ISSN 1806-9312  
Sábado, 9 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2769 - Vol. 67 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 2001
Seção: Artigos Originais Páginas: 327 a 331
Amigdalectomia a Laser de CO2.
Autor(es):
Lucas G. Patrocínio*,
José A. Patrocínio**,
Sônia Regina Coelho***,
Pérsio M. Amaral****,
Tomas G. Patrocínio*****.

Palavras-chave: amigdalectomia, amigdalite, laser de CO2

Keywords: tonsillectomy, tonsillitis, CO2 laser

Resumo: Introdução: A amigdalectomia permanece sendo o procedimento mais comum dentro da otorrinolaringologia. As modificações e as evoluções da técnica cirúrgica são sempre no sentido de simplificá-la e de diminuir as complicações. A utilização do laser de CO2 é uma inovação nesse tipo de tratamento cirúrgico. Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e método: Operamos 20 pacientes com diagnóstico de amigdalite crônica caseosa, adultos, cooperativos, sem reflexo nauseoso exacerbado. O procedimento foi executado sob anestesia local infiltrativa, usando 4 a 6 ml de lidocaína a 2% com epinefrina 1:80.000, com o auxílio do laser de CO2, na potência de 10 watts, superpulso contínuo. Resultados: A incidência de sangramento no trans-operatório foi menor. Todos os pacientes evoluíram com melhora subjetiva da halitose e da queixa de eliminação de caseum.

Abstract: Introduction: The tonsillectomy is still the most common procedure in ENT. The modifications and the evolutions of the surgical technique aim to simplify and reduce the complications. The use of the CO2 laser is an innovation in the surgical treatment of these infections. Study design: Clinical prospective. Material and method: We operated 20 patient with diagnosis of chronic tonsillitis with debris and halithosis, adults, cooperative, without exacerbated nausea reflex. The procedure was executed under local infiltrated anesthesia, using 4 to 6 ml of lidocaine 2% with epinefrine 1:80.000, with the aid of the CO2 laser, 10 watts potency, superpulse continuous. The trans-operative bleeding incidence was smaller. Results: All the patients had developed with subjective improvement of the halitosis and without caseum elimination.

INTRODUÇÃO

A amigdalectomia permanece sendo o procedimento mais comum dentro da otorrinolaringologia. A cirurgia vem sofrendo modificações através dos tempos no sentido de simplificá-la e de diminuir as complicações1.

Em escrituras hindus, datadas de 3.000 a.C., encontram-se descrições de amigdalectomia. Celsius Cornelius, na Grécia, 50 anos d.C., descreveu a cirurgia. Na mesma época, Paulo de Aegina demonstrou procedimento que consistia no descolamento da cápsula mucosa com o dedo e a enucleação, da amígdala. Em 1958, Malecki publicou que o tecido amigdaliano produz anticorpos e fez com que as indicações cirúrgicas se tornassem mais criteriosas7. Na década de 70, pela melhor elucidação das funções imunológicas, a decisão cirúrgica ficou ainda mais cuidadosa, surgindo a indicação isolada para a cirurgia das amígdalas e das adenóides, pelo predomínio do tecido linfóide.

Nas crianças, a hipertrofia das amígdalas acontece pelo predomínio do tecido linfóide. Em situações que levam à obstrução das vias aéreas superiores, torna-se necessária sua retirada. No adulto, a amigdalite crônica ocorre pelo predomínio de tecido conjuntivo e pode ser necessário extirpá-las em casos pré-estabalecidos.

Atualmente, as indicações de amigdalectomia estão bem definidas e são divididas em absolutas e relativas. As indicações absolutas são: 1) hipertrofia amigdaliana com obstrução das vias aéreas superiores; 2) apnéia obstrutiva do sono; 3) suspeita de malignidade; 4) déficit de desenvolvimento; 6) alterações na fala; 7) disfunção para comer e engolir; 8) má oclusão dentária; e 9) anormalidade no crescimento orofacial. As relativas são: 1) infecções recorrentes; 2) portador do Streptococcus -hemolítico do grupo A; 3) halitose; 4) abscesso periamigdaliano.

A utilização do laser de CO2 é uma inovação no tratamento cirúrgico destas afecções. Usá-lo para a cirurgia de amigdalectomia sob anestesia geral praticamente não apresenta vantagem alguma, ao se comparar com técnicas de dissecção, guilhotina, eletrocautério e alta freqüência, entre outras. A isso, somam-se os rigorosos cuidados que se devem tomar, na sala operatória, quando está em uso o laser de CO22. No entanto, o seu uso associado a anestesia local facilita o ato operatório, sendo mais confortável e simples para o paciente e para o cirurgião. Objetivando confirmar tal fato e buscando outras vantagens e desvantagens da amigdalectomia a laser de CO2, realizamos o presente estudo.



Figura 1-Aparelho de laser de CO2, com potência de 20 watts, utilizado na cirurgia de amigdalectomia sob anestesia local.



Figura 2 - Caneta de laser de CO2 com ponteira de cerâmica de 8mm, utilizada na cirurgia de amigdalectomia a laser.



CASUÍSTICA E MÉTODO

Foram operados 20 pacientes adultos, com amigdalite crônica caseosa e halitose, incluídos, portanto, nos critérios de indicação cirúrgica relativa de amigdalectomia. Todos eram cooperativos, sem reflexo nauseoso exacerbado, e concordaram em ser submetidos a amigdalectomia, sob anestesia local infiltrativa, com o auxilio do laser de CO2.

O equipamento requerido para a cirurgia inclui: a cadeira monitorizada de exame de otorrinolaringologia, laser de CO2 de 20 watts (Figuras 1 e 2), evacuador de fumaça, foco frontal, bisturi de alta freqüência (Figura 3) e material de amigdalectomia. O paciente, assim como todos na sala de cirurgia, devem usar óculos protetores para evitar dano corneano pelo laser2. A disposição da equipe e dos equipamentos na sala de cirurgia é mostrada na Figura 4.



Figura 3 - Bisturis de alta freqüência utilizados como suporte nas cirurgias de amigdalectomia a laser de CO2.



O procedimento foi feito sob anestesia local, com o paciente semi sentado. O paciente foi informado que a parte posterior de sua garganta ficaria anestesiada e que perderia a sensação de deglutição e da respiração. Depois, aplicou-se intramuscularmente uma ampola de antiinflamatório (diclofenaco 75mg) associada a um antiemético (dimenidrinato 30mg). Borrifou-se duas a três vezes a parede posterior da orofaringe com lidocaína a 10% e infiltraram-se as duas amigdalas palatinas em três pontos (Figura 5): nos seus pólos superior e inferior e no meio do pilar anterior, lateralmente à amígdala, com 4 a 6 ml de lidocaína a 2% com epinefrina 1:80.000, no total. Aguardou-se de 5 a 10 minutos após a infiltração, esperando o efeito da anestesia e de vasoconstrição máxima, para se iniciar a operação. Não há necessidade de sedação.

O paciente foi instruído para, durante o procedimento, inspirar profundamente e ir expirando lenta e prolongadamente por 10 a 20 segundos. Assim, na expiração, pode se aplicar o laser na sua faringe, evitando que ele aspire fumaça. Repete-se esta manobra até o final da cirurgia. Este ciclo controlado de respiração eleva o palato mole, estabiliza a língua e reduz o risco de aspiração da fumaça provocada pelo laser, que pode causar tosse, náusea e dificuldade respiratória.

Pediu-se para o paciente inspirar profundamente e abrir a boca o máximo que pudesse. Aspirou-se o excesso de saliva que porventura existia na faringe. De rotina, iniciou-se a cirurgia -sempre pela amígdala esquerda. Com a pinça curva da amígdala (Allis), prendeu-se a amígdala palatina pelo meio, tracionando-a para a linha média. Com o laser de CO2, na potência de 10 watts, superpulso contínuo, iniciou-se a incisão do pólo superior, no espaço entre a amígdala palatina e o pilar anterior, enquanto o auxiliar manipulava o aspirador de fumaça. Gradativamente, dissecou-se em direção ao pólo inferior, sempre conservando os pilares anterior e posterior. Caso ocorresse um sangramento maior, que não se conseguisse controlar com o laser, foi utilizado um eletrocautério ou um bisturi de alta freqüência, para cauterizar o vaso, ou um fio de seda número 1, para dar um ponto.



Figura 4 - Desenho esquemático demonstrando a disposição da equipe e equipamentos na sala de cirurgia.



Terminada a operação, manteve-se sobre o leito operatório, por dois a três minutos, uma gaze embebida em subgalato de bismuto, na tentativa de controlar um possível sangramento de pequenos vasos. Retiraram-se estas gazes e fez-se uma última revisão cauterizando com o bisturi de alta freqüência algum sangramento evidenciado.

A cirurgia durou, em média, 30 minutos, e o paciente foi imediatamente para casa (Figura 6). Foram prescritos analgésico e antiinflamatório por uma semana. Recebeu, por escrito, recomendações sobre alimentação, cuidados gerais e possíveis complicações. Retornou para avaliação pós-operatória com sete ou 10 dias, quando recebeu alta.



Figura 5 - Desenho esquemático demonstrando os pontos (superior, médio-lateral e inferior) de infiltração do anestésico local no pilar anterior.



RESULTADOS

Dos 20 pacientes, 12 eram do sexo masculino; e oito, do sexo feminino, com idades variando entre 18 e 35 anos (média de 26,5 anos).

Todos os pacientes submetidos a esse procedimento apresentaram sangramento trans-operatório facilmente controlado, utilizando-se cauterização com bisturi de alta freqüência.

A queixa de dor pós-operatória se constituiu na segunda complicação mais comum, sendo remediada com diclofenaco (75 mg), antecedendo o procedimento e mantendo-o juntamente com analgésicos orais, por sete a 10 dias.

Ocorreram dois sangramentos no pós-operatório, um no quarto e outro no sexto dia, de volume e intensidade pequenos, os quais se resolveram espontaneamente, sem necessidade de reintervenção.

Todos os pacientes evoluíram com melhora subjetiva da halitose e da queixa de eliminação de caseum.

DISCUSSÃO

Vários autores têm descrito a amigdalectomia a laser1, 6, 11, 12. O aparelho de raios laser tem uma aplicação vasta na área de otorrinolaringologia e plástica facial. Por ser um equipamento de custo elevado, quanto maior sua utilização em diferentes cirurgias, menor será seu custo final.

Os tecidos moles podem ser cortados, vaporizados ou coagulados com laser, o que se constitui em vantagem, diminuindo o sangramento durante a cirurgia e a dor pós-operatória6.



Figura 6 - Pós-operatório imediato de paciente operado de amigdalectomia, sob anestesia local, com o uso do laser de CO2.



Usar o laser em centro cirúrgico requer um protocolo rígido, que envolve desde adequações no ambiente da sala cirúrgica até o tipo de tubo endotraqueal, visando o risco de combustão pelo O22.

Ademais, sabemos que o risco de complicações nesta cirurgia é mínimo8. Por isso, achamos mais simples usa-lo no consultório, realizando cirurgias ambulatoriais tais como: ressecção de nevus, blefaroplastias, ressecção de rugas, LAUP e outras.

Confirmado o diagnóstico de amigdalite crônica caseosa no paciente adulto, e havendo a concordância deste com a cirurgia, achamos que deve ser explicado a ele que existe a possibilidade de se executar a amigdalectomia sob anestesia local, com o auxílio do laser de CO2.

Vários autores descrevem bons resultados fazendo a criptólise das amígdalas palatinas com laser1, 6, 11, 12. Na nossa experiência, a incidência de recidiva foi significativa, necessitando, por vezes, de uma segunda, terceira e até quarta intervenção, para solucionar o problema da eliminação de caseum. Por outro lado, com um pouco mais de trabalho, em um só tempo, ao fazer a amigdalectornia, eliminamos o problema definitivamente.

Auf e colaboradores1 afirmam que a amigdalectomia a laser é menos dolorosa, e Strunk e Nichols" contrariam esta afirmação, dizendo que a dor pós-operatória é a mesma. Concordamos com estes.

Sem dúvida, o sangramento, utilizando este método é menor. O subgalato de bismuto, além do efeito hemostático, facilita a visualização do vaso maior sangrante, porque fica um ponto vermelho no leito cruento, que está amarelo pelo subgalato5, 9, 10, 13.

CONCLUSÃO

Este novo procedimento pode ser utilizado em pacientes adultos, cooperativos, sem reflexo nauseoso exacerbado. Toma-se uma conduta que deve ser adotada sempre que possível pela sua efetividade, segurança, comodidade, rapidez e menor sangramento, além de não oferecer o risco da anestesia geral e a necessidade de internação. O paciente, quando decidido pela cirurgia de amigdalectomia, tem que tomar conhecimento dessa opção terapêutica. Apesar do preço alto do aparelho de raios laser, o custo final da cirurgia é menor graças à simplificação da cirurgia. É uma alternativa interessante que devemos oferecer ao nosso paciente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. AUF, I.; OSBORNE, J. E.; SPARKES, C.; KHALIL, H. - Is the KTP laser effective in tonsillectomy. Clin. Otolaryngol., 22.- 145146, 1997.
2. CANNON, R. C. - Safety protocol for laser-assisted tonsillectomy. Laryngoscope, 108(8 Pt 1): 1249-1251, 1998.
3. ENDO, L. H. - Adenoamigdalectomia. In: PINTO, J. A. (org.). Ronco e Apnéia do Sono. Rio de Janeiro: Revinter, 2000.p. 111-115.
4. HUNGRIA, H. - O problema das amígdalas e vegetações adenóides. In: Otorrinolaringologia. 8.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. p. 167-170.
5. ISSA, A. - O uso do subgalato de bismuto como agente hemostático em cirurgias de adenóides /ou de amígdalas. Ribeirão Preto, 1998 (Tese de mestrado - Faculdade de medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo).
6. KRESPI, Y. P.; LING, E. H. - Laser-assisted serial tonsillectomy. J Otolaryngol., 3(5): 325-327, 1994.
7. MALECKI, J. - The antibody level in the tonsil. Parenchyma and its correlations. Arch. Otolaryngol., 67.- 28-31, 1958.
8. MANIGLIA, A. J.; KUSHNER, H.; COZZI, L. - Adenotonssillectomy. A safe outpatient procedure. Arch. Otolaryngol. Head Neck Surg., 115(1): 92-94, 1989.
9. MOLINA, F. D.; et al. - A eficácia do subgalato de bismuto em tonsilectomias como agente hemostático. Rev. Bras. Otorrinolaringol., 66(3): 194-197, 2000.
10. NASSIF, A. C. N.; PATROCINIO, J. A. - O subgalato de bismuto nas amigdalectomias. RBM, 35(8): 505-506, 1978.
11. STRUNK, C. L.; NICHOLS, M. L. - A comparison of the KPT/ 532-laser tonsillectomy vs. tradicional dissection/snare tonsillectomy. Otolaryngol. Head Neck Surg., 103(6): 966-971, 1990.
12. SUPIYAPHUN, P.; SIRICHAROENSANG, S. -Treatment of tonsillar crypt infection with CO2 laser. A preliminary report. J Med. Assoc. Thai., 79(2): 133-136, 1996.
13. THORISDOTTIR, H.; RATNOFF, O.; MANIGLIA, A. Activation of Hageman factor (Factor XII) by bismuth subgallate, a hemostatic agent. J Lab. Clin. Med., 112: 481-486, 1998.




* Aluno do Curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia - Uberlândia/MG.
** Professor Titular e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia.
*** Médica Otorrinolaringologista do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia.
**** Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínica da Universidade Federal de Uberlândia.
***** Aluno do Curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia e Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital Santa Genoveva - Uberlândia/MG.
Endereço para correspondência: José Antônio Patrocínio - Rua XV de Novembro, 327/ apto. 1600 - Bairro Centro - 38400-214 Uberlândia /MG.
Telefone/Fax: (0xx34) 215-1143 - E-mail: lucaspatrocinio@triang.com.br or lucaspatrocinio@doctor.com
Artigo recebido em 21 de setembro de 2000. Artigo aceito em 9 de fevereiro de 2001.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia