INTRODUÇÃOO aumento de volume na região sublingual ou na bochecha, relacionado com a ingestão de alimentos, em geral está relacionado com transtornos do ducto de drenagem das glândulas salivares. A dilatação distal do ducto de Wharton pode estar relacionada com cálculos ou por fibrose pós-inflamatória do mesmo.
Além das causas adquiridas, que são as mais freqüentes, pode se observar muito raramente as causas congênitas, que são as sialoceles do ducto de Stensen ou Wharton. A sialografia ou tomografia computadorizada revelam geralmente, além da dilatação ductal, transtornos do parênquima glandular por alteração da drenagem.
A sialocele do ducto de Wharton causando grande abaulamento sublingual é muito rara; e, pelo fato de não encontrarmos outro caso publicado na nossa literatura, julgamos interessante divulgá-lo.
APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICOO. O. S., com 21 anos de idade, do sexo masculino, natural e procendente de Maceió/AL, porteiro.
QP: Bola embaixo da língua há cinco anos.
HPMA: Paciente refere abaulamento logo abaixo da língua que ocasionalmente aumenta de volume, principalmente relacionado com a ingestão de alimentos ácidos. Também libera secreção clara para dentro da cavidade oral, a qual o paciente denomina "saliva grossa" e ocorre geralmente durante as refeições.
Relata também que já apresentou episódios de aumento de volume, dor e febre por alguns dias, tendo sido medicado com antibióticos.
Nega eliminação de cálculos ou trauma na região.
Nega outras queixas, assim como não apresenta nenhuma particularidade nos antecedentes pessoais e familiares.
Exame ORL
Ausência de linfonodos cervicais.
Assoalho da cavidade oral, sem alterações.
Aumento de volume da glândula submandibular esquerda e, na palpação bimanual, eliminação de secreção espessa, de coloração clara.
Com a suspeita clínica de sialolitíase da glândula submandibular esquerda foram realizados os seguintes exames: 1) Sialografia, revelando dilatação do ducto de Wharton (Figuras 1 e 2).
2) Tomografia computadorizada de região cervical, acusando presença de formação hipoatenuante, alongada, homogênea, de limites bem definidos, sem realce ao meio de contraste e localizada na topografia de glândula submandibular esquerda de seu conducto. Não foi evidenciada imagem de cálculo no presente estudo.
Figura 1. Sialocele do ducto de Wharton (vista lateral).
Figura 2. Sialocele do ducto de Wharton (corte sagital).
Conclusão: Sialocele do ducto de Wharton esquerdo.
Foi indicada a exérese da glândula submandibular esquerda sob anestesia geral e por via externa. Incisão de Sebileau (1 cm abaixo e paralela ao ramo horizontal da mandíbula); e, após, dissecção da glândula, caminhando de posterior para anterior no assoalho da boca, fazendo a ligadura do ducto bem próximo do seu orifício de drenagem.
O resultado do anátomo-patológico foi: sialoadenite crônica inespecífica com fibrose intersticial e dilatação cística do ducto.
DISCUSSÃOA sialocele dos ductos de drenagem das glândulas salivares é bastante rara. A glândula parótida, que é a maior glândula salivar do homem, está mais sujeita aos traumas, podendo apresentar sialocele intraglandular. Estas dilatações têm sido descritas como saculares ou lobulares e dependem da completa ou incompleta interrupção do sistema ductal1. Ainda como causas adquiridas, o ducto de Stensen da glândula parótida tem sido sede de dilatações císticas em vários casos descritos na literatura, encontrados em sopradores de vidro e em músicos que utilizam instrumentos de sopro4. Também mordidas acidentais durante a mastigação no ducto da parótida podem dilatá-lo3.
O ducto de Wharton é também predisposto a traumas, incluindo os provocados por próteses inferiores mal adaptadas e principalmente pela presença de cálculos, que são mais freqüentes na glândula submandibular do que na parótida2.
No presente caso, o paciente não relacionou o início do quadro com trauma ou história de cálculo, que em geral é bastante típica. Há possibilidade de que se trate de malformações do ducto e que possa sofrer dilatação por algum fator desencadeante, como pequenos traumas ou processos inflamatórios5.
A sialoadenite constatada no anátomo-patológico deve corresponder a dificuldade de drenagem provocada pela ectasia do ducto.
CONCLUSÃOA sialocele do ducto de Wharton é uma entidade rara, que se apresentou com repetidos episódios de reagudização de um processo crônico. A provável dificuldade de drenagem levou a sialoadenite crônica. A causa da sialocele seria congênita e o tratamento cirúrgico, que consistiu em exérese da glândula submandibular e de seu respectivo ducto, resolveu satisfatoriamente o caso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. CHOLANKERIL, J. V.; RAVIPATI, M.; KHEDERKAR, S.; JANEIRA, L. L; VILLACIN, A. - Unusually Large Sialocele: CT Characteristics. J. Comput. Assist. Tomogr., 13 (2): 367-8, 1989.
2. FARB, S. N. - Disorders of salivary glands - Otolaryngology Medical Outline Series - Medical Examination publishing Company, INC: 245-56, 1970.
3. IQBAL, SM; R. R.; DEWANGAN, G. L. - Sialocele of Stensen's duct. J. Laryngol. Otol., 100: 363-5, 1986.
4. PRATT, L.W., (1965), apud HOOPER, R.; SAXON, R.; TROPP, A. - Cysts of the parotid gland. J. Laryngol. Otol., 89: 427-33, 1975.
5. RIBEIRO, M. Q.; GRANATO, L.; CAMPANA, D.; PADULA, F.; MARIGO, C. - Sialocele of Stensen' ducts (A case report) - E. R. S & I. S. I. A. N. Meeting ; 98 - Monduzzi Editore Sp.2 Bologna - Itália: 173-7, 1998.
* Residente do Segundo Ano do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
** Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
*** Professor Instrutor do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
Endereço para correspondência: Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo - Rua Dr. Cesário Mota Jr., 112 -01277-900 São Paulo/SP.
Artigo recebido em 27 de julho de 2000. Artigo aceito em 28 de setembro de 2000.