, e um valor preditivo negativo de 100% - achados estes, compatíveis com a literatura mundial9, 11, 24, 27.

Em relação às desvantagens da tomografia computadorizada, não pudemos analisar a distorção de imagens frente à presença de objetos metálicos, pois nossa casuística apresentou baixa incidência de dentição posterior, com presença de restaurações metálicas. Particularmente, achamos que os cortes sagitais não são relevantes para o estudo da região amigdalina, principalmente para avaliação do osso mandibular, e não encontramos em qualquer das referências consultadas opinião contrária à nossa. A mudança de posição, com a necessidade de hiperextensão cervical para obtenção de cortes coronais, não foi um fator limitante em nossa pesquisa, pois não tivemos qualquer paciente com limitação funcional que impedisse a realização dos cortes coronais. Achamos que, excetuando-se os pacientes portadores de graves disfunções articulares, o "esforço" da hiperextensão é bastante recompensado pela aquisição de planos coronais, que muito nos auxiliam na avaliação do acometimento mandibular próximo à região condilar. Há uma tendência mundial em considerar a tomografia mais efetiva para detecção de envolvimento cortical e a ressonância mais efetiva para avaliação do envolvimento medular. A explicação baseia-se na menor presença de núcleos de hidrogênio no osso cortical, o que produz uma imagem de subtração, às vezes imperceptível em invasões mínimas9.

Compartilhamos a opinião de que a tomografia computadorizada já se tornou um exame bastante acessível a um grande número de pacientes e, mesmo em nível da assistência de saúde pública, dispomos desse recurso nos principais centros de atendimento aos pacientes oncológicos, enquanto que a ressonância ainda é privilégio das instituições particulares e relativamente onerosa para realização com os recursos oriundos do próprio paciente.

Um dos fatores que nos pareceram relevantes para o sucesso do método foi a padronização prévia dos cortes tomográficos e um melhor entrosamento entre a equipe radiológica e a cirúrgica. Sabemos que a anatomia do segmento cefálico é minuciosa e de difícil avaliação. Um profissional radiologista interessado e familiarizado com as estruturas anatômicas da cabeça e pescoço, a nosso ver, é capaz de fornecer excelentes avaliações tomográficas para pesquisa de invasão óssea. A realização de cortes tomográficos menores (3 mm), cortes tomográficos com "janelas ósseas", a supervisão do próprio radiologista, que se necessário reduz a espessura dos cortes tomográficos ou modifica a angulação cervical, para diminuir as distorções de imagem frente a objetos metálicos, nos parecem capazes de compensar as desvantagens inerentes ao exame. A decisão de manutenção da continuidade do arco mandibular para os tumores de cavidade oral já é uma realidade incontestável, e para os tumores de orofaringe vem ganhando cada vez maior aceitação. Acreditamos que, num futuro não muito distante, à semelhança dos inúmeros relatos para a cavidade oral, os estudos defendendo a preservação do contorno mandibular íntegro também comprovarão índices de sobrevida aceitáveis. A tomografia, com certeza, terá seu valor inquestionável como parte da avaliação pré-operatória.

CONCLUSÕES

1.) - A tomografia computadorizada apresentou correlação significativa com os resultados histopatológicos em 89% da casuística. Foi, portanto, um método de avaliação eficaz para o estudo do acometimento ósseo mandibular, o que nos autoriza, e obriga a incluí-la em nosso arsenal de avaliação.

2.) - Houve correlação entre a presença clínica de trismo e o acometimento ósseo em 89% da casuística. Portanto, na ausência clínica de trismo, e sem evidências de acometimento ósseo mandibular, há a possibilidade de realização de técnicas cirúrgicas conservadoras, mesmo frente a lesões de estádio avançado.

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* Estagiária do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital e Maternidade Celso Pierro da Pontifícia Universidade Católica de Campinas/SP. Mestre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis - São Paulo/SP.
** Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis, Docente-Livre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela USP.
*** Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital e Maternidade Celso Pierro da Pontifícia Universidade Católica de Campinas/SP, Pós-Graduando em Nível de Doutorado pela UNIFESP.
**** Chefe do Serviço de Unidade de Diagnóstico por imagem do Complexo Hospitalar Heliópolis - São Paulo /SP, Doutorem Medicina pela USP.

Tese de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis, em 17 de Novembro de 2000.
Endereço para correspondência: Maria Beatriz Nogueira Pascoal - Rua Dr. Arnaldo de Carvalho, 555 - Apto. 113 - 13070-090 Campinas/SP - Telefone: (0xx19) 3243-0642.
Artigo recebido em 18 de janeiro de 2001. Artigo aceito em 6 de fevereiro de 2001.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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