ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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2771 - Vol. 67 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 2001
Seção: Artigos Originais Páginas: 340 a 344
Lesões Traumáticas de Mucosa Oral.
Autor(es):
Ana C. K. Camargo*,
Bianca M. Liquidato**,
Rita C. Soler**,
Ivo Bussoloti Filho***.

Palavras-chave: hiperplasia fibrosa, trauma oral, hiperplasia inflamatória

Keywords: fibrocis hyperplasia, trauma oral hiperplastic lesions

Resumo: Introdução: Apresentamos a experiência do Ambulatório de Estomatologia da Santa Casa de São Paulo quanto às lesões traumáticas da mucosa oral. Forma de estudo: Avaliação retrospectiva de prontuários. Material e método: A lesão traumática mais encontrada foi a hiperplasia fibrosa, correspondendo a 41,79% dos casos. As demais lesões distribuíram-se entre os cistos mucosos, leucoplasias, hiperplasias papilares e outras. Resultados: Houve predomínio das lesões traumáticas localizadas em língua, na região gengivo-jugal e palato, cujos agentes do trauma foram principalmente mordidas e próteses dentárias mal adaptadas. Tais resultados refletem as más condições dentárias da nossa população e sua dificuldade de acesso a tratamento odontológico.

Abstract: Introduction: The authors present the experience of our service regarding traumatic injuries of oral mucosa. Study design: Retrospective chart analysis. Material and method: The most common traumatic lesion found was the hyperplasic fibrosis (41,79%). The other being mucous cists, leukoplasia and papillary hyperplasia. Results: We noticed a predominance of lesions located in tongue, gengivo jugal region and palate, which had mainly as traumatic agents bites and dental prosthesis. The results reflect our population's poor dental condition and dificulty to access dental care.

INTRODUÇÃO

Inúmeras são as causas e características de lesões traumáticas de mucosa oral. Assunto discutido em vários artigos, todos são unânimes em dizer que as características clínicas de uma lesão oral podem ser bastante semelhantes, independentemente de sua etiologia (lesão traumática, tumor benigno ou maligno em fase inicial). Sendo assim, o estudo anatomopatológico, junto à anamnese, é de fundamental importância para o diagnóstico de certeza.

Os traumas agudos apresentam-se, em geral, como lesões de comprometimento mais profundo, podendo evoluir com hematomas, erosões ou até úlceras. Os agentes são dos mais variados tipos, proposital ou acidental2. Quando crônicos, nota-se geralmente um aumento do tecido conjuntivo, que inicia seu crescimento ao redor da lesão inicial. Decorrentes de traumas contínuos e repetitivos, podem variar também quanto ao fator agressor.

Os locais mais comuns para este tipo de lesão são ponta de língua, palato, lábios e mucosa jugal, destacando-se as hiperplasias fibrosas, hiperplasia papilar, morsicatlo buccarum et labiorum, epulis fissuratum, cisto mucoso e muitas outras, cada qual com sua correlação específica.

A revisão literária sobre este assunto é pobre, principalmente na literatura nacional. Com base no exposto, o objetivo deste trabalho é avaliar as diferentes doenças da mucosa oral, por etiologia traumática, existentes no Ambulatório de Estomatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, verificando sua prevalência quanto ao sexo, idade, localização, agente agressor e tipo da lesão.

MATERIAL E MÉTODO

Foram analisados, retrospectivamente, no Ambulatório de Estomatologia do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SCMSP) 67 casos de lesões traumáticas em mucosa oral, num período de três anos (1997 a 2000).

Os diagnósticos foram baseados na história clínica do paciente e estudo anatomopatológico das lesões. As biópsias foram realizadas no Centro Cirúrgico do Departamento de Otorrinolaringologia desta instituição, sob anestesia local; e as avaliações histológicas, no Departamento de Anatomia Patológica.

Dos casos obtidos, foram coletados, a partir dos protocolos de admissão no Ambulatório de Estomatologia, os dados referentes a sexo, idade, local comprometido, etiologia e tipo de lesão.



Gráfico 1. Distribuição de sexo e idade.



RESULTADOS

Neste estudo analisaram-se 67 lesões encontradas em 65 pacientes. Destes, 40 (61,5%) eram do sexo feminino; e 25 (38,5%), do sexo masculino. A idade variou de quatro a 82 anos, sendo que a maioria concentrou-se entre as quarta e sétima décadas de vida (64,7%). Dois casos eram de menores de 10 anos; e três, de pessoas com mais de 81 anos. A distribuição dos pacientes por sexo e idade está ilustrada no Gráfico 1.

Caracterizando os diferentes agentes etiológicos causadores destas lesões traumáticas encontram-se as dentaduras, mordidas, falhas dentárias e cauterização química em mucosa. As próteses dentárias e as mordidas foram as principais responsáveis pelas lesões da mucosa oral de pacientes de nosso Ambulatório. Juntas, corresponderam a 95,4% dos casos; a primeira foi responsável por injúrias em 25 (38,5%) pacientes, enquanto que a segunda o foi por 37 256,9%). As falhas dentárias foram causa de comprometimento da mucosa oral em apenas dois casos (3,07%), ambos do sexo masculino, e a cauterização em uma senhora de 47 anos (1,53%). No caso das dentaduras, 18 eram do sexo feminino (72%) e sete do sexo masculino (28%); no caso das mordidas, esta prevalência do sexo feminino também foi, observada, mas em menor escala: 16 homens (43,25%) e 21 mulheres (56,75%). No Gráfico 2 estas correlações são bem esclarecidas.

Como local das lesões, verificamos acometimento de lábios, língua, região gengivojugal, palato e assoalho de boca. No Gráfico 3 podemos notar que a língua foi comprometida em 29 (43,28%) casos, seguida pela região de gengiva e mucosa jugal (19 pacientes - 28,36%). Só sete (10,45%) pacientes apresentaram lesões em lábio, contra nove (34,43) em palato e três (4,48%) em assoalho. Em todos os locais, a incidência em mulheres foi maior, exceto pelo assoalho de boca; que foi exclusivo do sexo masculino.



Gráfico 2. Distribuição dos agentes do trauma por sexo.



Figura 1. Hiperplasia fibrosa gengivo-jugal.



Gráfico 3. Distribuição do local da lesão por sexo.



Figura 2. Cisto mucoso de labio.



TABELA 1 - Distribuição das lesões quanto ao sexo.



Analisando estas lesões quanto a macro e microscopia, constatamos que a hiperplasia fibrosa (Figura 1) é a doença mais incidente neste Ambulatório entre as lesões traumáticas de mucosa oral. Responsável por 28 (41,79%) dos casos, comprometeu principalmente as mulheres numa proporção de quase quatro mulheres para um homem (22 mulheres e seis homens), distribuindo-se prevalentemente entre a quarta e a sétima décadas de vida. As hiperplasias de papilas foliáceas corresponderam a cinco (7,47%) casos e os hemangiomas, assim como as leucoplasias, a quatro cada (5,97%). Houve apenas um caso de afta, um de edema do ducto de Stenon, um de desepitelização e dois (2,98%) de cisto mucoso (Figura 2). Os demais pacientes tinham lesões cujo anatomopatológico não foi totalmente concluído, sendo nove por ulcerações/ exulcerações, oito por hiperemia, um por equimose, um com lesão vegetante, um com espessamento e um com lesão elevada. A Tabela 1 mostra a distribuição destas lesões quanto ao sexo, e a Tabela 2 esclarece bem a distribuição das lesões quanto ao local comprometido e agente do trauma.



TABELA 2 - Distribuição das lesões quanto ao local comprometido e agente do trauma.



DISCUSSÃO

Na maioria, as lesões de boca são uma resposta do tecido à infecção não específica, fator irritante e/ou trauma. Estes "agressores" promovem a proliferação de células epiteliais e inflamatórias, fibroblastos, colágeno e vasos sangüíneos, podendo, ou não, levar a destruição do tecido. De acordo com a usa específica, então, pode se classificar clinicamente as lesões quanto a: a) presença ou ausência de ulcerações, b) consistência, c) cor, d) pediculada ou séssil, e e) com, ou sem, associação à destruição e neoformação óssea: Histologicamente, variação ocorre quanto a: a) grau de proliferação vascular, b) processo inflamatório, c) abundância de colágeno, d) células gigantes, e e) atividades osteoclástica e osteoblástical. Com base nisso, pode se fazer diagnóstico das lesões e classificá-las maneira a tornar mais fácil seu entendimento.

Pensando assim, Anneroth e Sigurdson, 1983, propuseram uma classificação:

Lesões granulomatosas: apresentam um importante processo inflamatório, além de intensa proliferação vascular. O epitélio geralmente é fino, com ulcerações e recoberto por fibrina. Há inúmeros polimorfonucleares, com fibroblastos imaturos e algumas células gigantes. Há prevalência no sexo feminino (talvez pelo fator hormonal) e têm como principais exemplos os tumores gravídicos, granuloma piogênico e epulis angiomatoso.

o Lesões fibromatosas: ricas em colágeno, apresentam discreto processo inflamatório e pobre vascularização. Além de acantose, hiperparaqueratose e ausência de células gigantes, pode haver proliferação óssea metaplásica. Apesar de Cutright, em 1974, afirmar ser mais prevalente no sexo feminino (esteticamente, as mulheres têm uso mais prolongado das próteses dentárias), os demais estudos mostram não haver diferenças quanto ao sexo, mas uma maior prevalência entre quarta e quinta décadas de vida1, 7. Como principais exemplos, temos a hiperplasia fibrosa e o epulis fissuratum. É importante ressaltar que é incorreto usar aqui o clássico termo "fibroma", já que este envolve um conceito específico para os tumores benignos de tecido conjuntivo por proliferação de fibroblastos e tem como diagnóstico diferencial os neurofibromas, leiomiomas e angioleiomioma3.

o Lesões de células gigantes: abundância de células gigantes, principalmente do tipo osteoclástica, no estroma mensequimal do tipo embrionário (primitivo) com presença de fibroblastos, elevada ação osteoblástica e baixo grau de processo inflamatório. Observa-se, em geral, presença de hemossiderina e lesão recoberta por um epitélio de múltiplas camadas que se restringe à gengiva e processo alveolar. Pela intensa ação osteolítica também existente, o grau de destruição alveolar é muito mais prevalente nesta lesão, necessitando assim uma maior margem de ressecção, incluindo periósteo e até, às vezes, camada óssea superficial.

Neste estudo, não se observou qualquer lesão de células gigantes, mas sim que predominam as fibromatosas em 41,79% dos casos. Apesar de não se ter estabelecido uma correlação direta entre as hiperplasias fibrosas e o sexo feminino1, nosso estudo apresenta dados semelhantes aos de Cutright, em 1974, quando mostramos uma incidência de 78,57% de casos em mulheres: talvez por serem mais vaidosas, usam mais prolongadamente suas próteses dentárias.

Bastante comum, segundo a literatura, mas não encontrado em nossas análises microscópicas, temos o morsicatio buccarum et labiorum5, 6, 8, 9, 10 que, apesar de histologia patogenomônica, muitas vezes é erroneamente diagnosticado. Inicia com uma lesão esbranquiçada simples e pode evoluir até com uma erosão em lábios ou mucosa jugal. Causada pelo contínuo hábito de mordiscar, tem correlação psicogênica11 importante e não deve ser esquecida pelos clínicos e patologistas.

Destaca-se que, em nosso meio, são preponderantes as lesões causadas por próteses dentárias mal adaptadas e mordidas, provavelmente por problemas de oclusão não resolvidos e más condições de conservação dentária. Tais fatos refletem as péssimas condições dentárias da nossa população, bem como a dificuldade de acesso à assistência odontológica básica - e, mais ainda, aos tratamentos ortodônticos, devido ao baixo nível sócio-econômico.

É importante ressaltar que nem todas as lesões são sintomáticas, passando despercebidas pelo próprio paciente e principalmente pelos médicos. Na nossa opinião, isto contribui para que as estatísticas sejam diferentes da encontrada na literatura.

Em suma, as lesões traumáticas de mucosa oral apresentam grande prevalência na nossa população e refletem suas condições dentárias.

Seu diagnóstico adequado é importante para evitar não só recidivas de lesões e procedimentos cirúrgicos repetidos, mas também evolução e, mais raramente, eventual malignização da lesão. Os pacientes devem ser encaminhados para reabilitação oral (protetização, tratamento dentário, correção de problemas de oclusão) e, se necessário, acompanhamento psicológico nos casos de mordidas contínuas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ANNEROTH, G.; SIGURDSON, A. - Hyperplastic lesions of the gingival and alveolar mucosa. Acta. Odontol. Scand., 41 (2): 75-86, 1983.
2. BORK, K.; HOEDE, N.; KORTING, G. W.; BURGDORF, W. H.; YOUNG, S. K. - Diseases of the Oral Mucosa and the Lips. English edition, 1996.
3. CHRISTOPOULOS, P.; SKLAVOUNOU, A.; PATRIMOU, A. True fibroma of the oral mucosa: a case report. Int. J. Oral. Maxillofac. Surg., 23: 98-99, 1994.
4. CUTRIGHT, D. E. - The histopathologic findings in 583 cases of epulis fissuratum. Oral. Surg. Oral. MM. Oral. Pathol., 37 (3): 401-411, 1974.
5. GLASS, F.; MAIZE, J. C. - Morsicatio Buccarum et Laborium (Excessive Cheek and Lip Biting). Am. J. Dermatopathol., 13: 271-274, 1991.
6. HATJIGIORGIS, C. G.; MARTIN, J. W. - An interim prosthesis to prevent lip and cheek biting. J. Prosthet Dent., 59 (2): 250252, 1988.
7. HOUSTON, G. D.; BROWN, F. H. - Differential Diagnosis of the Palatal Mass. Compendium., 14 (10): 1222-1232, 1993.
8. Letter: Leukodema, reactive hyperkeratosis, or cheek biting. Arch. Dermatol., 117 (8): 454-455, 1981..
9. SCHIÖDT, M.; LARSEN, V.; BESSERMANN, M. - Oral findings in glassblowers. Community Dent. Oral Epidemiol., 8 (4):195200, 1980.
10. SINGH, T. - An appliance for the management of cheek biting. J. Indian. Dent. Assoc., 43: 18-19, 1971.
11. WALKER, R. S.; ROGERS, W. A. - Modified maxillary occlusal splint for prevention of cheek biting: A clinical report. J. Prosthet Dent., 67 581-582, 1992.




* Pós-Graduanda (Mestrado) do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
** Pós-Graduanda (Doutorado) do Departamento de otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
*** Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Endereço para correspondência: Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - Departamento de Otorrinolaringologia - Rua Cesário Motta Júnior, 61 - 01221-020 São Paulo - SP - Telefone/Fax: (0xx11) 5051-2165 - E-mail: ivobf@dialdata.com.br

Este trabalho foi apresentado como pôster no 35° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, realizado em Natal (RN), em 18 de outubro de 2000.
Artigo recebido em 20 de novembro de 2000. Artigo aceito em 15 de janeiro de 2001.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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