INTRODUÇÃO
A definição de intubação traqueal prolongada (ITP) permanece sem unanimidade, uma vez que tem sido utilizada tanto para intubação acima de oito horas6, 2 quanto para intubação verdadeiramente prolongada, como foi definida por Via-Reque e Rattemborg17, que publicaram seis casos de pacientes com período de intubação entre 55 e 155 dias. Lindholm13, considerou, no seu estudo, intubação prolongada quando esta ultrapassasse 24 horas.
Lindholm13, em estudo prospectivo, encontrou índice de 63% de lesões agudas da laringe em pacientes submetidos a ITP, que foram reversíveis em 30 dias. Observou 0,5% de estenose da laringe nos pacientes adultos; e 6,7%, nas crianças, sendo que 80% dos adultos e 33% das crianças permaneceram intubados por menos de 36 horas.
Stauffer e colaboradores15, em estudo prospectivo de 150 pacientes com intubação traqueal e traqueotomia, encontraram, em 95%, lesões da laringe na autópsia; e 7,4% de estenose subglótica a longo prazo.
Colice e colaboradores5 encontraram, em sua série de pacientes, 94% de lesões agudas da laringe; porém, apenas 3% necessitaram de traqueotomia por dano à laringe.
O presente trabalho tem por objetivo estudar as lesões da laringe no sexto dia de ITP, sua evolução, sua relação com os fatores predisponentes, desencadeantes ou agravantes, e sua relação com a traqueotomia precoce nos pacientes admitidos na LM Geral do Hospital Universitário Cajuru, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
MATERIAL E MÉTODO
Foram estudados, prospectivamente, 73 pacientes submetidos a ITP na UTI Geral do Hospital Universitário Cajuru, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, no período de l° de agosto de 1994 a 31 de julho de 1995.
Eram do sexo masculino 63 (86,3%) pacientes; e 10, do sexo feminino (13,7%) - com idade variando de 16 a 92 anos. A idade média foi de 36,0 anos.
Apresentaram traumatismo 53 (68,5%) pacientes; e 23 (31,5%) apresentaram doença não traumática.
Critérios de admissão no estudo
Pacientes submetidos a ITP por cinco dias consecutivos, com previsão de necessidade de intubação por mais de sete dias; pacientes sem intubação traqueal no mesmo internamento; pacientes sem lesão prévia da laringe; pacientes sem traumatismo da laringe; pacientes que se submeteram a traqueotomia no sexto dia de ITP.
Exigiu-se consentimento dos familiares ou do paciente em realizar os controles clínicos e endoscópicos no 6°, 14°, 21°, 28°, 60°, 90° e 180° dias.
Os pacientes foram intubados com tubo endotraqueal de PVC siliconizado (Willy Rusch AG)®, de número 7,5 ou 8 para as mulheres e 8 ou 8,5 para os homens, utilizando a via oral, e foram fixados por meio de cadarço e nó ao redor do tubo e ao pescoço, tomando como reparo os dentes incisivos superiores.
As traqueotomias foram efetuadas no sexto dia de IT por cirurgiões do Serviço de Cirurgia Geral ou do Serviço de Cirurgia Torácica, sob supervisão e padronização da técnica pelo autor. A traqueotomia foi efetuada de duas formas:
a) incisão longitudinal do segundo e terceiro anéis traqueais (35 pacientes);
b) ressecção de segmento da parede anterior do segundo ou terceiro anel traqueal (38 pacientes).
Utilizou-se fibrobroncoscópio Olympus BF 1T10, acoplado a fonte de luz Storz Xenônio-615 através de adaptador Storz 495-D. A documentação fotográfica foi obtida com Câmera Olymipus OM 10 e adaptador Olympus A10 (M1 0,8x), utilizando filme Kodak Ektakrome 160 ASA Tungstênio.
Foi utilizada a via nasalem 71 pacientes. Quando esta não se mostrava viável ou era contra-indicada por condições anatômicas, hemorragia ou trauma craniofacial, utilizou-se a via oral, com bocal protetor entre os dentes incisivos (dois pacientes).
As FLTB foram efetuadas sob anestesia tópica da narina, fossas nasais, faringe e porção glótica e supraglótica da laringe, com Xylocaína a 1% spray; e da laringe subglótica, traquéia e brônquios, com Xylocaína líquida a 1% por punção através da membrana cricotireóidea. Nos pacientes com cânula de traqueotomia, fez-se 5 ml de Xylodaína a 1%, por via transcricóide, e 5 ml diretamente na cânula de traqueotomia, para anestesia subglótica e traqueal, respectivamente.
Em relação à laringe, para se poder quantificar as lesões agudas encontradas, adotou-se classificação baseada nas de Lindholm13, Whited18 e Benjamin1 (Quadro 1).
O escore total foi determinado pela soma do escore das lesões agudas encontradas na epiglote, aritenóide direita, aritenóide esquerda, região interaritenóidea ou comissura posterior, prega vocal direita, prega vocal esquerda e região subglótica. As cordas vocais foram analisadas e classificadas em relação à sua integridade anatômica e funcional.
Os 73 pacientes foram estudados para se determinar: a incidência das lesões da laringe pela ITT; sua classificação inicial (leve, moderada e severa); sua evolução; e sua relação com as variáveis, como sexo, idade, análise do grau de coma, pela escala de Glasgow (abaixo e acima de 7), atividade neuromuscular (sim, não), hipotensão prévia (sim, não), broncoaspiração (sim, não), presença de sonda nasogástrica (sim, não), infecção enquanto intubado (sim, não) e tipo de doença ou lesão.
(QUADRO 1, PÁG. 348)
QUADRO 1 - Classificação das lesões agudas da laringe pela ITP.
A hipotensão arterial foi considerada quando a pressão sistólica permaneceu abaixo de 90 mmHg por mais de uma hora.
Considerou-se infecção traqueobroncopulmonar quando o paciente apresentava: secreção traqueobroncopulmonar; cultura positiva no lavado brônquico; condensações pulmonares atribuíveis a processos pneumônicos, broncopneumônicos ou supurações pulmonares; associados à febre e/ou leucocitose ou associações entre si.
Em todos os pacientes, utilizando-se da FLTB efetuada no sexto dia, as lesões foram identificadas e classificadas, e a sua relação estatística com as variáveis foram estabelecidas.
Após a avaliação das lesões iniciais, os pacientes foram divididos em dois grupos: Grupo I (pacientes com traqueotomia que foram a óbito durante o internamento) e Grupo II (pacientes sobreviventes), e a evolução das lesões da laringe após a traqueotomia comparada entre os dois grupos. Nos pacientes do Grupo II, estudou-se detalhadamente a evolução das lesões da laringe; e o tempo de cicatrização ou tempo de resolução do dano laríngeo (TRDL). O TRDL no grupo II foi observado: em até 28 dias; dê 29 a 60 dias; de 61 a 90 dias; de 91 a 180 dias; e acima de 180 dias.
Utilizou-se o teste paramétrico de t de Student e os não paramétricos qui-quadrado e Mann-Whitney, para as comparações necessárias ao objetivo do estudo. Todos os testes aplicados foram para amostras independentes. O nível de significância mínimo adotado foi de 0,05.
RESULTADOS
Foram realizadas 415 FLTB nos 73 pacientes, sendo que para análise do trabalho foram consideradas as realizadas no 6°, 14°, 21°, 28°, 60°, 90° e 180° dia, perfazendo um total de 304 FLTB (Tabela 1).
Tipos de lesão aguda da laringe no sexto dia de ITP
A hiperemia foi encontrada em todos os pacientes. O edema foi encontrado em 45 (61,6%) dos pacientes, sendo que em 36 (49,3%) foi considerado leve; em seis (8,2%), moderado; e em três (4,1%) foi considerado severo, causando obstrução da glote. As ulcerações foram encontradas em 51 (69,9%) pacientes: em 11 (15,1%), leves; em 39 (53,4%), moderadas; em um (1,4%), severas, em 1 paciente do grupo I, que apresentou úlcera circular da glote, com exposição de cartilagem).
A localização das úlceras, foi predominantemente na glote, 44 (86,3%), sendo que, destas, em três (5,9%) estava associada a uma úlcera na epiglote, e em dois (3,9%), a úlcera na subglote. Em dois (3,9%) pacientes havia localização isolada na epiglote.
Escore inicial
O escore inicial das lesões da laringe no sexto dia de ITP variou de seis a 23, com média dê 14,7 ± 3,6.
Classificação das lesões da laringe no sexto dia de ITP (classe inicial)
Classe inicial leve foi encontrada em 25 (34,2%) dos pacientes; classe moderada, em 44 (60,3%) dos pacientes; e classe severa em quatro (5,5%) dos pacientes. Destes últimos, três foram assim classificados por apresentar edema severo, e um por apresentar úlcera com exposição da cartilagem.
Tempo de resolução do dano laríngeo (TRDL) no grupo II
Em 14 (46,7%) dos pacientes, o TRDL foi de 28 dias, não havendo significância estatística entre os que apresentavam ou não úlcera na laringe.
Em 10 (33,3%) pacientes, o TRDL estava entre 29 e 60 dias, não havendo significância estatística entre presença e ausência de úlcera; em dois (6,7%) foi entre 61 é 90 dias; em dois (6,7%) foi de 91 a 180 dias; e em um (3,3%) não ocorreu a regressão dentro de 180 dias (Tabela 2).
(TABELA 1, PÁG. 349)
TABELA 1 - FLTB nos pacientes submetidos a ITT seguida de traqueotomia.
NOTA: O cálculo da proporção foi efetuado pelo número total de pacientes em cada grupo.
(TABELA 2, PÁG. 349)
TABELA 2 - Tempo de resolução do dano laríngeo, em relação a úlcera no grupo II.
NOTA: Um paciente não teve o TRDL avaliado, porque apresentava molde translaríngeo.
Um paciente não teve seu dano laríngeo avaliado no 180° dia, devido à presença de molde laríngeo como complemento de laringoplastia para estenose glótica e subglótica.
A presença ou ausência de úlcera em relação à regressão das lesões até o 28° dia não apresentou significância estatística.
O tempo de internação variou de 14 a 170 dias, e observou-se significância estatística (p=0,0026) em relação ao TRDL.
O tempo de permanência de traqueotomia variou de 11 a 175 dias em relação ao TRDL, mostrando significância estatística (p=0,0052).
O tempo de ventilação mecânica variou de dois a 35 dias, não havendo diferença estatisticamente significativa em relação ao tempo de cicatrização do dano laríngeo.
Em relação à classe inicial, de 10 pacientes com classe inicial leve, seis (60%) tiveram lesões cicatrizadas até o 28p dia, enquanto que na classe inicial moderada, de 18, apenas oito (42,1%) tiveram suas lesões cicatrizadas neste período.
No 60° dia, oito (80%) da classe inicial leve e 16 (84,2%) da inicial moderada estavam com as lesões cicatrizadas (Tabela 3).
Evolução das lesões da laringe pela ITP após a traqueotomia no grupo I e no grupo II
Em 35 (60,4%) pacientes de 58 de ambos os grupos que se submeteram à segunda FLTB, houve melhora do escore das lesões da laringe após a traqueotomia; em 18 (31,0%) dos pacientes as lesões permaneceram inalteradas; e em cinco (8,6%) houve piora das lesões (três do Grupo I e dois do Grupo II) em relação à primeira FLTB (Tabela 4).
Os pacientes que tiveram suas lesões melhoradas ou inalteradas após a traqueotomia foram 53 (91,4%), não havendo diferença estatisticamente significativa entre pacientes do Grupo I e os do Grupo II que tiveram suas lesões melhoradas ou inalteradas após a traqueotomia.
A evolução das lesões da laringe, avaliada através da média do escore das lesões dos pacientes submetidos a ITT seguida de traqueostomia no 6° dia, demonstra melhora das lesões, não havendo diferença estatisticamente significativa entre os pacientes do Grupo II, com traqueotomia, e os do grupo I, decrescendo a pontuação mediana de 16 a sete e de 14 a sete, respectivamente, até o 28° dia (Tabela 5). A partir daí, a média do escore do Grupo I estabiliza-se até o óbito; e a do grupo II decresce, não atingindo, porém a média de escore zero. (TABELA 3, PÁG. 350)
TABELA 3 - Tempo de resolução do dano laringeo, em relação a classe inicial no grupo II.
NOTA: 1 paciente não teve o TRDL avaliado, porque apresentava molde translaríngeo.
(TABELA 4, PÁG. 350)
TABELA 4 - Variação do escore das lesões da laringe após a traqueotomia, dos pacientes que se submeteram à segunda FLTB.
FONTE: Quadro A1A, do Anexo 1, e Quadro A2B do Anexo 2 F.I.T.B. = Fibrolaringotraqueobroncoscopia.
No Tabela 5, observa-se que a média do escore dos pacientes do Grupo II com e sem traqueotomia decresce de modo similar. Porém, a partir do 21° dia, torna-se mais acentuada a diminuição do escore dos pacientes, cuja traqueotomia já havia sido retirada, sendo que, nestes, em 60 dias, as lesões estavam completamente curadas. O escore médio dos pacientes com traqueotomia no 90° dia permanece em três; e, em seis meses, tem um ligeiro acréscimo, para quatro. Três pacientes permaneceram com a cânula após o 180° dia, com pontuação mediana de quatro.
Nos pacientes do Grupo II, a retirada da traqueostomia apresentou significância estatística na cura das lesões da laringe em relação aos pacientes ainda com traqueostomia.
Complicações
Dez pacientes (13.6%) apresentaram complicações da ITP: quatro casos (5,5%), de intubação seletiva; um (1,3%), de pneumotórax por barotrauma; dois (2,7%), de extubação acidental; dois (2,7%), de dificuldade / impossibilidade de oclusão da via aérea pelo balonete; um (1,3%), de necrose do segundo ao sexto anel traqueal evidenciada por ocasião da traqueotomia com conseqüente óbito.
Houve 15 (20,1%) ocorrências de complicações da traqueostomia: três casos (4,1%), de erosão do estoma; 4 (5,5%), de infecção do estorna; um (1,3%), de enfisema subcutâneo; um (1,3%), de hemorragia discreta proveniente de vasos cervicais; dois (2,7%), de lateralização do estorna por posição viciosa do pescoço e cabeça; três (4,1%) de decanulações acidentais, sem maiores conseqüências, sendo dois no mesmo paciente psicopata; um (1,1%), de estenose da traquéia, entre a cricóide e o estoma, atribuída à compressão da parede anterior da traquéia pela cânula de traqueotomia.
Dois (2,7%) pacientes tiveram estenose da traquéia na união do terço médio com o inferior, que pode ser atribuída à compressão determinada pelo balonete do tubo endotraqueal ou da cânula de traqueotomia; portanto, causadas pela intubação traqueal e/ou traqueotomia.
(TABELA 5, PÁG. 351)
TABELA 5 - Análise comparativa do escore dos pacientes com e sem traqueotomia no grupo II e total no grupo I.
FONTE: Quadro AIA - Quadro A2B. (1) Desvio padrão muito elevado. Recomenda-se usar o valor mediano dos dados.
DISCUSSÃO
Lesões da laringe pela ITP: classificação inicial
Whited18, em estudo prospectivo de 200 pacientes subi metidos a FLTB para observação das lesões da laringe pela ITP, utilizando a classificação de Lindholm13, encontrou, em 100%, alterações da mucosa da laringe e traquéia no exame pós-extubação; porém, não detalhou os achados iniciais.
Colice5 encontrou lesões da laringe pela ITP em 77 (94%) de 82 pacientes, sendo: 34 (41,5%), da classe leve; 24 (29,2%), da classe moderada; e 19 (23,1%), da classe severa - utilizando classificação superponível a de Lindholm e a utilizada neste estudo.
Lindholm13, em série de 161 paciente submetidos a ITP por período variável de tempo, descreveu 35 (22%) pacientes com lesões de grau I; 93 (58%), com lesões grau II; 29 (18%), com lesões grau III; e 4 (2%), com lesões grau IV.
Thomas e colaboradores16, em 150 pacientes submetidos a intubação traqueal acima de 24 horas, encontrou, em 134 (87,6%), lesões da laringe ao exame inicial.
Nos 73 pacientes deste trabalho, foi observado dano laríngeo em todos eles, sendo: da classe leve, em 25 (34,2%); da classe moderada, em 44 (60,3%); e da classe severa, em quatro (5,5%).
A discrepância nas várias séries da literatura em relação ao dano laríngeo pode ser devida à diferença nas populações estudadas, no tempo de intubação, época e/ou intervalos diferentes na realização dos exames endoscópicos e, principalmente, pela dificuldade técnica da realização da FLTB nos pacientes em ambiente de UTI, em coma e com dificuldade de exposição da laringe. Benjamin(1) utiliza rotineiramente a laringoscopia direta, sob anestesia geral, em todos os pacientes com ITP, com o objetivo de diagnóstico preciso e tratamento com limpeza das lesões e ressecções dos tecidos de granulação.
Relação da classe inicial com as variáveis (possíveis fatores desencadeantes, agravantes ou predisponentes)
Lindholm13, Donnelly7, Stauffer15, Kastanos11 e Colice5 não encontraram relação entre idade e gravidade da lesão laríngea. Nesta série, a classe severa estava associada à idade avançada.
Donnelly7 e Kastanos e colaboradores11 não encontraram associação com o sexo. Houve significância estatística nesta série para sexo masculino e classe moderada.
Lindholm13, em seu estudo, não pôde relacionar, estatisticamente, atividade motora do paciente; e, portanto, da laringe, com a intensidade do dano laríngeo.
Colice e colaboradores5 encontraram relação entre a presença de atividade neuromotora e a ocorrência de lesão moderada ou severa ao exame inicial. MackenzielI e Lesnik e colaboradores12 demonstraram maior incidência de danos laríngeos em pacientes com atividade motora, agitados e não sedados ou com movimentos de descerebração ou descorticação.
A presença de atividade neuromotora não foi estatisticamente significativa. A ausência de atividade neuromotora, ao contrário do que se verifica na literatura, está, nesta série, associada a dano maior da laringe, o que é conflitante, uma vez que o tubo tem menor movimento no interior da laringe.
O balonete insuflado na traquéia permanece relativamente fixo numa determinada área. A flexão do pescoço mobiliza o tubo 6 cm no interior da laringe, atritando as estruturas glóticas mais intensamente. Movimentos laterais, movimentação ocasionada por tosse, deglutição, espirro, movimentação imprimida pela ventilação mecânica ocasionam o mesmo efeito, com conseqüente aumento da área e intensidade da isquemia5.
Nos pacientes com Glasgow até sete, houve significância para classe severa. Não encontramos na literatura referência à relação da escala de Glasgow com as classes de lesões da laringe pela ITP.
A perfusão capilar da mucosa laríngea ou traqueal de cresce com a hipotensão por choque, sepsis, hemodiálise e circulação extracorpórea, o que acarreta isquemia e dano laríngeo. Colice e colaboradores5, Thomas e colaboradores(16) e Mackenzie5 não encontraram relação entre choque e gravidade das lesões ou desenvolvimento de seqüelas da laringe. Classe severa estava associada, contraditoriamente, a níveis normais de pressão arterial. Não foi encontrada significância para presença de hipotensão (p>0,05).
Stauffer e colaboradores15 e Kastanos e colaboradores11 não encontraram relação entre a presença de infecção respiratória e a intensidade do dano laríngeo.
As lesões da laringe foram de menor intensidade, quando não havia infecção traqueobroncopulmonar durante o período de ITP. A infecção traqueobroncopulmonar, enquanto o paciente estava intubado, estava relacionada a índices maiores de dano laríngeo.
A ausência de broncoaspiração foi significativa para classe severa (p<0,001), o que é contrário ao esperado, uma vez que a broncoaspiração está ligada a aspiração de conteúdo gástrico ácido e índice de infecção traqueobroncopulmonar elevado - ambos fatores que poderiam aumentar o dano laríngeo.
Doença pulmonar obstrutiva crônica ou doenças pulmonares produtoras de muco podem aumentar as chances de trauma da laringe, uma vez que as indicações para suporte ventilatório mecânico, limpeza traqueobrônquica e broncoaspiração têm sido ampliadas nos pacientes com hiper-secreção de muco ou presença de pus(13). Estados crônicos e debilitantes, como anemia, hipoproteinemia, diabetes, uso prolongado de corticosteróides e alcoolismo, afetam o processo cicatricial e aumentam a incidência de complicações10. El Naggar e colaboradores8 não encontraram relação das lesões da laringe com qualquer tipo de doença.
Stauffer e colaboradores15 e Kastanos e colaboradores11 não encontraram relação entre as lesões da laringe pela ITP e a utilização de corticóides. Só foi possível, nesta série, a avaliação de traumatismo cranioencefálico. As demais doenças ou lesões não puderam ser avaliadas, pelo pequeno número de casos. Houve significância estatística para traumatismo cranioencefálico e classe moderada.
Friedman e colaboradores9 relatam três casos de pacientes nos quais a sonda nasogástrica causou alterações da laringe, na forma de edema intenso das aritenóides, e úlcera com exposição da cartilagem cricóide. Alertam que a sonda nasogástrica não deve permanecerem posição mediana em relação à laringe e, quando assim estiver, deve ser recolocada. A relativa ausência de mucosa na região posterior da cricóide e a rigidez imposta pela coluna cervical e cartilagem cricóide contribuem para o desenvolvimento de ulceração.
Todos os pacientes deste estudo permaneceram com sonda nasogástrica durante o tempo de intubação, o que não permite conclusão somatória de traumatismo sobre a laringe, ocasionada por ambas as sondas - traqueal e nasogástrica.
Tempo de resolução do dano laríngeo no grupo II
A avaliação do TRDL é difícil, uma vez que se necessita de endoscopias repetidas para observação da evolução das lesões; portanto, da cura. Poucos trabalhos oferecem esses dados.
Lindholm13 descreveu TRDL dentro de 30 dias em 45 (65%) de 69 pacientes, e TRDL dentro de 60 dias em 10 (14,5%), ou seja: em 60 dias, 79,5% dos pacientes tinham a sua laringe normal.
Colice4 obteve TRDL de 30 dias após a extubação em 31 (63%) de 49 pacientes. Pacientes em número de 11 (22,7%) tinham o TRDL de 60 dias. Em 60 dias, 42 (85,7%) dos pacientes tiveram a laringe completamente recuperada. Em 80% dos pacientes as lesões da laringe cicatrizaram dentro de 60 dias, havendo nítida relação do TRDL com a classificação inicial: em 60% na classe leve e em 36,8% na classe moderada, o TRDL foi até 28 dias; em 20% na classe leve e em 42,1% na classe moderada, foi entre 29 e 60 dias.
O TRDL desta série aumentou com a duração da traqueotomia e com o tempo de internação em grau de significância (p= 0,0052) e (p=0,0026), respectivamente. Entretanto, o tempo de ventilação mecânica não apresentou significância estatística em relação ao TRDL.
Evolução das lesões da laringe pela ITP, após a traqueotomia
Burns e colaboradores9 e Lindholm13 estudaram pacientes que tiveram ITP seguida de traqueotomia; porém, não separaram estes dados daqueles dos pacientes submetidos apenas a ITP.
A ITP acima de 10 dias seguida de traqueostomia, na presença de lesão laríngea severa à extubação, não influencia a cicatrização da laringes.
Utilizando a média dos escores das lesões da laringe dos pacientes nos dias das FLTB de protocolo (Quadro 2), demonstra-se claramente que a média dos escores dos pacientes do grupo II com traqueotomia e os já extubados decrescem, em dois meses a média dos pacientes sem traqueotomia é zero, enquanto que à média dos pacientes com traqueotomia é quatro. Há, portanto, retardo no tempo de cicatrização das lesões nos pacientes com traqueotomia, isto é: para se atingir o escore zero. Salienta-se, no entanto, que o escore zero refere-se quase sempre apenas à presença de hiperemia.
Na Tabela 5, observa-se que a média dos escores das lesões dos pacientes do Grupo II, com traqueotomia, e do Grupo I, com traqueotomia, são semelhantes. Não há diferença estatisticamente significativa para se afirmar que a doença ou trauma grave suficiente para levar o paciente a óbito tivessem sido responsáveis por retardo na regressão das lesões da laringe nestes pacientes. Portanto, o processo de reparo das lesões da laringe progredia, mesmo entre aqueles que, posteriormente, foram a óbito.
O percentual de pacientes cujas lesões da laringe permanecem inalteradas ou melhoraram após a traqueotomia foi de 93% no Grupo II; e de 89%, no Grupo I - não havendo diferença estatística entre elas (p<0,05). O percentual de pacientes cujas lesões laríngeas pioraram após a traqueotomia foi de 7% no Grupo II; e de 11%, no Grupo I.
Observa-se, portanto, retardo no TRDL nos pacientes ainda com traqueotomia e que esta, após a ITP, não piora o dano laríngeo.
CONCLUSÃO
As lesões agudas da laringe pela intubação traqueal prolongada, no sexto dia, estão presentes em todos os pacientes.
O tempo de resolução do dano laríngeo foi de até 60 dias em 80% dos pacientes, havendo nítida relação com a classe inicial das lesões.
A traqueotomia, de per si, não agrava as lesões da laringe causadas pela intubação traqueal prolongada; e 91,4% dos pacientes têm suas lesões melhoradas ou inalteradas após esta.
Os fatores predisponentes, desencadeantes e agravantes têm influência diversa no aparecimento e gravidade das lesões da laringe pela intubação traqueal prolongada.
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* Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica e Endoscopia Respiratória do Hospital Universitário Cajuru - PUC - Curitiba/PR. ** Residente em Cirurgia Torácica no Serviço de Cirurgia Torácica e Endoscopia Respiratória do Hospital Universitário Cajuru (PUC-PR).
Instituição: Hospital Universitário Cajuru (PUC-PR) - Avenida São José, 300 - 80050-000 Curitiba/PR. Endereço para correspondência: Clínica do Tórax - Avenida Comendador Franco, 2429 - 81520-000 Curitiba/PR - Brasil - Telefone: (0xx41) 266-3500 / Fax: (0x41) 266-4349. Artigo recebido em 12 de julho de 2000. Artigo aceito em 9 de fevereiro de 2001.
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