INTRODUÇÃOA utilização do retalho miocutâneo de peitoral maior para reconstrução na região da cabeça e pescoço foi inicialmente descrita por Ariyan, em 19791. Devido à sua confiabilidade, resistência, arco de rotação amplo e possibilidade de reconstrução em um só tempo cirúrgico, a técnica ganhou popularidade rapidamente4. Passou a substituir progressivamente o retalho deltopeitoral descrito por Bakamjian2, que, até então, constituía-se na principal opção reconstrutiva da cabeça e pescoço. Mesmo com o advento dos retalhos microcirúrgicos, o retalho miocutâneo de peitoral maior persiste como a técnica de reconstrução mais utilizada atualmente pelo cirurgião de cabeça e pescoço5.
A experiência acumulada na utilização do retalho e o maior conhecimento de sua anatomia3 propiciaram a transferência de segmentos de pele cada vez maiores. O pedículo que, na descrição inicial, incluía a pele, passou a se constituir de musculatura e apenas de vasos tóraco-acromiais na parte proximal. Isto permitiu a utilização do retalho em ilha6.
O defeito resultante na região peitoral é passível na maioria dos casos de fechamento primário. Em casos em que uma extensa ilha de pele foi utilizada, a sutura primária da área doadora torna-se problemática. A tensão é excessiva com risco de deiscência da sutura e bloqueio da expansibilidade pulmonar plena. Uma opção é a utilização de enxerto de pele com suas desvantagens: necessidade de exposição de um terceiro campo cirúrgico, seqüela da área doadora do enxerto, risco de perda do enxerto devido à mobilidade da região receptora e cicatriz atrófica. Tais fatos nos estimularam a procurar um método mais satisfatório. O objetivo deste trabalho é apresentar a técnica por nós idealizada para o fechamento da região peitoral utilizando retalhos locais.
MATERIAL E MÉTODOForam selecionados dez pacientes cujo defeito na região peitoral era de tal monta que criava dificuldades para o fechamento primário. Utilizou-se o retalho miocutâneo de peitoral maior na reconstrução da cabeça e pescoço. Nestes casos, normalmente, o limite lateral tio defeito atingia ou ultrapassava o nível do mamilo e o limite medial atingia a linha média. Devido à dificuldade de realizar os retalhos locais em pacientes do sexo feminino, apenas pacientes do sexo masculino foram submetidos ao procedimento.
O planejamento do procedimento iniciou-se com a confecção do retalho miocutâneo de peitoral. Após o desenho da ilha de pele, a borda superior foi prolongada lateralmente em direção à região deltóide. A incisão está no nível em que estaria a borda inferior de um retalho fasciocutâneo deltopeitoral (Figura 1). Após a transferência do retalho miocutâneo, a região peitoral é fechada utilizando-se a combinação de um retalho por avanço na região superior com um retalho por transposição na região inferior. A ponta superomedial de um retalho lateral é avançada e suturada cinco centímetros abaixo da extremidade superior do limite medial do defeito. Os cinco centímetros superiores da borda do defeito são suturados nos cinco centímetros mediais da borda superior. O restante da borda superior do defeito é suturado na borda superior do retalho de avanço lateral (Figura 2). A incisão inferior do defeito é prolongada lateralmente e ligeiramente superior por uma extensão correspondente ao comprimento da borda medial, ainda não suturada. A partir da extremidade lateral desta incisão, faz-se uma nova incisão em sentido inferomedial, criando-se um retalho triangular (Figura 3). O ideal é que a ponta deste retalho seja arredondada para diminuir o risco de necrose O retalho de base inferomedial é rodado médio-superiormente e transposto para o defeito remanescente (Figura 4). Os pontos são removidos após 15 dias.
Figura 1. Defeito da área doadora do retalho miocutâneo de peitoral maior.
Figura 2. Fechamento da parte superior do defeito com retalho por avanço da região lateral.
RESULTADOSEm todos os pacientes, os defeitos foram fechados sem necessidade de outra técnica complementar. Não houve caso de complicações pulmonares com os pacientes apresentando tosse efetiva, sem restrição pulmonar significativa. Também não ocorreram casos de deiscência de sutura. Em três pacientes, houve necrose dos dois centímetros distais do retalho por transposição, com cicatrização satisfatória após o desbridamento.
Figura 3. Retalho triangular de pedículo inferomedial.
DISCUSSÃOO retalho miocutâneo de peitoral maior é a principal técnica de reconstrução para grandes defeitos de cabeça e pescoço. Qualquer aprimoramento da mesma tem implicações práticas óbvias, devido à freqüência de sua utilização. Uma das dificuldades está relacionada ao manejo do defeito na área doadora, principalmente em grandes defeitos no sentido médio-lateral. Dependendo da extensão, torna-se difícil ou impossível o fechamento primário.
A tentativa de determinar a possibilidade de fechamento primário, avaliando-se as dimensões do defeito, não é satisfatória, já que um defeito de dez centímetros em um paciente com 1,50 m de altura não tem o mesmo significado que em um paciente com 1,90 m. Em nossa experiência, tem sido mais prático uma avaliação baseada em referências anatômicas. Se a dimensão transversa do defeito é maior que a distância da linha média ao mamilo, as chances de não se conseguir um fechamento primário são grandes.
O fechamento sob tensão excessiva aumenta o risco de deiscência da sutura, além de poder causar distúrbios pulmonares, devido à restrição da expansibilidade torácica. O uso de enxerto de pele está longe de ser a técnica ideal.
O procedimento aqui apresentado surge como uma solução simples e rápida para o problema, com uma série de vantagens. O retalho fasciocutâneo deltopeitoral é preservado se, porventura, houver necessidade de utilização no futuro. A menor tensão da sutura diminui o risco de deiscência e de complicações pulmonares. O fechamento é feito com retalhos locais que apresentam a mesma característica do tecido da região. Há um menor deslocamento medial do mamilo, que fica numa posição menos exótica, quando comparado ao fechamento primário.
Figura 4. Fechamento do defeito residual com transposição do retalho triangular.
As principais inconveniências seriam a dificuldade de realização na anatomia peitoral do sexo feminino e o risco de necrose da ponta do retalho de transposição, principalmente, se esta for muito afilada.
CONCLUSÃOA utilização de retalhos de vizinhança para o fechamento de grandes defeitos, após a utilização de retalhos miocutâneos de peitoral maior, constitui-se em uma técnica de fácil execução, com bons resultados e diminuição do risco de complicações associadas ao fechamento primário, sob tensão excessiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. ARIYAN, S. - The pectoralis major myocutaneous flap: a versatile flap for reconstruction in the head and neck. Plast. & Reconstr. Surg., 63(1): 73-81, 1979.
2. BAKAMJIAN, V. Y. - A two stage method for pharyngoesophageal reconstruction with a primary pectoral skin flap. Plast. Reconstr. Surg., 36: 173-84, 1965.
3. FREEMAN, E. P. and cols. The Vascular anatomy of the pectorals major myocutaneous flap. Brit. J. Plast. Surg., 34: 3-10, 1981.
4. MEHRHOLF, A. I. and cols. The pectoralis major myocutaneous flap in head and neck reconstrution: analysis of complication. Am. J. Surg., 143: 478-82, 1983.
5. PANJE, W. R. - Free flaps versus myocutaneous flaps in reconstruction of the head and neck. Otolaryngol. Clin. N. Am., 15 (1): 111-121, 1982.
6. WEI, W. I. and cols. The true pectoralis major myocutaneous island flap: an anatomical study. Brit. J. Plast. Surg., 37 568-73, 1984.
* Médico Assistente.
** Chefe de Clínica.
*** Médico Residente.
Clinica de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, do Hospital Felício Rocho, de Belo Horizonte/MG.
Este trabalho foi realizado através do Centro de Apoio à Ciência - Felicoop / Banco Bandeirantes.
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Artigo recebido em 14 de dezembro de 2000. Artigo aceito em 18 de janeiro de 2001.